segunda-feira, maio 31, 2010

Uma lição para o mundo

Editorial publicado no jornal Propaganda e Marketing, 31/05/2010

Por polêmica que seja a tentativa do governo Lula de resolver o impasse com o Irã, não se pode negar que, com ela, o Brasil usa de uma liderança de fato que, até então, era vista apenas como potencial. Isso não é pouca coisa e tem repercussões importantes em todas as áreas das atividades políticas econômicas.
Nossa passividade histórica, por assombrados pelo significado das potências do “primeiro mundo”, formou gerações de brasileiros afetadas pelo que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata”, sentença recorrente em discursos presidenciais.
Foi esse complexo, aliás, que fez com que, inúmeras vezes, perdêssemos oportunidades de nos afirmar, mesmo tendo fatos que atestassem nossos direitos e nossa força. Pelo contrário, parte das elites brasileiras insistia em fazer coro com o “primeiro mundo” nas críticas aos modelos brasileiros de gerir as relações de mercado.
Quem vivenciou a resistência do Brasil às tentativas de desmonte do padrão de negócios sobre o qual a nossa indústria da comunicação construiu suas bases, sabe muito bem o quão pesado foi o fardo representado pelo enfrentamento com a tentativa de sabotagem da parte de quem se pretendia alinhado com o que chamava de “modernidade”.
Em nome dessa pretensa “liberdade de iniciativa”, o mercado publicitário mundial foi sacudido por longos períodos de instabilidade e insegurança, provocados por interesses desvinculados de qualquer compromisso outro senão valer-se do caos para fazer dinheiro rápido.
Agências e veículos, da Europa à América Latina, assistiram, impotentes, aos direitos à comercialização do produto de seus talentos serem usurpados por escritórios que tratavam os espaços na mídia como mera mercadoria afeita à pior especulação.
O Brasil, “na contramão da história”, na opinião de algumas “inteligências”, suportou heroicamente todas as pressões. Com isso, garantiu a consolidação da sua indústria da comunicação, cujos produtos tornaram-se referência para o mundo e são largamente exportados, inclusive, para o “primeiro mundo”.
O tempo, como sempre, foi senhor da razão. E descobrimos todos, aqui e lá, que aqueles modelos, durante anos defendidos por uma parcela de profissionais e empreendedores internacionais, como modernos e alinhados com o melhor capitalismo, em nada contribuíram com seus mercados; pelo contrário, promoveram um desmantelamento tamanho no que havia de mais saudável em suas inter-relações que hoje se faz penosa a remontagem de uma equação minimamente digna para atender aos interesses de agências e veículos.
Certamente, a reconhecida resistência brasileira à crise econômica, que massacrou mercados no mundo inteiro, sustentou-se também na qualidade dos fundamentos dos nossos modelos setoriais de negócios. Entre eles aquele que há décadas rege as relações entre agências, veículos e anunciantes.
Passado o tempo, os setores da indústria brasileira de comunicação que defenderam incansavelmente esse modelo podem orgulhar-se da acolhida que nossos produtos encontram no mundo. Está demonstrado, à prova das piores intempéries, que o Brasil estava certo. Que seja, portanto, copiado, como o que há de mais moderno.

sexta-feira, maio 28, 2010

"É a hora de vender o Brasil"

Energia, dinamismo, glamour, ousadia. Eis alguns dos principais atributos do país na visão dos estrangeiros. O fato é que nunca foi tão fácil projetar o Brasil lá fora, diz Martin Sorrell, presidente do maior conglomerado de publicidade do mundo.

Por Angela Pimenta, para a revista Exame.

Aos olhos do britânico Martin Sorrell - talvez o homem mais importante da publicidade mundial -, o Brasil é hoje a marca mais charmosa a ser vendida ao redor do planeta. Até a década de 90, segundo Sorrell, a baixa autoestima dos brasileiros contribuía negativamente para a imagem do país lá fora. Atualmente, movido por uma inédita injeção de ânimo, o Brasil exala um senso de autoconfiança que extrapola suas fronteiras. Essa imagem - que alia um ingrediente novo, o dinamismo, a outros já tradicionalmente associados ao país, como a sensualidade e a diversão - deve ser capitalizada em oportunidades como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. No dia 25 de maio, Sorrell, que comanda o grupo publicitário WPP, um gigante presente em 107 países, com faturamento de 10 bilhões de dólares, estará no Rio de Janeiro para vender os dois eventos a uma plateia de 250 clientes de suas agências brasileiras, entre as quais a Ogilvy e a Young&Rubicam. Nesta entrevista a EXAME, aos 65 anos, um incansável Sorrell fala da nova percepção do mundo sobre o país e dos desafios para tirar proveito do momento favorável.


