segunda-feira, maio 29, 2006

Propaganda Nazista e Marketing Moderno

Com frequência, estudantes de comunicação debatem comigo ou me indagam sobre assuntos os mais diversos. "Marketing político" e "marketing de guerrilha" são os temas prediletos de estudantes de propaganda e "liberdade de expressão" e "independência dos meios de comunicação", os mais demandados por estudantes de jornalismo. Esses encontros são sempre momentos de descobertas e de aprendizado. Na entrevista abaixo, colhida por alunos de publicidade da Unama (Universidade da Amazônia), sou provocado a discorrer sobre um tema delicado: a propaganda nazista. Revido de maneira também provocadora ao insuar ligações ocultas - e associações indiretas - entre a propaganda de Goebbels e o marketing moderno, esse que praticam não apenas os partidos políticos de hoje, mas também as grandes corporações. Embora longa, a mantive na íntegra. Afinal, uma boa provocação só vale a pena se for por inteiro.

Como o senhor caracteriza a propaganda política do Nazismo? Pontos positivos e negativos.

A propaganda nazista foi o principal instrumento de ascensão e um dos principais pilares de sustentação do regime de Adolf Hitler, o austríaco que assumiu o poder na Alemanha em 1934 - depois de haver perdido as eleições de 1932 - e viria a desencadear a II Guerra Mundial.
É verdade que a arte de convencer pela palavra é bem mais antiga. Em sua forma moderna, a propaganda política foi inaugurada pelo bolchevismo, especialmente por Lênin e Trotski. Mas, mesmo antes deles, houve líderes que reconheceram sua importância. Napoleão Bonaparte, por exemplo, dizia: "Para ser justo, não é suficiente fazer o bem, é igualmente necessário que os administrados estejam convencidos. A força fundamenta-se na opinião. Que é o governo? Nada, se não dispuser da opinião pública”.
No entanto, é preciso reconhecer que foram Hitler, o ditador alemão dos anos trinta e quarenta do século XX, e Joseph Goebbels, seu ministro da propaganda, que utilizaram com maior sucesso as técnicas de controle da opinião pública, dando, assim, o contorno definitivo à propaganda moderna. Orador inflamado e líder carismático, Hitler usou a propaganda de forma espetacular para unificar o país. Identificou e rotulou os inimigos comuns, os judeus e os comunistas, e o alvo, o Tratado de Versalhes, que tinha imposto ao país condições desconfortáveis ao final da Primeira Guerra.
Podemos dizer que um dos pontos positivos da propaganda nazista é que ela revelou a engenharia interna da propaganda política, constituída por um mix de técnica, arte e ideologia. Isso, em si, não tem partido. Ou, como diz José Nivaldo Júnior em Maquiavel, O poder, “a diferença está na arte de quem a executa e na ideologia que a dissemina”. Outro ponto positivo foi estruturar a propaganda política de maneira sistêmica, incluindo não apenas o uso da mídia formal, da mídia alternativa mas de todos os aspectos da comunicação política, avançando para a redação dos discursos, a cenografia adequada, o efeito hipnótico do grito de guerra, dos holofotes, do jogo de luzes, da cadência da marcha, da logotipia, da identidade visual etc. O lado negativo é que fazia apologia da mentira, por achar que apenas a constância e a continuidade da mensagem bastariam para perpetuar seu regime e sua ideologia, cujo resultado final se contabiliza em milhões de vítimas inocentes.

O sr. acha que a Propaganda Política ocupa o primeiro lugar, antes da própria política, na hierarquia dos poderes totalitários e mesmo da democracia.

Bem entendido, propaganda é uma tentativa de influenciar a opinião e a conduta da sociedade, de tal modo que as pessoas adotem “uma conduta determinada”, como escreveu Bartlett, em Political propaganda. Nesse sentido, toda propaganda é sempre institucional, ideológica e, ao expressar uma ideologia, manifesta-se politicamente. Nisso, ela não diferencia-se em sua aplicação, seja em um regime totalitário, seja em um regime democrático, seja assinada por uma empresa ou por um partido político. Essa é uma das razões pelas quais é decisivo distinguir propaganda de publicidade. Jean-Marie Domenach, em seu livro A propaganda política, distingue ambas com precisão: "A publicidade suscita necessidades ou preferências visando a determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que, amiúde, modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas ou filosóficas”.
Mais diretamente podemos dizer que a propaganda é um instrumento da política e da ideologia, expressando-as, e não o inverso. Hierarquicamente, a política vem antes, definindo o conteúdo da mensagem, cabendo à propaganda estruturar a sua forma.

