sexta-feira, março 27, 2009

"O marketing moderno tem as digitais de Goebbels"

Entrevista conduzida pela jornalista Melanie Retz, da revista "Histórica!" tendo como tema as técnicas da propaganda do nacional-socialismo alemão e a atualidade dos métodos persuasivos daquele modelo de propaganda.

Retz - O que eles fizeram de diferente do que era feito anteriormente?

Cavalcante - Tudo, no sentido em que leram todas as referências anteriores e criaram seu próprio caminho semiótico. Há evidentes elementos da relação estímulo-resposta que estará, mais tarde, na base da cibernética de Norbert Wiener, por exemplo, e isso é novo.
A inovação está presente, também, se você compara a propaganda fascista com a hitlerista. Verá que os italianos guardavam um núcleo racional, que em Goebbels desaparece. O que chamo de “núcleo racional” é um elemento de ligação entre aquilo que se apresenta como “promessa” e aquilo que efetivamente será “entregue”.
Alguns chamam a esse método de “falácia lógica”, mas o termo é impreciso. As falácias, para se tornarem persuasivas, não precisam ser lógicas. Quando George W. Bush disse ao mundo que Saddan Russein tinha em seu poder armas de destruição em massa que colocaria em risco não apenas a segurança dos Estados Unidos, mas a vida na terra, um contingente gigantesco de pessoas acreditou nisso e não há qualquer lógica em um país possuir armas de destruição em massas dessa magnitude e não avançar (como faz os Estados Unidos, por exemplo) sobre seus contendores. Mas as pessoas acreditam. Por que? Por ser racional ou lógico? Ao contrário. É por se basear nos preconceitos, naquilo que já está na cabeça das pessoas, consolidado pela ideologia e pela cultura.
Domenach marca bem a diferença entre, por exemplo, a propaganda hitlerista e a propaganda bolchevique. Segundo ele, na concepção bolchevique a propaganda é “a tradução da tática”, mas os seus slogans correspondem sempre a uma realidade. Quando Lenin diz “pão, paz e terra” ele está dizendo que irá expropriar o latifúndio, distribuir terras e assinar a paz com os alemães. Quando Goebbels diz que vai à guerra “em defesa da civilização cristã” ele quer motivar as massas em torno do que as massas querem ouvir, mas não corresponde a uma intenção verdadeira. Goebbels e Hitler sabiam o que o povo queria ouvir e diziam o que o povo queria ouvir, ou seja, retroativamente poderíamos dizer que seriam discípulos dos grandes teóricos do marketing de hoje. Sabiam que a Alemanha derrotada e mergulhada na crise econômica precisava de um líder que unificasse o país e construir os símbolos e o discurso que consolidasse a promessa de dias melhores e de um país forte e respeitado era necessário e urgente. Nada se assemelha mais ao marketing de Kotler ou Trout & Ries do que isso. É pavloviano: a relação entre estímulo e recompensa se expressa em uma indução que pode ou não se realizar, mas cuja motivação não é a verdade, é o desejo.

Retz - Quais técnicas de propaganda utilizadas por Hitler ainda são amplamente utilizadas nos dias de hoje?

