sexta-feira, setembro 25, 2009

De volta ao marketing de guerrilha

Entrevista concedida por Chico Cavalcante, no dia 23 de setembro de 2009, às estudantes Laís Veloso, Marina Eiró e Daniela Gonçalves, da Universidade da Amazônia.


1- A mudança no perfil do consumidor moderno implica na criação de novas estratégias de marketing para atender essa demanda de “consumidores multimídia”. Como exemplo desse tipo de estratégia, temos a ação realizada pelo canal Fox para o seriado 24h, na cidade de São Paulo. Em sua opinião, esse tipo de estratégia seria bem aceito pelo consumidor paraense? Por quê?


CC – Seria bem aceito pelo consumidor, sim, desde que não fosse invasiva e que não se tornasse a forma dominante de comunicação, já que o contato direto e persistente com o público pode, sempre, implicar em reações inesperadas, como a interpretação de que essa forma de propaganda é inadequada porque extrapola o limite da privacidade das pessoas. A propaganda via mensagem de celular, uma forma de guerrilha, é um exemplo de propaganda invasora e inconveniente e que, na minha opinião, produz mais efeitos negativos que positivos para quem a usa. É uma das formas mais antipáticas de contato com o público. Você comprou o celular e paga a sua conta para ter o direito de se comunicar, não para servir de canal de recepção de propaganda que você não optou por receber.
A guerrilha não é necessariamente invasiva. Ela pode usar mídia de permissão e pode chegar ao público da forma em que esse público a aceite. A guerrilha é filha da hipercomunicação, do mundo saturado de propaganda. Por isso, para entender o surgimento dessa estratégia e seus mecanismos de abordagem é preciso, antes, entender que não foi só o perfil do consumidor que mudou. Mudou o capitalismo. A base produtiva se alterou através de uma sucessão de revoluções tecnológicas e com elas houve um giro que remontou o marketing, alterando seus paradigmas. A priori a ênfase era dada ao preço, as pessoas eram motivadas fundamentalmente pelo preço, quanto menor o preço, mais atrativo era o produto/serviço. Posteriormente vieram status, hoje podemos dizer que a ênfase é dada à qualidade do produto/serviço e ao atendimento. Antes, Henry Ford podia dizer que o cliente poderia escolher qualquer cor para o seu carro desde que fosse “preto”; hoje o cliente influencia até sobre o design dos modelos que saem das montadoras. Logo, o Marketing da organização deve concentrar os 5p's (praça, preço, produto, promoção e pessoas) na qualidade do serviço oferecido ao cliente.  No velho paradigma do marketing, conceitos-chave, tais como target (público-alvo), mídias tradicionais (como TV, Rádio, Jornais e Revistas) e anúncios/comerciais, faziam parte do jargão de todos aqueles que trabalhavam com comunicação, seja no lado da empresa, agência ou cliente. Fenômenos como Google, Youtube, Second Life, Wikipedia e Blogs têm menos de 10 anos de existência mas já produziram uma revolução. Como pensar em ações de Marketing na atualidade sem considerar essas possibilidades de conteúdo e mídia?Além destes sites e novas ferramentas de base micro-eletrônica, como o email marketing ou CRM – Customer Relationship Management (Gerenciamento do Relacionamento com Clientes) o consumidor atual possui uma rede de pontos de atenção muito maior. Pergunte ao adolescente o que ele prefere: ficar sem computador ou televisão?


2- Segundo pesquisas realizadas nos Estados Unidos, cada pessoa vê em média 1,5 mil mensagens comerciais diariamente (pesquisa feita em grandes metrópoles). Isso diminui consideravelmente o poder e a eficácia das peças publicitárias. Em Belém, em sua opinião, já existe esse congestionamento de informação de mídias tradicionais? Se sim, qual a maneira que as agências estão encontrando para driblar esse excesso de informação?


CC - 1,5 mil mensagens acontecem em lugares onde a publicidade está condicionada a um aparato legal que a limita. Em Belém esse número é maior. Em cidades onde o adensamento urbano é desordenado e onde a legislação de ocupação dos espaços é permanentemente desobedecida ou simplesmente não existe, a poluição produzida pela propaganda suja gera um ruído, auditivo e visual, muito maior. Veja, por exemplo, o caos das placas de lojas que avançam para o meio fio ou que tomam a totalidade das fachadas das lojas ou as placas de outdoor claudicantes que ameaçam desabar sobre as pessoas e estranhamente “fazem curvas” nas esquinas, para não perder nem um centímetro da área pública ocupada pela mensagem publicitária. A propaganda precisa ser permissiva para ser assimilada como algo que não agride o público que pretende influenciar. O maior problema da propaganda suja que se vê nas ruas é que, diante da gritaria generalizada da concorrência, a maior parte das agências de publicidade sugere a seus clientes gritar mais alto, produzindo mais ruído e, portanto, menor percepção das mensagens. Para driblar esse ruído é preciso fazer comunicação com planejamento, ter foco no conceito e, também, sugerir alternativas de mídia.