EXAME - Se o senhor tivesse um produto chamado Brasil, como o venderia globalmente?

Martin Sorrell - Nunca foi tão fácil vender a marca Brasil tanto dentro quanto fora do país. Em grande medida, isso tem a ver com a posição mais vigorosa do país nos últimos sete anos e meio, desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a governar. Acabamos de concluir uma nova pesquisa sobre a imagem do Brasil em cerca de 50 países. Ela indica mudanças interessantes no DNA da marca Brasil. Hoje, ele diz respeito a sete características principais: sensualidade, energia, dinamismo, glamour, despreocupação, diversão e ousadia. Trata-se de uma visão altamente positiva. A mesma pesquisa indica que os produtos brasileiros ainda não são reconhecidos como inovadores ou de alta qualidade no exterior, mas essa percepção tem evoluído favoravelmente. Ao longo da última década, a marca Brasil se tornou muito mais dinâmica e inovadora aos olhos dos americanos e europeus ocidentais. Ao considerar que o Brasil vai sediar nos próximos anos os dois maiores eventos esportivos do mundo - a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada do Rio, em 2016 -, temos uma combinação perfeita e única para vender o país.



EXAME - Como as empresas brasileiras devem tratar a Copa e a Olimpíada?

Martin Sorrell - Da mesma forma que a China fez nos Jogos de Pequim de 2008 - encarando esses acontecimentos não apenas como eventos esportivos mas também como uma espécie de rito de passagem para afirmar a nova estatura global do Brasil. Os dois eventos devem ser abordados num contexto social e econômico de importância colossal. Para o Brasil, trata-se de afirmar sua condição de potência emergente. Na verdade, para mim, ao contrário do que diz o famoso estudo do banco Goldman Sachs sobre os países do Bric, o Brasil, junto com Rússia, Índia e China, não é mais um emergente, mas já desenvolvido. Considero o Brasil um país de rápido desenvolvimento, e que continuará com enorme potencial de crescimento nas próximas décadas. É bom lembrar que tanto a Copa quanto a Olimpíada têm uma importância especial também para os demais países latino-americanos. Esse sentimento positivo deve ser capitalizado.


EXAME - Quando comparado à China e à Índia, o Brasil não se torna um mercado de menor importância?

Martin Sorrell - Não. Se você comandasse uma grande empresa global e tivesse de escolher um dos países do Bric - sobretudo entre China, Índia e Brasil -, a resposta correta seria não fazer essa escolha. Todos eles oferecem grandes oportunidades de crescimento, o que é especialmente crítico num mundo pós-Lehman Brothers, marcado por baixas taxas de expansão na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Uma das estratégias-chave do grupo WPP diz respeito aos países do Bric e aos chamados "próximos 11", as economias emergentes que vêm a seguir. Esse grupo já responde por 27% de nossos negócios e a meta é elevar o patamar para 33%. Hoje, a América Latina representa 8% de nossos negócios - ou 1 bilhão de dólares -, e o Brasil responde por metade disso. Temos 25% do mercado brasileiro de publicidade. As grandes empresas mundiais percebem o país como um mercado estratégico, algo relativamente novo. Ao longo da crise global, a força relativa do Brasil tem aumentado. Há três anos, os outros três países do Bric eram vistos como mais interessantes. Hoje, o Brasil está relativamente mais forte que os demais. No contexto da América Latina, é o líder disparado.


EXAME - Mas a economia brasileira se apoia fortemente em commodities agrícolas e minerais. Isso não limita o potencial de inovação do país?

Martin Sorrell - Obviamente, o Brasil é uma economia com fortes raízes no setor de commodities e na indústria primária. Mas já tem empresas de porte e renome global, como Petrobras, Vale, Embraer e AmBev. Creio que o Brasil tem potencial para desenvolver-se como uma economia mais forte na indústria e nos serviços, criando novas empresas como essas. Falo isso porque conheço bem o país. A primeira vez que o visitei, em 1968, o Brasil era tido como uma terra de imenso potencial, mas que parecia fadada a jamais decolar. Nas últimas décadas o Brasil decolou, porque se tornou um país muito mais bem administrado. Criar seu momentum não é hoje o desafio do Brasil. A questão central é saber se será capaz de manter o curso e não retroceder econômica e politicamente, como infelizmente tem acontecido com outros países da América Latina.