Há, ainda hoje, como envolver a massa a favor de uma liderança carismática? Quais são as principais estratégias e técnicas?

No século XX se ampliaram os limites dos três suportes da propaganda tradicional: a imagem, a escrita e a palavra oral. Quando o nazismo floresceu, o grande meio de comunicação era o Rádio. Hitler aumentou a potência e a quantidade de transmissores e receptores. Promoveu audições comunitárias, mandou instalar autofalantes nos postes, para que ninguém pudesse deixar de ouvir a palavra do Führer. Ele costumava dizer que o rádio, em conjunto com o cinema e o automóvel, haviam tornado possível a vitória nazi-fascista. No cinema, através da arte politizada de Leni Rienfentahl, inaugurou a moderna linguagem do audiovisual. Se isso foi feito naquele tempo, com os recursos escassos da primeira metade do século XX, imagine agora, na era da comunicação globalizada, dos meios de comunicação de massas em tempo real. Nós vimos bombas caindo sobre Bagdá, na mais recente guerra das forças anglo-americanas contra o Iraque, no mesmo momento em que a população iraquiana partilhava o alarido da destruição. Com instrumentos de comunicação eficazes e controle cabal da grande imprensa - as emissoras foram proibidas de veicular noticias provenientes da rede de TV Al Jazira, por exemplo - os Estados Unidos convenceram sua população e boa parte da opinião pública mundial da “correção moral” e da “necessidade política” de bombardear um país distante que não lhe havia atacado e contra o qual ele não havia declarado guerra. Tudo em nome do suposto “combate preventivo ao terrorismo”, como se nós pudéssemos atirar em alguém apenas por suspeitarmos que essa pessoa possa um dia nos fazer mal. Na verdade, tudo foi feito em nome da milionária indústria bélica dos Estados Unidos e dos negócios privados dos financiadores de campanha de George W. Bush. Segundo o relatório publicado pelo Center for Public Integrity (CPI), uma organização não-governamental norte-americana, 70 empresas dos Estados Unidos abocanharam contratos de 8 bilhões de dólares para realizar os trabalhos de reconstrução do Iraque. Todas elas haviam doado dinheiro para a campanha de Bush. Esse foi um exemplo de como uma liderança, mesmo sem carisma, mas assentada no poder, pode envolver emocionalmente as massas de um país, comprometendo-a em uma empreitada eticamente equivocada e historicamente desastrosa, usando as velhas armas da propaganda ideológica para encobrir interesses puramente políticos e econômicos. Como Hitler, Bush manipula a emoção para obter o resultado político desejado.
"Os poderes destrutivos contidos nos sentimentos e ressentimentos humanos podem ser utilizados, manipulados por especialistas", disse Monnerot. E para isso são utilizadas leis (ou “técnicas” ou “estratégias“) específicas. São elas:
Lei da Simplificação e do Inimigo Único: Consiste em concentrar sobre uma única pessoa as esperanças do campo a que se pertence ou o ódio pelo campo adverso. Reduzir a luta política, por exemplo, à rivalidade entre pessoas é substituir a difícil confrontação de teses. No caso do nazismo, os judeus e comunistas (formando uma massa uniforme) acabaram eleitos como o "inimigo único". Um bom exemplo contemporâneo foram campanhas presidenciais brasileiras de 1989. Em Fernando Collor de Mello se depositaram todas as esperanças - muitas delas trabalhadas pelos meios de comunicação - do povo brasileiro: um presidente jovem, esportivo, religioso e aparentemente honesto, prometia acabar com os "marajás" e instaurar a República da moralidade. Seu opositor era Lula, o comunista, o “sapo barbudo”, o inimigo único, contra o qual se constituiu uma aliança pró-Collor que ia da UDR e da Fiesp até a Rede Globo, passando pela Igreja Universal.
Lei da Ampliação e Desfiguração: A ampliação exagerada das notícias é um processo jornalístico empregado correntemente pela imprensa, que coloca em evidência todas as informações favoráveis aos seus objetivos. Exemplo: a greve nacional dos petroleiros, em 1998. Os veículos de comunicação (especialmente a Globo) anunciavam com freqüência que os combustíveis, principalmente o gás, iam faltar. Ressaltavam os problemas que adviriam da falta de gás. Mostravam as filas de compradores em busca de seus botijões. Assim, garantiram a opinião pública desfavorável aos petroleiros. No recente episódio da confusa nacionalização dos recursos minerais da Bolívia, quando Evo Morales, o presidente indígena, decretou a estatização das minas de gás que até então estavam sob controle da Petrobrás, as grandes redes de televisão se apressaram em criar um clima