Cavalcante - A idéia de que a linha mestra da propaganda nunca deve ser abandonada, de que qualquer variação tem que afirmar a mesma coisa, de que o sucesso da propaganda é assegurado pela repetição e pela constância, são matrizes do marketing e da propaganda contemporâneos lançadas por Goebbels antes da tomada do poder e durante a campanha nazista na II Guerra Mundial.
As técnicas de geração de propaganda listadas por Domenach foram aquelas aperfeiçoadas e sistematizadas por Goebbels. Posso listá-las e afirmar que todas estão em prática na atualidade, usadas por partidos, governos, ONGs preservacionistas e corporações mundiais de marca. Algumas dessas técnicas se aplicam somente à propaganda político-ideológica, outras têm um desdobramento imediato na atividade comercial.
Chama-se "argumentum ad nauseam" a repetição incansável de uma idéia, que deve ser repetida suficientemente não para se tornar verdade, como dizem alguns, mas para se tornar familiar ao ponto de parecer verdade. Esta técnica funciona melhor quando se tem acesso ilimitado à mídia. Ao contrário do que se diz, também, não é preciso ter o “controle” sobre os meios, basta ter acesso privilegiado a eles para impor o Argumentum ad nauseam.
"Apelo à autoridade" é a citação de uma figura proeminente para apoiar um posicionamento, idéia, argumento ou alguma ação em desenvolvimento. No marketing comercial isso se aplica quando um produto se reporta a uma marca notória ou quando ela usa um personagem conhecido para anunciá-la.
Já o "Apelo ao medo" é a busca de apoio a uma idéia ou causa ou pessoa, instigando o medo na população em geral. Goebbels usou o livro "Os Alemães devem Morrer", de Theodore Kaufman, para afirmar que os Aliados procuravam o extermínio do povo alemão e, com isso, obter o apoio do povo. No marketing comercial isso se aplica quando você agrega à uma marca atributos que remetem à felicidade, à realização e ao êxito, dando a impressão de que não usufruir desse produto ou marca nos condenará ao isolamento social e à infelicidade. Há um comercial de uma marca de desodorante que mostra como o rapaz franzino e feio torna-se atraente ao sexo oposto ao usá-lo. A mensagem aparentamente positiva guarda o seu oposto de modo subjacente: o medo de que o não uso desse produto acarrete em solidão e insucesso reprodutivo.
"Bode Expiatório" é a técnica de atribuir culpa a um indivíduo ou grupo que não seja efetivamente responsável, aliviando sentimentos de culpa de partes responsáveis ou desviando a atenção da necessidade de resolver um problema cuja culpa foi atribuída àquele que está emitindo a propaganda.
Chama-se "Desaprovação" a técnica usada para criar rejeição a uma ação ou idéia sugerindo que ela é popular entre grupos odiados, ameaçadores ou que estejam em conflito com o público-alvo. Assim, se um grupo que apoia uma idéia é levado a crer que pessoas indesejáveis e conflitantes também a apoiam, os membros do grupo podem decidir mudar sua posição.
"Efeito dominó" ou "vitória inevitável" é a técnica de buscar convencer a audiência a colaborar com uma ação "com a qual todos estão colaborando" ou "junte-se a nós". Essa técnica reforça o desejo natural das pessoas de estar no lado vitorioso e visa a convencer a audiência que um programa é a expressão de um movimento de massa irresistível e que é de seu interesse se juntar a ele. A "vitória inevitável" incita aqueles que ainda não aderiram a um projeto a fazê-lo, pois a vitória é certa. Os que já aderiram se sentem confortados com a idéia de que tomaram a decisão correta e apropriada.
"Estereotipificação ou Rotulagem" é a técnica que busca provocar a rejeição em uma audiência rotulando o objeto da campanha de propaganda como algo que o público-alvo teme, desgosta, tem aversão ou considera indesejável.
O uso do "Homem comum" ou “homem comum” como ícone de agregação é uma técnica comum, que busca convencer a audiência de que as posições do propagandista possuem identidade direta com o público-alvo. É utilizada para obter a confiança do público comunicando-se da maneira comum e no estilo da audiência. Propagandistas usam a linguagem e modos comuns (e até as roupas, quando em comunicações audiovisuais presenciais) numa busca de identificar seus pontos de vista com aqueles da "pessoa média". Um exemplo no marketing comercial é a comunicação das Casas Bahia, que mostram como “garoto propaganda” sempre alguém que parece com a media da população e se veste de modo a despertar identidade com o público.
A técnica das "Palavras Virtuosas" consiste em usar palavras tiradas do sistema de valores do público-alvo, tendem a produzir uma imagem positiva quando associadas a uma pessoa ou causa. Exemplos mais comuns são paz, felicidade, segurança, liderança, liberdade, etc.
"Propaganda Enganosa" é um termo de conhecimento universal. Consiste em oferecer o que não se tem, forçando o comprador, ou consumidor a comprar outro produto, a idéia é chamar a atenção e aumentar as vendas, mesmo que uma parcela mínima desista de comprar ou a repulsar a empresa. No marketing comercial a propaganda enganosa é passível de ações judiciais segundo a legislação brasileira, mas o fato de haver lei específica para isso é sinal de que sua aplicabilidade é possível.
Na técnica da "Racionalização", indivíduos ou grupos usam afirmações genéricas favoráveis para racionalizar e justificar atos e crenças questionáveis. Frases genéricas e agradáveis são frequentemente usadas para justificar essas ações ou crenças.
Todo mundo sabe o que é um slogan, mas a técnica do slogan surgiu na propaganda política. Consiste no uso de uma frase curta e impactante que pode incluir “rotulação”. Se slogans podem ser criados a respeito de determinada idéia, devem sê-lo, pois bons slogans são idéias auto-perpetuáveis. “Se é Bayer é bom” é um slogan tão simples e bom quanto “Cinqüenta anos em cinco”. Ambos são são conceitos que se expandem.
Os nazistas usavam também a chamada "Super-simplificação", afirmações vagas, favoráveis, são usadas para prover respostas simples para complexos problemas sociais, políticos, econômicos ou militares. Na comunicação mercadológica ela apresenta soluções simples resolvidas por artefatos que parecem mágicos. A comunicação do iPhone diz "Pense diferente". Ou seja, se você tem um iPhone você não tem um aparelho de telefone que pode conectar à internet e receber emails, você tem estilo, personalidade e distingue-se dos demais. A objetividade é submetida a uma subjetividade poderosa e infalível.
Outra técnica era o uso de "Termos de Efeito", palavras de intenso apelo emocional tão intimamente associadas a conceitos e crenças muito valorizados que convencem sem a necessidade de informação ou razões que as apoiem. Elas apelam para emoções como o amor à pátria, lar, desejo de paz, liberdade, glória, honra, etc. Solicitam o apoio sem o exame da razão. Embora as palavras e frases sejam vagas e sugiram coisas diferentes para pessoas diferentes, sua conotação é sempre favorável.
A igreja criou o "Testemunho", que foi apropriado pela propaganda política. Testemunhos são depoimentos, citações, dentro ou fora de contexto, efetuadas especialmente para apoiar ou rejeitar uma idéia, ação, programa ou personalidade. Explora-se a reputação ou papel (especialista, figura pública respeitada, etc.) daquele que é citado. O testemunho dá uma sanção oficial de uma pessoa ou autoridade respeitada à mensagem de propaganda. Isso é feito num esforço de causar no público-alvo uma identificação com a autoridade ou para que aceite a opinião da autoridade como sua própria.
A técnica de projetar qualidades positivas ou negativas (elogios ou censuras) de uma pessoa, entidade, objetivo ou valor (de um indivíduo, grupo, organização, nação, raça, etc.) para outro, objetivando tornar esse segundo mais aceitável ou desacreditá-lo chama-se "Transferência". Essa técnica é geralmente usada para transferir culpa de uma parte em conflito para outra. Ela evoca uma resposta emocional, que estimula o público-alvo a identificar-se com autoridades reconhecidas.
Afirmações deliberadamente vagas, ou "vagueidade intencional", tem por objetivo deixar que a audiência possa interpretá-las livremente. A intenção é mobilizar a audiência pelo uso de frases indefinidas, sem que se analise sua validade ou determine sua razoabilidade ou aplicação.
Esses métodos e técnicas consagrados por Goebbels ainda estão em uso, seja no marketing político ou institucional, seja no marketing comercial.