EXAME - Por que o senhor menciona o presidente Lula como a face global desse novo Brasil?

Martin Sorrell - Porque ele é uma figura extraordinária, seja por sua história de vida, pela maneira como tem conduzido o país ou por sua liderança global. Lula transmite um senso de autoconfiança brasileira que é completamente novo na cena internacional. Há uma década, o Brasil já era um país maravilhoso, mas padecia de uma baixa autoestima histórica. Isso mudou com Lula. Um bom exemplo disso é aquela frase dele culpando as pessoas de olhos azuis pela crise mundial. Em resumo, era como se ele dissesse: "Por que devemos prestar atenção nessa gente que causou toda essa bagunça?" Ele tem razão.



EXAME - Qual seria a forma errada de vender o Brasil no exterior?

Martin Sorrell - Nossa pesquisa aponta algumas características negativas do Brasil aos olhos de consumidores de outros países, como certa arrogância e falta de responsabilidade social. Mas creio que os principais riscos para a marca Brasil tenham a ver com os perigos da sensualidade, associados a uma suposta falta de seriedade. Se tais características forem enfatizadas excessivamente, a qualidade da marca Brasil poderia ser mal interpretada. Mas note que atributos como diversão, sensualidade e dinamismo, que são a cara do Brasil, são coisas que as pessoas adoram. São atributos naturais, de leveza e alegria, de um enorme apelo e valor publicitário. É um tesouro único para o país - a única questão é saber aproveitá-lo. Outra questão importante é que, por enquanto, o resto do mundo não conhece o Brasil direito e só costuma olhar para o Rio de Janeiro e para São Paulo. Mas o Brasil, que eu conheço bem, é um país imenso, com uma enorme energia em lugares como Curitiba, Porto Alegre, Salvador ou Búzios. Grande parte do país ainda está por ser descoberta pelos estrangeiros.


EXAME - Vivemos um momento de muitas transformações. Qual a importância das novas tecnologias para a publicidade, sobretudo em países emergentes?


Martin Sorrell - Ainda que a publicidade online não tenha crescido de forma explosiva, creio que ela terá uma importância crítica de agora em diante. Seja em áudio, vídeo ou mensagens de texto, o futuro dos anúncios passa obrigatoriamente por laptops, smartphones e outros aparelhos, como o iPad. Em países como Brasil, China e Índia, muitas pessoas não vão começar a navegar na internet num PC, mas já em plataformas móveis. Estou certo de que os próximos anos serão de explosão da internet móvel. O Google já sabe disso, tanto que tem investido em suas ferramentas de busca para a internet móvel. Nossas pesquisas indicam que os consumidores já passam cerca de 20% de seu tempo online. Nossos clientes já estão investindo de 12% a 14% de suas verbas em publicidade digital. Logo, eles estarão gastando 20%. Quase 30% do faturamento do grupo WPP vem de plataformas digitais. O caminho é esse.

segunda-feira, maio 24, 2010

À espera do “efeito Obama”: a internet nas eleições 2010

Lucas de Abreu Maia, de O Estado de S.Paulo

Ainda não será desta vez. A despeito do empenho em aprovar, no ano passado, o financiamento de campanhas pela internet, hoje os envolvidos com as principais candidaturas presidenciais não têm grande esperança de que as doações online façam a diferença em 2010.
O entendimento nas campanhas de Dilma Rousseff (PT) e de José Serra (PSDB) é de que, se o dinheiro arrecadado pela web conseguir cobrir as despesas com os sites dos candidatos, já estará bom demais.
A descrença intensificou-se na semana passada, quando foi divulgado que o PV da pré-candidata Marina Silva conseguiu arrecadar apenas R$ 2,5 mil através de seu site. De acordo com resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), só pessoas físicas podem doar via internet. Vem em grande parte desta decisão o desânimo com o financiamento online. Petistas e tucanos avaliam que o Brasil é um país sem tradição de doação por pessoa física, o que deverá fazer com que a arrecadação na web beire o insignificante. Segundo um dos envolvidos na pré-campanha de Serra, o envolvimento dos candidatos com a internet é muito mais uma questão de presença de mídia que de dinheiro.
A aposta é usar a web principalmente para mobilizar eleitores - sobretudo em redes sociais. Os pré-candidatos já estão maciçamente presentes na rede. Dilma, a última pré-candidata a inaugurar um perfil no Twitter, começou a escrever no microblog no domingo.
A empolgação política com a internet surgiu depois da campanha presidencial de Barack Obama, em 2008. Mais da metade do valor total arrecadado pelo presidente americano - que ultrapassou R$ 1 bilhão - veio de seu site, em doações pequenas de eleitores. Scott Goodstein, um dos estrategistas da campanha de Obama, está trabalhando na candidatura de Dilma.
Sem a estrutura partidária de PT e PSDB, o PV vai na direção oposta e conta com a internet para arrecadar. Coordenador da campanha de Marina Silva, o vereador do Rio Alfredo Sirkis (PV) disse acreditar em um aumento nos recursos angariados pela candidata via internet. "A nossa expectativa é de que, quando a campanha esquentar, o número de doações aumente", afirmou. Os verdes apostam no discurso ecológico de Marina para mobilizar o eleitorado de classe média - com mais acesso à web. Além das doações diretas, a campanha vai investir na venda de mercadorias online.
As doações via internet passaram a ser permitidas no ano passado, quando o Congresso regulamentou a campanha online. Os eleitores poderão doar por boletos bancários e com cartões de débito e crédito. Mas quem espera ver aqui se repetir o fenômenos das doações milionárias de Obama, pode esquecer.

