sexta-feira, setembro 25, 2009

Chega de saudade

Honduras é um pequeno país quase sem importância, não fosse o fato de estar confortavelmente implantado acima de uma reserva petrolífera considerável. A confirmação do potencial energético se deu com prospecções profundas feitas por uma empresa norueguesa há um ano, a pedido do governo hondurenho.
No exercício de seu mandato presidencial, Manuel Zelaya, um homem da centro-direita nacionalista, acionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro a seu país e se aproximou do grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela.
A reforma constitucional proposta pelo governo não previa apenas uma consulta popular para dar ao povo do país a oportunidade de reeleger o presidente, mas principalmente previa que os recursos naturais de Honduras não poderiam ser entregues para outros países. Era a senha para se armar um golpe. Ou, como se dizia nos anos 60, era "a receita para o caos".
Do choque de interesses econômicos e do realinhamento político de Zelaya, veio o golpe militar em 28 de junho, que depôs o presidente e colocou em seu lugar um fantoche em quem ninguém votou, ladeado por uma junta governativa nomeada pelos militares.
Milhares de hondurenhos iniciaram em diversas regiões do país, caminhadas em direção à capital Tegucigalpa e à cidade de San Pedro Sula, no norte, para exigir a restituição do presidente eleito, Manuel Zelaya, deposto em pelas Forças Armadas. As marchas foram organizadas pela Frente Nacional de Resistência Contra o Golpe de Estado, formada por dezenas de organizações civis que, desde que Zelaya foi tirado do poder, mobilizam-se contra o governo auto-proclamado, liderado por Roberto Micheletti.
As manifestações foram duramente reprimidas pelas forças armadas hondurenhas.
A comunidade internacional rejeitou o golpe e passou a desconhecer o governo golpista. O Brasil assumiu a vanguarda na denúncia do golpe e na defesa do retorno do presidente eleito ao poder. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reivindicou, na Assembléia Geral da ONU, o imediato retorno ao poder de Manuel Zelaya e que a comunidade internacional fique alerta sobre a inviolabilidade da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, a capital do país.
Lula pediu mais “vontade política” para confrontar situações que conspiram contra a paz, o desenvolvimento e a democracia, e citou o golpe de Estado de 28 de Junho nas Honduras, cujo líder, disse, tem “refúgio garantido” na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.
Mas existe um lugar onde o golpe hondurenho tem uma saudosista acolhida: o noticiário da rede Globo. Na noite de 24  de setembro, no Jornal Nacional, uma matéria tentava justificar o golpe como uma decisão da "Suprema Corte", ou seja, os militares não deram um golpe, apenas "cumpriram uma decisão judicial".
Ontem, 23 de setembro, Arnaldo Jabor, cronista do Jornal da Globo, criticou o governo brasileiro pela postura democrática e obediente à tradição de nossa diplomacia – a acolhida a Zelaya na embaixada do Brasil – e afirmou, desavergonhadamente, que o que aconteceu no pequeno país foi um “golpe brando”, já que foi revestido de decisão da suprema corte.
Jabor esquece que todo golpe militar esconde-se nos escaninhos escuros da legalidade. O mesmo aconteceu em 1964 no Brasil, em 1973 no Chile e é uma característica dos golpes de estado: exibir o porrete em uma mão e o código civil em outra. Nenhum golpe assume sua ilegalidade. Afirma-se, ao contrário, na defesa dos preceitos constitucionais. O golpe é feito em nome da lei, embora a viole. É um mecanismo de dissimulação clássico. E persistente.
A rigor, uma ditadura não precisaria de leis, já que possui a força. Mas na prática não é assim. A lei serve para dar suporte social e político aos seus desmandos. O AI-5 era uma necessidade política dos militares brasileiros para seguir prendendo, torturando e matando a sombra de nossos compêndios legais e do silêncio de uma imprensa covarde. A mesma imprensa que considera branda a ditadura hondurenha e classifica como “ditabranda” a ditadura sanguinária que se instaurou no Brasil em abril de 1964.
A saudade da Globo é justificada.
A TV Globo foi fundada exatamente um ano depois do golpe de 64.