Retz - O senhor acredita que a construção de uma identidade visual para o Nazismo e para o próprio Hitler contribuíram para a difusão da ideologia nazista?

Cavalcante - Sim, a identidade visual teve um papel importantíssimo como parte do sistema de comunicação aplicado àquela conjuntura.
Em marketing se diz que a personalidade de uma instituição ou produto pode alcançar a complexidade de um indivíduo, por isso, para se destacar das demais, a corporação deve se tornar marca, uma maneira simples de manipular e controlar sua capacidade de informação, evolução e maturação assim como seu deslocamento no tempo e no espaço.
A imagem gráfica da marca do partido nacional-socialista é tão impactante quanto bem elaborada. Vermelho, branco, e preto – as cores usadas por Hitler - já eram as cores da bandeira do velho Império Alemão, mas a princípio a bandeira nazista era preto e branca. O vermelho foi introduzido para disputar o visual com as organizações de esquerda, o Partido Social-Democrata e o Partido Comunista.
Perceba que eles não tinham apenas um logotipo, mas uma marca – logotipo + imagotipo + desenho aplicado – ou seja, tinham uma identidade visual complexa, com variáveis do desenho básico, diferentes formas de aplicá-los, tipologia definida, logotipos de produtos derivados (a SS nazista tinha logo própria, mas que estava associada como design ao logotipo matriz). A identidade visual era, junto com a retórica dirigida de maneira precisa, elemento estrutural da difusão do discurso e da conduta de agregação do nazismo.
É certo que a Igreja, os romanos e mesmo os jacobinos ou os patriarcas da revolução norte-americana utilizaram elementos formadores da idéia de identidade visual, mas nenhum deles os utilizou em sua plenitude e cabalidade, de forma sistêmica, como “desenho corporativo”, como signo verbal, fonético e gráfico que, juntos, projetam uma imagem.
A escolha da suástica ou cruz gamada como símbolo do partido foi deliberada. Sociedades teosóficas nos Estados Unidos usavam o símbolo muito antes do nazismo. É um ícone místico associado à pureza e ao poder em muitas culturas em tempos diferentes, dos índios Hopi aos Astecas, dos Celtas aos Budistas, dos Gregos aos Hindus. Na forma como foi apropriada pelos nazistas, os “braços” do desenho estão apontando para o sentido horário, ou seja, indo para a direita e gira a figura de modo a um dos braços esteja sempre no topo. A força da marca é tamanha que no Brasil seu uso é crime, de acordo com a lei 7.716. O símbolo, a representação gráfica, tornou-se “a coisa em si”, no sentido em que Karel Cosig dá ao termo em seu livro “Dialética do Concreto”.