quarta-feira, maio 19, 2010

O acordo do Irã: um passo histórico


Quem acompanha a crise do Irã apenas pelas manchetes, vai se embaralhar. China, França, a própria ONU elogia; mas em seguida vêm a informação de que os Estados Unidos insisitirão nas sanções contra o Irã. Afinal, sucesso ou fracasso? A ofensiva do Itamarati, no episódio do Irã, é um divisor de água na ordem mundial do pós-guerra.

Luis Nassif

O Conselho de Segurança foi um dos órgãos criados no nascimento da ONU (Organização das Nações Unidas), em 1945. Os organismos iniciais da ONU foram a Assembléia Geral, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), o Conselho de Tutela (que existiu apenas enquanto houvesse colônias ou países tutelados) o Tribunal Internacional de Justiça e o Secretariado.
O Conselho de Segurança nasceu com o objetivo de garantir a paz e com poderes quase ilimitados. Poderia impor sanções aos países, criar forças de paz, autorizar invasões, estabelecer embargos econômicos.
Originalmente, foi constituído pelos países vencedores da Segunda Guerra. Na sua composição há cinco membros permanentes – Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China (que foi aceita depois) – e dez rotativos, com mandatos de dois anos e sem direito a reeleição.
O Conselho começou a perder a legitimidade a partir de dois eventos históricos. O primeiro, o fim da ex-URSS e a profunda crise que se abateu sobre a Rússia, acabando com o polarização bilateral nas discussões internacionais. O segundo, a ofensiva do governo Bush contra o multilateralismo, que chegou ao auge na invasão do Iraque, quando os EUA e a Inglaterra atropelaram a própria decisão do Conselho e decidiram invadir o país.
De lá para cá, o fracasso da invasão do Iraque e o fim do governo Bush, levaram os EUA a tentar reconstituir o espírito original do Conselho de Segurança, mas com algumas mudanças. A principal delas seria fazer do Brasil um candidato ao Conselho, substituindo a Rússia, especialmente após a enorme projeção adquirida pelo país ao longo da última década.
A estratégia do Itamarati, no entanto, foi outra. Confirmando a tendência de liderar grupos de nações emergentes – já manifestada na rodada de Doha -, o Brasil decidiu reforçar a chamada diplomacia “soft”, da negociação.
Em outubro, o Conselho de Segurança fizera uma série de imposições ao Irã, para aprovar seu programa de enriquecimento de urânio. Foram desconsideradas. Quando se preparava para anunciar as sanções, o Itamarati avançou nas negociações e, junto com a Turquia, conseguiu um acordo com o Irã.
O acordo recebeu palavras de apoio da França, China, da Agência Internacional de Energia Atômica e do próprio Secretário-Geral da ONU. Os EUA iniciaram a contra-ofensiva reiterando o anúncio das sanções.
São essas disputas que explicam críticas e elogios ao acordo.
Provavelmente prevalecerá  a velha ordem, que ainda detém o poder na ONU. Mas o passo dado mostra que no jogo de poder internacional já entraram novos atores – como Brasil, Índia e Turquia – e uma nova possibilidade de fazer política, pela persuasão.

