quinta-feira, agosto 09, 2007

Mulheres, go home!

O Banco Real promove uma mudança em sua comunicação a partir de março de 2007, coincidindo com o Dia Internacional da Mulher. O eixo da mudança é a campanha publicitária que leva a assinatura “A gente não precisa ser tudo ao mesmo tempo. Seja você, seja real”. O departamento de marketing do banco diz que a intenção “é convidar as mulheres a pensar sobre os seus diversos papéis na sociedade”. A campanha tem um hotsite direcionado às mulheres, com espaço para “compartilhamento de histórias de vida e relato de experiências”. O problema não é a intenção manifesta, mas o gesto, por assim dizer, real.
A Campanha do Banco Real inscreve-se em uma sorrateira cruzada que objetiva provocar um retrocesso no comportamento autônomo das mulheres, mandando-as de volta para casa e para a cozinha. Enfatiza a culpa. Recicla o discurso de que a mulher deve "cuidar do lar e dos filhos", como dizia a cartilha da TFP.
Na campanha, um dos personagens, que se diz publicitária, afirma que batalhara muito por um lugar em uma agência, que estava bem no trabalho, mas que largou tudo para cuidar dos filhos e agora está mais feliz. O subdircurso é que o marido, provedor, mantém a casa, trabalha fora, enquanto ela voltou ao papel de “do lar”, ou seja, de “dona de casa”. É perturbador! Matérias nas revistas semanais já trataram do tema com essa mesma linha de abordagem, sempre com uma ênfase emocional que objetiva aumentar o sentimento de culpa das mulheres que optaram por trabalhar fora, ocupar seu lugar no mercado de trabalho e dividir com o homem as responsabilidades da casa. Matérias em emissoras televisivas também vão nesse sentido. Há uma orquestração vil nessa operação midiática reacionária.
Pensei que a velha idéia de que lugar de mulher é dentro de casa, cuidando dos filhos e esperando o marido para o jantar, já fazia parte do passado. No mundo contemporâneo, o sexo feminino tornou-se parte substancial do mercado de trabalho e cada vez mais conquista seu espaço na sociedade, incluindo os altos postos executivos tanto na iniciativa privada quanto na esfera pública. Essa nova realidade levou a indústria de bens duráveis a se modernizar e dedicar atenção especial às mulheres. Um exemplo é o setor automobilístico. O número de mulheres com carteira de habilitação aumenta anualmente e, no contexto nacional, hoje já chega a 30%. Há modelos desenvolvidos especialmente para mulheres. A mulher consumidora, na média, é detentora de 72% do poder de decisão de compra. É ela quem decide. Mas existem alguns segmentos em que esse poder é maior, por exemplo, na decisão de compra de casa, carros, bens de consumo não-duráveis. Nos não-duráveis elas chegam a ser 90%.
Metade da humanidade é mulher. A totalidade, filhos e filhas de mulheres. Em muitos países, elas são obrigadas a suportar dupla jornada de trabalho, a doméstica e a profissional, arcando ainda com o cuidado e a educação das crianças. Na América Latina, entre a população pobre, 30 por cento dos chefes de família são mulheres.
Isso aumenta mais ainda o meu espanto diante da cumplicidade de tantas mulheres com essa iniciativa que tem por objetivo final confiná-las no lar, conformadas com o papel de dependentes e alegres consumidoras de produtos e idéias produzidos por um mundo governado e ordenado pelos homens.
É verdade que não se precisa ser tudo ao mesmo tempo, mas porque ser escrava do lar torna-se, nessa nova cruzada reacionária, uma opção atraente?
Não se deixe enganar: o discurso de "volta ao lar" é, na verdade, uma tentativa de fazer a mulher retroceder à dependência financeira e emocional e ao açoite dos ditames masculinos; é um retrocesso pintado com tosco verniz de romantismo, que, aliás, sempre serviu para desvirtuar a vida real.