de enfrentamento e de guerra diplomática, alegando que o Brasil estava “de joelhos” e “se humilhando” para a Bolívia, desfigurando os fatos - rigoramente o Brasil não perdeu nem seus contratos nem seu patrimônio, uma vez que o Direito Internacional garante indenicação em caso de "nacionalização". O governo brasileiro retrucou dizendo que era um direito da Bolívia decidir como gerir sua riqueza mineral e seu sub-solo e, que, portanto, a soberania brasileira não estava em jogo e sim as relações comerciais entre dois países soberanos. Ato contínuo, os telejornais passaram a despejar doses diárias de terror, alegando que iria faltar gás de cozinha – que não é produzido na Bolívia nem importado pelo Brasil. O objetivo claro era provocar desgaste político em Lula e no governo, com objetivo descaradamente eleitoral.
Lei da Orquestração: A primeira condição para uma boa propaganda é a infatigável repetição dos temas principais. Goebbels dizia: "A Igreja Católica mantém-se porque repete a mesma coisa há dois mil anos. O Estado alemão deve agir analogamente."
Adolf Hitler, em seu Mein Kampf, escreveu que a propaganda deve limitar-se a pequeno número de idéias e repeti-las incansavelmente. “As massas não se lembrarão das idéias mais simples a menos que sejam repetidas centenas de vezes“, escreveu Hitler. “As alterações nela introduzidas não devem jamais prejudicar o fundo dos ensinamentos a cuja difusão nos propomos, mas apenas a forma. A palavra de ordem deve ser apresentada sob diferentes aspectos, embora sempre figurando, condensada, numa fórmula invariável, à maneira de conclusão”. Não parecem frases extraídas de um moderno tratado de comunicação mercadológica?
Portanto, a qualidade fundamental de toda campanha de propaganda é a permanência do tema (ou “conceito” - como dizemos hoje), aliada à variedade de apresentação. Convivendo com a redução substancial de sua participação na partilha do bolo de recursos federais - que na era FHC eram distribuídos com generosidade para os governadores do PSDB e com parcimônia burocrática aos demais governadores - o governo do Pará resolveu usar a técnica da orquestração para criar um discurso de “defesa do Pará" (defesa contra "quem"? Contra o "inimigo único", o Governo Federal), ao mesmo tempo em que oculta a participação do governo federal (agora do PT) em ações expressivas realizadas no Estado, como a regularização fundiária, a pavimentação de rodovias, a eletrificação rural ou a criação de um sistema único de segurança. Ao mesmo tempo, sob a abstrata bandeira da defesa do Pará, oculta sua participação ativa nas privatizações da Celpa e da Companhia Vale do Rio Doce, que geraram o desmonte de importante patrimônio público, a precarização dos serviços, a ausência de controle e fiscalização do Estado sob nosso sub-solo e a manutenção ad-eternum da "vocação" extrativista que nos coloca desde sempre na periferia do desenvolvimento nacional.
Lei da Transfusão: A propaganda não se faz do nada e se impõe às massas. Ela sempre age, em geral, sobre um substrato preexistente, seja uma mitologia nacional, seja o simples complexo de ódios e de preconceitos tradicionais. É o que os oradores fazem quando querem amoldar uma multidão ao seu objetivo: jamais contradizem as pessoas frontalmente, mas de início declaram-se de acordo com ela. A maior preocupação dos propagandistas reside na identificação e na exploração do gosto popular, mesmo naquilo que tem de mais perturbador e absurdo. O sexismo nas propagandas de cerveja é fruto da idéia, corrente, de que a mulher é um objeto de desejo e elemento ornamental em si, abstraindo seu valor como pessoa, como ser racional.
Lei da Unanimidade: Baseia-se no fato de que inúmeras opiniões não passam, na realidade, de uma soma de conformismo, e se mantêm apenas por ter o indivíduo a impressão de que a sua opinião é esposada unanimemente por todos no seu meio. É tarefa da propaganda reforçar essa unanimidade e mesmo criá-la artificialmente. Quando Ayrton Senna morreu, os meios de comunicação trataram de transformá-lo não apenas em ídolo, mas em um semideus, fazendo com que essa comoção chegasse até mesmo a pessoas que pouco sabiam sobre Fórmula 1 ou sobre a personalidade do piloto. Durante a transmissão do traslado do corpo de Ayrton Senna, ao ser perguntada por um repórter sobre o que estava sentindo, uma mulher respondeu: "Estou muito triste. Eu nem sabia o quanto amava o Ayrton”. Não sabia mesmo, até a mídia dizer isso a ela, criando artificialmente uma relação afetiva, quase íntima, pessoal, com alguém com quem ela nunca teve qualquer contato humano anterior.