* Artigo publicado no blog do jornalista Luís Nassif

terça-feira, maio 18, 2010

Meu click legendado

Já estive em muitas cidades do mundo. Incontáveis. Já morei em uma das maiores cidades do planeta. Mas sempre e sempre mantive em meu coração a sensação de que meu lugar nesse mundo e nesse tempo é aqui, em Belém do Pará, porta de entrada da Amazônia, capital do estado que guarda um povo crédulo e trabalhador, a riqueza da fauna e da flora mais diversas, uma das maiores reservas minerais e o maior reservatório de água potável do mundo - o aquífero de Alter do Chão. Belém, a capital desse continente, é um duplo e privilegiado ponto de observação, ao mesmo tempo voltado para o mundo e para a floresta, para a civilização e para a natureza inóspita. Ainda que maltratada por uma administração sobretudo incompetente, Santa Maria de Belém do Grão Pará sobrevive com dignidade, esperando que dias melhores venham e que a chuva - como a que na madrugada de ontem preparava-se para cair sobre a metrópole da Amazônia quando a minha Leica capturou essa imagem - lave as nossas ruas e a nossa alma, e que, quando o sol vier, um dia melhor venha com ele.
Belém, meu lar, merece dias melhores. E eles virão.

segunda-feira, maio 17, 2010

Ficha limpa

Basta pensar durante cinco minutos sobre certas proposições extravagantes para constatar o disparate interno que elas guardam. O exemplo mais recente é o chamado "projeto ficha limpa", que ecoa pelo país como a medida mais moralizadora da história da República.
Pelo texto, aprovado na Câmara, ficarão impedidos de se candidatar políticos condenados pela justiça em decisão colegiada por crimes de maior gravidade, como corrupção, abuso de poder econômico, homicídio e tráfico de drogas. Quatro milhões de assinaturas foram coletadas no país inteiro pedindo a urgência na votaçao da matéria, de aparente relevância.
Toda essa manobra circense está ganhando grande repercussão na imprensa o que vem gerando em cidadãos de bem uma legítima mobilização, fazendo crer que o conteúdo do texto é moralizador. A toda essa onda soma-se a marketeira OAB - o sindicato mais atuante do país, que considera-se, por razões inexplicáveis, uma espécie de "Ministério Público" informal. Nem mesmo esse sindicato de advogados chamou a atenção para o contra-senso do termo "crimes de maior gravidade", presente na redação final e que coloca um arranha-céu subjetivo no meio da análise de quem deve ou não sofrer a pena da Lei. O que seriam "crimes de menor gravidade"? Assaltar um banco? Bater uma carteira? Agredir um torcedor de um time adversário usando o mastro da bandeira? Estabelecer um status de gradação de crimes já é arrombar a janela da razão quando o que se diz é que o objetivo do projeto é "limpar" a política nacional.
Esse projeto é tão limitado e parcial que será, uma vez aprovado, uma nulidade legal gritante. Sua votaçao, assim como a adesão de figuras execráveis como Arthur Virgílio, Álvaro Dias e José Agripino, é mais uma prova de que não servirá para nada a não ser tentativas, mais uma vez infrutíferas, de colar no governo brasileiro alguma marca negativa que produza desgaste na imagem bem avaliada do presidente e de seu governo. O fim puramente demagógico do projeto é de clareza cristalina.
Aliás, se os parlamentares brasileiros desejassem impor, de verdade, alguma moralidade à prática política bastava que se aplicassem a si mesmos o Estatuto do Funcionalismo Público. Se você tiver contra si qualquer processo (transitado em julgado ou não) não será aprovado em concurso público ou admitido no serviço público. Como pode, então, disputar um mandato eletivo?
Ou seja, o artefato jurídico já existe. Mas quem lembra?
Complicar aqui tem o objetivo claro e cristalino de confundir.
Aliás, o próprio Código Civil já bastaria para coibir o abuso de termos um Congresso que serve de abrigo para picaretas que poderiam estar prestando contas à Justiça.
Com "ficha limpa" ou sem "ficha limpa" no picadeiro, o circo continuará a ser comandado pelos mesmos palhaços de sempre, de cara limpa e ficha suja. Como sempre.

