terça-feira, junho 20, 2006

Afinal, quem são os terroristas?

A Guerra do Iraque é um daqueles becos sem saída em que os impérios se metem para sinalizar seu fim. Roma teve a sua "guerra do Iraque". A ex-União Soviética também teve, experimentando no Afganistão sua porção de inferno.
Os Estados Unidos, contudo, parecem sofrer de amnésia histórica.
Cegos pelo poder e pelas ilusões ideológicas fascistas de supremacia racial e econômica, apagaram de sua memória a humilhação de ter perdido a guerra do Vietnã para um exército guerrilheiro famélico e armado precariamente, que sobrevivia embrenhando-se na mata ou escondendo-se em buracos no chão. Em livros de História distribuídos para as crianças no país de George W. Bush, o exército de Tio Sam não foi humilhado e enxotado de Hanói pelos vietcongs, apenas "retirou-se" do Vietnã para que "seu povo pudesse conduzir o processo de reconstrução do país". Assim como não admitem que foi o Exército Vermelho Soviético que empreendeu o cerco a Hitler em Berlin e submeteu as últimas unidades combatentes alemãs na II Guerra, não dizem que a reconstrução do Vietnã se fazia necessária pela destruição de vidas, plantações, cidades, rios e vilas que o Exército ianque empreendeu em nome do "anti-comunismo" - a "guerra anti-terror" no período da Guerra Fria.
A guerra do Iraque é um novo Vietnã porque é uma guerra que os Estados Unidos não podem vencer. Não há nenhuma possibilidade de dar fim ao conflito sem que se destrua por completo o povo e sua milenar capacidade de resistência e com isso a noção de Nação. Não é "a resistência", um grupo político específico, mas o povo, essa categoria genérica, que define se uma guerra está perdida ou ganha. Os números e o desenho político do Iraque atual mostram que os Estados Unidos estão perdendo a guerra.
Quem gosta de referências históricas convertidas em películas de Hollywood deve assistir "Falcão Negro em Perigo", de Oliver Stone, que mostra helicópteros de 10 milhões de dólares sendo abatidos como rolinhas ingênuas pela precária mas certeira artilharia anti-aérea de uma tribo africana. Novamente ali pessoas com os pés descalços e sem nenhum treinamento militar fizeram os arrogantes "soldados da liberdade" afogarem no próprio sangue.
Sem memória das experiências passadas, os estadunidenses não desistem de dar motivos aos iraquianos para explodir seus helicópteros e soldados e marcar de morte seus cidadãos em outras paragens pelo mundo afora.
E o que dá motivo é a brutalidade do Exército invasor que não encontra limite. Mais três soldados americanos foram acusados pela morte de três prisioneiros no Iraque, segundo informações divulgadas por militares dos Estados Unidos nesta segunda-feira.
Os prisioneiros teriam sido mortos depois de detidos e manietados em uma operação militar no canal de Thar Thar no sul do Iraque no dia 9 de maio de 2005. Os "soldados da democracia" executam civis desarmados e algemados. A sangue frio.
As acusações contra os três soldados incluem assassinato, tentativa de assassinato, conspiração e obstrução da justiça. Soldados americanos no Iraque já enfrentaram várias acusações de matarem civis e abusar (inclusive sexualmente) de detidos, e alguns inquéritos foram abertos para investigar os casos mais gritantes.
É claro que isso é apenas a menor ponta do iceberg da violência contra civis nessa guerra insana em que uma cultura tenta subjugar a outra com objetivos de cunho político-econômico.
Bem entendido, toda operação militar é uma ação política. Afinal, como ensina Lenin, a guerra é a política por outros meios. O governo provisório do Iraque, fantoche dos Estados Unidos, não representa a vontade política do povo iraquiano nem seu desejo de autonomia. Tampouco representa a diversidade étnico-cultural que formou o povo e a nação iraquiana. Ou seja, será deposto porque defende o invasor, assim que as tropas de Bush retirarem suas botas, jipes, tanques e helicópteros daquele solo rico e arenoso.
Hoje a imprensa noticiou que um grupo de árabes sunitas extremistas denominado "Conselho de Shura dos Mujahedins" assumiu o seqüestro de dois soldados dos Estados Unidos e quatro diplomatas russos no Iraque. Além disso, segundo comunicado divulgado em um site, o grupo deu a Moscou um prazo de 24 horas para que retire suas tropas da Chechênia.
Para o grupo, a ação "demonstra a fraqueza dos serviços de inteligência americana".
O Exército dos EUA no Iraque anunciou nesta segunda-feira que sete de seus soldados ficaram feridos em operações de busca pelos dois combatentes, desaparecidos após um ataque insurgente em Youssefiya, na sexta-feira. Este ataque deixou um terceiro soldado americano morto. Segundo o Pentágono, 2.292 militares norte-americanos morreram até agora no Iraque.
Desde de 2003, as forças de coalizão no Iraque e, principalmente, as forças americanas, mataram quatro vezes mais civis no Iraque do que a resistência no país. A informação está em um relatório do projeto Iraq Body Count (Contagem das Mortes no Iraque, em tradução livre).
Cerca de 37% das mortes violentas de 24.865 civis iraquianos ocorridas nos dois primeiros anos de conflito foram de responsabilidade das forças lideradas pelos Estados Unidos no país, sendo que, desse total, 98,5% são atribuídas ao Exército norte-americano.
As forças contra a ocupação, também chamadas de "insurgência", mataram 9% dos civis.
A insânia não tem limite. Diante desses números fica a singela pergunta: afinal, quem são os terroristas?