No Dia da Propaganda, uma agência de Belém divulgou peça institucional onde usava a propaganda nazista, através de uma imagem e de alusão textual, como uma propaganda que não obteve êxito, fracassou. Na sua opinião, ela obteve êxito ou fracassou? Justifique?

A propaganda nazista foi exitosa. A idéia de que a linha mestra da propaganda nunca deve ser abandonada, de que qualquer variação tem que afirmar a mesma coisa, de que o sucesso da propaganda é assegurado pela repetição e pela constância, são matrizes do marketing e da propaganda contemporâneos lançadas por Goebbels durante a campanha nazista. Os fatos precisam ser reconhecidos. Em 2000, a Vanguarda fez um outro anúncio, também publicado no Dia da Propaganda, com o título “a propaganda sem ética pode vender tudo. Inclusive a nossa liberdade” onde combatemos a visão de que apenas a propaganda “justa”, “verdadeira”, pode ter êxito. Isso é pura mitologia. Fernando Collor, para ficarmos só em um exemplo, fez história para não deixar dúvida: propaganda sem ética vende, sim. Transforma mentira em verdade, ainda que por um tempo. E durar pouco tempo é ainda durar, porque a extensão temporal não precisa ser infinita para um fato acontecer e produzir resultados. A propaganda sem ética vende, passa adiante. E depois não pede desculpas. Pode vender falsários como salvadores da pátria e torná-los governantes; pode vender carros inseguros, que capotam numa freada brusca; pode vender pacotes de excursão que te deixam sozinho numa paragem perdida na savana africana ou em pleno Lençóis Maranhenses; pode vender a idéia de que todo árabe ou mulçumano é inimigo da civilização ocidental, desencadeando o ódio racial e a intolerância religiosa; propaganda sem ética pode vender tudo, inclusive a nossa liberdade. A propaganda nazista foi soberbamente exitosa porque ganhou a cumplicidade de uma das populações mais cultas do mundo para atos insanos, como o extermínio físico de comunistas e judeus ou a invasão de países limítrofes. Mas veja: a Alemanha foi pátria da filosofia moderna, esteve na vanguarda do pensamento ocidental. Não é nem nunca foi um povoado habitado por um amontoado de tontos. Contudo, o poder de convencimento da propaganda foi tamanho que o nazismo se instaurou praticamente sem derramamento de sangue: derrotado nas urnas, Hitler tornou-se primeiro ministro em 1932, em 1934, com a morte do presidente da Alemanha, Hindemburg, assumiu a presidência e consolidou seu poder. Em 1939, invadiu a Tchecoslováquia e a Polônia, sem encontrar resistência. Ele soube dialogar com os anseios, as aspirações e as franquezas daquele povo culto, submetendo-o. O fato do nazismo ter sido derrotado não se deu por conta da incorreção da sua propaganda, afinal ele não foi derrotado ideologicamente, ele foi derrotado militarmente para depois ser submetido a um julgamento ideológico e histórico. Felizmente, apenas o sucesso da propaganda não foi capaz, não foi suficiente, para levar Hitler e seus aliados à vitória final na segunda guerra mundial. Ele não foi derrotado por sua propaganda, e sim, foi derrotado apesar dela.