Retz - A preocupação com os discursos, com o enquadramento das fotos, o bigode característico, as fotos com crianças e animais, a construção de obras enormes, a preocupação com a simetria, os uniformes impecáveis de suas forças armadas, a cadência e disciplina das marchas, os gritos de guerra, o jogo de luzes, a repetição da suástica. Tudo isso pode ser considerado tática de propaganda?

Cavalcante - Tudo isso é propaganda. Alguns chamam à propaganda nazista de “técnicas de desinformação”. Esse conceito é uma idiotice imposta pelo departamento de Estado dos Estados Unidos. Não há desinformação na propaganda nazista. O que é há é informação dirigida. A política nazista e sua ideologia são anti-humanistas e devem ser combatidas, mas não podemos dizer que eles “desinformam” ao manipular o sentido da informação. Eles informam de muitas maneiras porque essa informação não é apenas verbal. Der Triumph des Willens (O triunfo da vontade), por exemplo, dirigido e montado por Leni Riefenstahl, é uma aula de como informar “poder” de modo cabal. Ali se inaugurou a linguagem do documentário moderno e se criou muitos dos planos de câmera e de direção de fotografia que depois seriam usados pela publicidade comercial e nos vídeos-clips.

Retz - Hitler conseguiu convencer uma das populações mais cultas do mundo sobre suas idéias. O senhor acredita que isso se deve, em grande parte, à propaganda (a propaganda tem realmente toda essa força?) ou a crise social e o fato de ele se basear em conceitos e preconceitos comuns aos alemães (como a mitologia nórdica e o anti-semitismo) também teve grande peso?

Cavalcante - O subjetivo só se propaga quando há uma objetividade que a legitime. A propaganda não teria sido bem sucedida se as condições materiais não fossem favoráveis. Mas as condições materiais poderiam ter passado ao largo se a subjetividade dos formuladores e ideólogos do nazismo não tivessem tido a capacidade de percebê-la, de introduzir seus elementos persuasivos e neutralizar o argumento adversário. A boa propaganda não prospera senão no terreno que lhe foi preparado.

Retz - Em seu texto no blog, o senhor comenta que Hitler dizia que "as massas não se lembrarão das idéias mais simples a menos que sejam repetidas centenas de vezes" e que a "palavra de ordem" deve ser apresentada sob diferentes aspectos mas sempre apresentando a mesma fórmula, as alterações na propaganda não devem prejudicar o fundo dos "ensinamentos a que se propõe", apenas a forma. A propaganda hoje segue esse mesmo princípio?

Cavalcante - Existe em marketing, desde a década de 50, um conceito que atravessou os anos e parece se eternizar: Unique Selling Proposition (em português, Proposição Única de Venda). O que é USP? Significa que “o consumidor tem que recordar apenas uma coisa de um anúncio: um só argumento de venda, um só conceito sobressalente”, escreveu Rosser Reeves em 1960. As lições de Reeves formam um sistema completo de estratégia publicitária, calcado, é claro, nos ensinamentos de Goebbels: 1) todo anúncio deve fazer uma proposição concreta ao consumidor; 2) a proposição deve ser algo que a concorrência não pode dar ou que a esta não ocorreu mencionar; 3) a proposição deve ter uma força que seja capaz de influenciar milhões de pessoas, quer dizer, deve criar legiões de novos consumidores desse produto.
A palavra “Unique” tem um triplo sentido: único, só e nada mais. Quer dizer, o que estamos propondo ninguém mais pode propor. O que o nazismo propunha? Após a humilhação da derrota na I Guerra, uma Alemanha de pé, um império forte e próspero, superior, indutor de cultura e de conceitos, “a nova Roma” de dois mil anos. A guerra, o fim das liberdades democráticas, o regime de partido único, o assassinato de comunistas e judeus, tudo isso estava a serviço da proposição única de venda, daquilo que fazia daquele grupo de pessoas e de suas idéias, “pessoas especiais”.
Podemos ver traços desses pressupostos nas religiões e nas corporações de marca. Ter USP faz do nosso produto ou serviço algo incomparável e superior.
“Se não temos uma proposta tão boa como para que possa ser única, é que não temos uma boa proposta”, escreveu Reeves.
Quem não vê no marketing moderno, e não apenas no marketing político de nossos dias, as digitais de Goebbels é cego ou simplesmente não sabe ler.