segunda-feira, março 12, 2007

Ao povo, a comunicação

Em tempos em que comunicação de governo volta a estar em pauta, recomendo a leitura de "Raízes no Libertador – Bolivarianismo e poder popular na Venezuela", (Editora Insular, 2005). É um recorte sobre os movimentos da comunicação na Venezuela Bolivariana, com textos de oito autores latino-americanos que enfocam diferentes aspectos da chamada "revolução bolivariana".
Os temas dos ensaios foram discutidos durante a primeira edição das Jornadas Bolivarianas, organizadas pelo OLA na Universidade Federal de Santa Catarina. São leituras interpretativas sobre a constituição bolivariana, comunicação, educação, movimentos sociais e poder popular, democracia participativa, petróleo, num esforço para compreender os desafios e transformações da Venezuela governada por Hugo Chávez, o inimigo público número um dos Estados Unidos na América do Sul.
Durante a primeira edição das Jornadas Bolivarianas, a jornalista Elaine Tavares, autora do texto "Ao povo, a comunicação...", publicado no livro, apresentou um cenário de como o revolver de conceitos mexeu também com a comunicação venezuelana. Elaine, que faz parte do grupo do OLA e é autora do livro "Jornalismo nas margens – Uma reflexão sobre comunicação em comunidades empobrecidas" (Companhia dos Loucos, 2004), discute há uma vida a questão da comunicação popular e comunitária e deixa claro que nesse primeiro momento do seu debruçar-se sobre a comunicação venezuelana o recorte apresentado é parcial, mas já permiteconstatar, de forma inegável, o número de veículos populares e livres que fermentam, na rede mundial de computadores, a visão de uma Venezuela onde o povo é capaz de ser protagonista de sua história inventando também o seu próprio jeito de comunicar.
Hoje, como lembra Elaine, há uma tremenda batalha sendo travada nas prensas, nas ruas, nos bairros e nas ondas do ar da Venezuela. E a arma principal dos que sempre querem a derrocada da revolução bolivariana é a comunicação. À frente, Gustavo Cisneros, que segundo analistas, está sendo preparado por Washington para concorrer contra Chávez nas próximas eleições. O multimilionário dono da maior rede de televisão da Venezuela, a Venevisión, e de tantos outros veículos de informação, é um dos homens mais ricos da América do Sul, com uma fortuna estimada em quase cinco milhões de dólares.
“É certo que Cisneros não é o único a mandar na comunicação do país”, como lembra Elaine. “Há ainda uma meia dúzia de empresários, mas todos seguem o mesmo diapasão: satanizar o presidente.” Foi assim no pré-golpe e continua sendo. Basta dar uma olhadela nos principais diários digitais do país. “O poder da mídia é demolidor na Venezuela e, por isso, a meta de Chávez, tomado pelo que chama de “obsessão comunicacional”, é de avançar e consolidar espaços de comunicação alternativa marcadamente popular.”
Elaine conta que, durante os dias do golpe, em 2002, em que Chávez ficou preso e Carmona assumiu a presidência, a reação popular e grande parte da resistência se fez nas ruas dos bairros pobres e através da comunicação alternativa. Toda a mídia oficial privada fervia de alegria pelo golpe. Até mesmo a televisão estatal, que estava sob o controle do governo, foi tomada pelos golpistas e passou a retransmitir no mesmo tom das empresas privadas.
Foram os panfletos populares, as rádios comunitárias, a imprensa alternativa, que fizeram a diferença ao difundir a informação real do que se passava nas entranhas do poder. Foi inclusive uma rádio comunitária a primeira a divulgar que Chávez não havia renunciado, dando mais ânimo ao povo para resistir em frente ao palácio.
No período pós-golpe a vida dos chamados alternativos fervilhou. Só na capital, Caracas, o número de jornais populares passou de 100. Foi naqueles dias que nasceu a televisão comunitária Catia TV, que começou abrangendo apenas o setor oeste da capital e, em 2004, quando o livro foi lançado, já chegava em todos os cantos da cidade, com 80% da programação criada pela comunidade. Em todo o país já são 10 emissoras comunitárias irradiando informação fora do eixo privado. Além disso, uma série de equipes de televisão independentes produzem programas para serem transmitidos pelas comunitárias.
Muitos periódicos acabaram morrendo, mas ainda perduram 40 jornais populares só na capital. As rádios comunitárias continuam nascendo e o governo tem apostado nelas. Até agora, 153 emissoras foram legalizadas pelo Conselho Nacional de Comunicação e a fila de espera é grande. O governo bolivariano impulsiona a criação de novos veículos e hoje há uma política pública de incentivo que se expressa em oficinas de formação e apoio aos jovens interessados em fazer comunicação popular.
Segundo Iván Gil, diretor geral dos Meios Alternativos e Comunitários do Ministério das Comunicações, entrevistado por Elaine, o processo de distribuição das verbas para o setor de comunicação é discutido e decidido pelas comunidades onde os veículos estão instalados. São feitas assembléias e nelas se decide quem vai receber verba e quanto. Tudo baseado na demonstração efetiva do trabalho que o veículo desenvolve no seu dia-a-dia.