3- A sua agência praticou ou pratica alguma ação de marketing de guerrilha?


CC - Diariamente fazemos guerrilha, embora as ações efetivamente de guerrilha em nossa cidade sejam incipientes porque a cultura da mídia de massas ainda é a que prevalece.
Por exemplo, desenvolvemos, recentemente, uma ação de guerrilha com armas on-line usando email marketing (uma das táticas de guerrilha) para nosso cliente Farmácia Formosa. A ação consistiu no envio de uma mala direta nominal e leve para parte de nosso banco de dados. Disparamos cerca de mil e quinhentos emails focais (para um público efetivamente fidelizado) mostrando uma promoção relâmpago de produtos Nívea. A mala sugeria que o cliente fosse à farmácia em até 24 horas para usufruir dos descontos. Geramos 15% a mais de procura pelos produtos com um único clique, sem poluir as ruas ou o meio ambiente nem gerar embaraços para transeuntes. O custo da ação por ticket foi de fração de centavos.
Há pessoas que leram os textos sobre guerrilha de maneira equivocada e pensam que fazer guerrilha é fazer gracinha. Fazer guerrilha é gerar, a um custo baixo, um resultado alto para o cliente, seja isso através da mídia convencional ou alternativa. È isso que ensina Levinson. É isso que entendo por guerrilha.
Um exemplo do que não fazer é executar ações que geram visibilidade e ao mesmo tempo produzem antipatia. Fantasiar pessoas para distribuir panfletos nos sinais é um mau exemplo clássico, mas não é o único. Outro dia eu estava no aeroporto de Belém vindo de uma longa viagem; eu estava cansado e, no meio da esteira de malas, havia uma mala de papelão totalmente adesivada com o logotipo de uma rede de supermercados local. A mala girando na esteira impedia que malas reais se movessem mais rápido e isso aumentava o tempo de espera de quem estava ali querendo pegar sua bagagem e ir embora para casa. A reclamação contra a “palhaçada” era geral. Isso não é guerrilha. É “fogo amigo”; é atirar contra si mesmo. A agência vendeu para o cliente essa palhaçada como sendo “ação de guerrilha”, algo moderno e “bacana”. Mas não é. É só marketing ruim.
Um exemplo grandioso desse tipo de ação amalucada camuflada de guerrilha foi a campanha assinada pela Turner Broadcasting, que parou boa parte da cidade de Boston com os pacotes deixados para divulgar o cartoon “Aqua Teen Hunger Force”.  A força policial isolou as áreas achando que os pacotes continham bombas e isso gerou um caos no trânsito da cidade. A dupla contratada para deixar os pacotes pela cidade foi presa pela polícia. A agência conseguiu o buzz. Mandou o nome do desenho animado e da agência pro mundo inteiro. Mas junto, associaram o nome do cliente e o da agência ao fantasma social que mais assusta os estadunidenses: o terrorismo. Novamente, parecia guerrilha mas era só marketing ruim.


4- Que tipo de cliente, em sua opinião, seria adequado para desenvolver esse tipo de estratégia?


CC - Tendo sido criada para ajudar pequenas empresas a gerarem visibilidade e lucro com baixo investimento de mídia, a guerrilha evoluiu e hoje se aplica indistintamente para todo tipo de cliente. No primeiro livro sobre o tema, Levinson menciona um artigo da Harvard Business Review, assinado por Welsh e White, que diz que pequenos negócios não são versões menores de um grande negócio. Por causa da falta de recursos dos pequenos negócios, estes precisam utilizar diferentes tipos de estratégias de marketing e táticas. Mas os recursos se tornaram escassos para todos e os congestionamentos das vias de comunicação mudaram o cenário. Hoje, tanto grandes corporações, lojas de esquina quanto organizações não governamentais podem se beneficiar da tática.


5- Hoje, todos os profissionais de marketing vêm enfrentando o mesmo problema: como atingir os consumidores, cada vez mais resistentes às propagandas tradicionais, com orçamentos menores e mais retorno. A partir disso, surgiram o Buzz Marketing, o Marketing Viral e o Marketing de guerrilha. A PQ Media, uma empresa de pesquisas americana, calcula que os marqueteiros gastaram só nos Estados Unidos, US$ 1,35 bilhão em marketing de boca a boca no ano passado, 38% a mais que no ano anterior (pesquisa realizada em 2008). Em Belém, já existe certa confiança por parte dos anunciantes em investir nesse tipo de estratégia? 