Como funciona o sistema de governo inglês

O sistema de governo no Brasil é uma teia de erros. A partir dele, cria-se uma armadilha institucional que retroalimenta as piores práticas políticas, como aquelas recentemente ilustradas no chamado "Mensalão do DEM de Brasília", onde, de acordo com denúncia do Ministério Público, o governo do Distrito Federal obtinha maioria no parlamento e estabilidade institucional a partir de métodos fisiológicos, e não da força dos argumentos.
Longe de defender atos lesivos, precisamos entender que, no nosso sistema, o executivo é refém do legislativo. Não é um exemplo de formato democrático, embora o costume nos faça interpretar como "certo" o sistema do jeito que é. O governo do Pará mendigar por seis longos meses pela autorizaçao do legislativo estadual para obter um empréstimo para obras estruturais importantes é outro exemplo da estupidez de um sistema que elege governadores e presidentes mas não garante a eles os instrumentos de autonomia que o poder precisaria ter para fazer valer a vontade da maioria que colocou na cadeira de principal mandatário este candidato e não outro.
A solidez democrática do sistema inglês pode nos ajudar a ler criticamente nosso próprio modelo. A base da democracia inglesa é a Carta Magna, redigida em 1215, quando o Brasil estava longe de ser descoberto. O documento e a prática que dele advém podem, quem sabe, jogar luz sobre a necessidade de mudanças substatitivas em nosso próprio modelo.
A Carta Magna foi a primeira constituiçao que se conhece e está na raiz da estabilidade institucional do Reino Unido.
A sólida democracia inglesa funciona bem sem a separaçao de poderes. Todos os ministros têm de ser membros do parlamento, formado pela Câmara dos Comuns (eleitos) e pela Câmara dos Lordes (indicados). O Gabinete, o Poder Executivo, é um comitê da Câmara dos Comuns. Até o ano passado, quando foi criada uma Suprema Corte, um Comitê dos Lordes era o órgão máximo da Justiça.
Ao contrário do que tenta fazer crer a frase "fulano vai ser uma rainha da Inglaterra", a monarquia não é meramente figurativa no sistema político inglês. O monarca chefia o Estado e é quem aprova a indicação do primeiro ministro feita pelos Comuns. Desde o fim do século XIX o monarca passou a ter três direitos - o direito de ser consultado, o direito de aconselhar e o direito de advertir.
Não existem governadores. Toda política é feita pelos Comuns.
No sistema distrital inglês quem ganha no distrito carrega todos os votos. Ou seja, todos os votos dados ao perdedor em um distrito são ignorados. Esse modo de votaçao não foi feito para garantir proporcionalidade - que o número de deputados de cada partido seja proporcional ao número de votos recebidos. O sistema se propõe a produzir governos estáveis, com maioria nos Comuns. Isso faz com que os governantes não sejam reféns do legislativo. A vontade da maioria se impõe enquanto maioria. Ou seja, todos têm direito a expressar sua opinião e apresentar propostas, mas uma vez constituida a maioria, ela governo como maioria, deixando a liberdade de opinião e critica aberta, mas constituindo governos coesos, de cor partidária evidente.
Esse modelo evitaria o loteamento de cargos, as barganhas por dentro do congresso e as práticas recorrentes de obtençao fisiológica de uma maioria instável.
Mas como aplicar um modelo que os séculos consolidaram em um país que muda as regras eleitorais a cada pleito? Como aplicar um método de constituiçao de maioria com base na vontade da maioria quando o congresso sequer consegue impedir que marginais se candidatem a cargos eletivos?
O Brasil de 2010 precisa olhar para a Grã-Bretanha de 1215 com olhos de quem quer não apenas vislumbrar as diferenças, mas aprender com elas.