CC - Marketing viral e buzz marketing (boca-a-boca) são elementos táticos dentro de uma estratégia de guerrilha. São meios. Guerrilha não é um meio, é uma estratégia, ou seja, uma disciplina que se vale de diferentes táticas, de múltiplos meios. Um cartão de visita inovador ou uma atendente de telefone de bom humor são gestos tão guerrilheiros quanto descer um prédio de rapel para vender o seriado 24 horas, mas essa lição básica que está nos ensinamentos de Levinson parece letra morta diante da adrenalina de sair à rua e tentar impactar o público “na marra”. Embora alguns autores tentem distinguir viral e buzz como sendo uma “disciplina” de marketing, não são. São ferramentas, apenas.
Alguns autores falam da “guerrilha”, enquanto interferências visuais no espaço urbano. Entre estas interferências, citam o graffiti, stencil (desenho grafitado através de uma máscara), lambe-lambe, adesivos de rua e outras. Trata-se de um modelo mais delimitado, uma segmentação, mas essas ferramentas podem ser guerrilha ou não de acordo com seus objetivos mercadológicos. Ou seja, não são guerrilha em si, mas podem ser guerrilha para si, se são incorporados a um arsenal de vendas que se abriga sob o escopo de uma estratégia de guerrilha.
Em Belém  não há cultura de investir em ações alternativas como centrais em campanha de mídia a não ser em ONGs e em partidos políticos em tempos de eleições. No dia a dia, as grandes e pequenas empresas locais seguem investindo 99% de sua verba em mídia de massas.


6- O Marketing de guerrilha provém de mídia espontânea, que é causar impacto no público com um baixo custo. O objetivo é o buzz, ou seja, que todos saiam falando do produto e da maneira que foi divulgada esse produto, no marketing de guerrilha, é importante que se crie uma ilusão de espontaneidade, assim, cria-se a imagem de marca inusitada, diferente e descontraída. Dentro do mercado paraense (Belém), existe uma grande quantidade de micro, pequenas e médias empresas que muito poderiam se utilizar das estratégias do marketing de guerrilha para anunciar seus serviços. Porém isso não ocorre, por quê?  


CC - Nem toda marca, nem todo produto, nem todo cliente quer ter uma imagem “inusitada”, “diferente” e “descontraída”. Esse objetivo não é universal, nem deve ser. O que todo cliente quer é vender o seu produto ou serviço e edificar sua marca. A guerrilha é uma ótima ferramenta para ajudar a vender produtos e edificar marcas, seja de uma empresa conservadora como a Ford, McDonald ou as Casas Bahia ou de empresas de vanguarda, como o Greenpeace, Apple ou Unilever.
Embora a mídia espontânea seja desejável em qualquer modalidade de marketing, ela não é uma pré-condição para uma boa ação de guerrilha.
Essa pré-condição é uma leitura recente e controversa que se faz hoje, mas não recordo que essa pré-condição esteja nos pilares dos ensinamentos de Levinson sobre o tema. Por exemplo, no livro “Marketing de guerrilha com armas on-line” Levinson apresenta recursos que tornarão mais interessantes e eficientes a presença online, como endereço e assinatura de e-mail, posicionamento do logotipo da empresa, uso correto de embalagens e auxílios audiovisuais. São armas que garantem o conforto do cliente, facilitam os pedidos, aumentam a rapidez das entregas, aperfeiçoam o pagamento, a formação de preços, os mecanismos de feedback mas não se fala ali em “mídia espontânea” ou de ocupação gratuita de espaço na mídia de massas, ferramentas típicas das Relações Públicas e que podem ser apropriados pela guerrilha mas não são, digamos, mecanismos nativos da guerrilha.
Do mesmo modo, a “ilusão de espontaneidade” não é uma necessidade vital da guerrilha, mas sim de uma de suas táticas, o Ambush Marketing, termo que define aquelas ações artificiais que simulam movimentos sociais reais, como a feita pela Oi, que ao vender celulares desbloqueados simulou a existência de um “movimento” a favor do desbloqueio de aparelhos. Quando veio a lei que exigia o desbloqueio, eles comemoram como se fosse tudo produto do “movimento” pela liberdade de escolha que haviam criado artificialmente.
Por que empresa que poderia usar guerrilha como o centro de sua estratégia de comunicação negligencia seu uso? É simples: porque estão presas ao passado, quando só se podia fazer comunicação efetiva através dos meios de comunicação de massas.