quinta-feira, maio 13, 2010

O fenômeno Obama e as lições do Reino Unido

As eleições gerais britânicas, acontecidas no dia 06 de maio, trouxeram a tona não apenas um resultado surpreendente, que apeou do poder o Partido Trabalhista após 13 anos de hegemonia política inquestionável. Com essas eleições se consolidou a era do culto à personalidade midiática, aberta com a eleição de Tony Blair, o primeiro líder político do Reino Unido construído na era da mídia de massas usando seus instrumentos de persuasão.
Em 13 anos, a realidade aumentou o peso das mídias como fator de conversão eleitoral. Noticários de TV, blogs, Twitter, YouTube, debates televisivos, tudo isso deu à essas eleições um novo perfil, que os especialistas estão chamando de “americanização” da política britânica.
Mais uma vez o peso da mídia foi decisivo onde sempre é: nas eleições tencionadas, diante de um eleitorado dividido.
Nesse cenário conflagrado, um microfone ligado se tornou um pesadelo para o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, depois de um encontro com uma eleitora que questionava, com uma abordagem bem à direita, a política de imigração dos trabalhistas.
Diante das câmeras, Gordon Brown ouviu atentamente a aposentada se queixar. Da política de imigração passou à economia, à violência e tudo o que poderia falar ao homem mais poderoso das Ilhas Britânicas.
Foi só entrar no carro para o primeiro ministro mudar a atitude. Sem se dar conta de que o microfone preso ao paletó, da rede de TV Sky News, continuava ligado, começou a resmungar.
-Não deveriam ter me colocado ao lado dessa mulher. De quem foi essa ideia? É ridículo.
-O que ela disse?
-Oh, tudo. Ela é daquele tipo de mulher intolerante que diz votar nos trabalhistas. É ridículo.
O desabafo foi ao ar, claro.
Brown correu para pedir desculpas. “Vim cumprir penitência”, disse, depois de bater na porta da eleitora.
Atrás nas pesquisas, Gordon Brown consolidou seus índices de rejeição, mesmo intensificando o corpo-a-corpo nas ruas. O voto de Gillian Duffy, a aposentada, ele nunca teve. Ela votou Nick Clegg, jovial líder da terceira via que embaralhou uma disputa normalmente travada entre tories (conservadores) e labours (trabalhistas) graças ao carisma e à performance nos debates televisionados.
Em entrevista à revista Carta Capital, o jornalista britânico Chris Brauer afirmou que a grande mídia teve e ainda terá um peso significativo nas eleições próximas, apesar do país ter 80% de seu povo com acesso à internet banda larga.
O pouco peso da internet a não ser em questões pontuais (como a consolidação do voto conservador após a gafe do primeiro ministro) é explicado por Brauer como efeito de uma recuperação "inesperada" da influência dos grandes meios: “A mídia on-line deve predominar na próxima eleição. No pleito atual, contudo, os debates televisivos surtiram o maior impacto. Ao mesmo tempo os diários (jornais impressos) que têm perdido leitores e anunciantes, também voltaram a influenciar um maior número de eleitores”.
Em relação ao sempre lembrado “efeito Obama” na internet e sua aplicabilidade universal, Brauer assinala: “O efeito viral social ocorrido nos Estados Unidos foi aplicado aqui em diferentes áreas, algumas mais bem-sucedidas que outras. Mas, claro, nenhuma produziu o efeito semelhante ao fenômeno Obama. Fundamental é envolver o público. Para envolver o eleitorado você precisa de uma marca. Obama [é uma marca], como um rock star”.
Esse espectro paira sobre o marketing eleitoral no mundo todo. As tentativas de repetir o efeito Obama planeta afora é um equívoco que parte de outro equívoco: a idéia de que Obama foi um fenômeno que veio da internet para a sociedade, quando os fatos provam o contrário.
A internet, nos Estados Unidos, no Reino Unido ou em qualquer lugar, não é um meio de persuasão, mas de informação bilateral. Quem não entende a diferença entre essas duas coisas não entende nada. A internet presta-se, portanto, ao reforço de convicções e à arregimentação de grupos de interesses, mas não serve para a produção de mudanças de intenção de voto em larga escala, para mudar conceitos arraigados e para a formação de grupos politicamente organizados que já não existam off-line.
Na campanha de Obama, a internet teve um papel fundamental para agrupar simpatizantes que já existiam na sociedade, reuni-los e seleciona-los, colocando-os em ação, mas esses indivíduos não foram "criados" ou "convertidos" na internet, mas fora dela. A internet foi a praça onde se reuniram os simpatizantes, mas não a escola onde se formaram.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo (29/04/2010), Duda Mendonça sintetizou o real uso da internet na última campanha presidencial dos EUA assim: "Como Obama foi fenômeno em tudo, também virou fenômeno na internet, mas o dinheiro que eles arrecadaram na internet, eles colocaram na televisão", referindo-se aos comerciais de TV da campanha do democrata, que consumiram 80% dos custos de comunicação da campanha.
Apenas um dos comerciais (que apresentava a biografia de Obama, com duração de um minuto), teve um custo em compra de horários para exibição única estimado em US$ 1 milhão por emissora, mas de acordo com executivos da TV CNN, que se recusou a exibir o comercial, a cifra total é de US$ 5 milhões por emissora.
O mito de que Obama ganhou a eleição usando mais internet do que outros meios não resiste a um olhar leigo sobre as contas de sua campanha.
A explicação das razões da persistência do papel central da TV nas campanhas eleitorais no mundo não é midiática, mas neurológica.
Testes recentes feitos pelo pesquisador Herbert Krugman mostraram que enquanto as pessoas assistem à TV, a atividade da parte direita do cérebro excede em número a atividade do lado esquerdo em uma relação de dois para um. Elas estão conseguindo ali a sua beta-endorfina "fixa". Quer dizer, as pessoas estão em um estado alterado, em alguns momentos entram em “transe”, tornando-se presas fáceis de mensagens emocionais e de histórias de vida que contenham exemplos morais e estejam ligados ao que Jung chamava de "construções mitológicas". Segundo Jung, "o homem moderno é um fazedor de mitos; ele reencena dramas antiqüíssimos baseados em temas arquetípicos e, através de sua capacidade de consciência, pode se libertar de sua influência compulsiva".Diante da TV (e do Cinema, que produz o mesmo efeito) as pessoas estão sujeitas mais facilmente a serem persuadidas e a assimilarem os arquétipos mitológicos. É isso que faz da TV uma fábrica de mitos e "celebridades" voláteis.
A internet simplesmente não tem o mesmo poder da TV porque é um meio que aciona mais a razão do que a emoção. Cada um desses meios mexe mais com um hemisfério distinto do cérebro. O público usa a web menos como instrumento de assimilação, mais como instrumento de propagação. Diante do computador, o eleitor on-line seleciona informação, questiona, milita, passa adiante, forma opinião, mas atua sobre círculos concêntricos, formados por seus pares ou pares afins, jamais sobre alvos dispersos em escala e propícios a assimilar a mensagem de maneira involuntária.
Nas eleições do Reino Unido, a internet não repetiu o fenômeno Obama porque o fenômeno Obama não surgiu na internet, mas no mundo off-line, no campo de batalha eleitoral específico e territorializado, enquadrado em uma conjuntura específica. Só depois tornou-se um fenômeno global, mundial, graças ao poder de propagação (e não de persuasão) da internet.
As recentes eleições no Reino Unido apenas confirmam essas premissas.

terça-feira, maio 11, 2010

Dilma, Serra e o cenário pré-eleitoral

Do ponto onde estou o que vejo são dois candidatos trabalhando com marketing político quando o momento já é de persuasão eleitoral. Marketing político trabalha com a razão e o convencimento; marketing eleitoral trabalha com a emoção e a vontade. Essa diferença de matéria-prima é toda a diferença possível entre duas áreas de conhecimento distintas. Tratar de números e da análise dos fatos frios é matéria do marketing político, que trabalha em longo prazo. Marketing eleitoral tem pressa; por isso apela para a emoção, para o lado oposto do cérebro, oferecendo esperança e futuro quando o que está na pauta é o agora e o ontem. Para os dois candidatos favoritos a pauta ainda é a contabilidade de tempos passados. O eleitor não está interessado nisso. Está olhando para frente. Não é quem fez, mas quem fará e o que fará. Se não fosse sectário e doutrinário, o PSOL de Plínio Arruda Sampaio poderia oferecer uma alternativa ao debate polarizado e surpreender, porque não está atrelado à teia do passado que enreda Dilma e Serra. Marina Silva não pode ser essa alternativa, não só porque tem como principal bandeira travar o desenvolvimento econômico do país, mas porque já assumiu abertamente sua simpatia por Serra e seu arrependimento por ter deixado o PSDB isolado na oposição, o que a torna intragável para a base social simpática a Lula, amplamente majoritária. Seguindo o andor percebe-se que Dilma está ditando o jogo. Espero, contudo, que tenha no banco de reservas craques mais criativos do que as planilhas Excel que vem exibindo até aqui em sua comunicação de TV.

quinta-feira, maio 06, 2010

Cuba fala

Disse o escritor cubano Enrique Ubieta: "As Damas de Branco são uma montagem cenográfica. A direita vem aprendendo com as fórmulas de expressão da esquerda, como as Mães da Praça de Maio, autênticas lutadoras pela memórias de seus filhos e netos, torturados, assassinados... Em Cuba, não há nem torturados nem assassinados. As pessoas que estão encarceradas foram julgadas por tribunais segundo as leis. Tomam mulheres de pessoas que trabalharam para subverter a ordem constitucional – coisa que também é punida pelo código penitenciário espanhol –, as vestem de branco – uma cor associada à paz e à pureza – colocam umas flores e as levam à igreja católica que é um cenário perfeito para que sejam vistas na Europa. Assim, quando estão preparadas, dizem: “câmeras, ação!”. E aí, está a CNN, a TVE.... O que vocês estão vendo é um filme de ação que tem como personagens principais, fora das telas, os diplomatas europeus e norte-americanos que pagam os produtores do filme".