quarta-feira, dezembro 26, 2007
A imagem do ano
terça-feira, dezembro 18, 2007
Pausa
terça-feira, dezembro 11, 2007
De volta à definição do conceito
Durante o debate realizado no Dia Internacional da Propaganda, na Feapa, em Belém, surgiu uma vez a polêmica sobre o conceito de "propaganda" e seu correlato, em português, "publicidade".
Tenho uma idéia formada sobre essa questão e que distingue claramente os dois conceitos. Publicizar é tornar público, "dar ao publico conhecimento de". A "publicidade" é uma atividade profissional dedicada à difusão pública de idéias associadas a empresas, produtos ou serviços, especificamente, a publicidade comercial. Esse é o sentido literal do termo. Recentemente alguns autores, como All Ries, passaram a conceituar como "publicidade" também toda atividade de relações públicas, que "dão publicidade a pessoas e marcas". Já a propaganda é um meio utilizado para fazer alguém aceitar um principio, uma teoria, uma doutrina através das emoções. Os propagandistas apelam não para a razão, mas sempre para a emoção e o instinto. A própria palavra propaganda só apareceu em 1622, quando o Papa Gregório XV convocou uma Comissão de Cardeais para orientar a difusão da palavra cristã pelas missões estrangeiras. A comissão foi chamada Congregatio de Propaganda Fide - Congregação para a Propagação da Fé, e funcionava como uma comissão de qualquer outra sociedade missionária - escolhendo missionários e despachando-os para o estrangeiro. Mas não demorou para que a palavra ganhasse significados outros que não propagação de crenças religiosas, como, por exemplo, agressão nacional, proselitismo político, deturpação de fatos e censura por supressão, coisas muito convenientes para Hitler. Essas sinistras atividades não tinham nada de novas. O Oráculo de Delfos do mundo antigo, pela hipnose, comandara as empresas colonizadoras dos atenienses. Tucidides, em sua história da Guerra do Peloponeso, revelou que as facções em confronto aumentavam seu domínio sobre os não convencidos pela contínua deturpação dos fatos. Platão,
Portanto, a propaganda, como William Albig diz acertadamente em seu livro Public Opinion, "aparecia sempre que qualquer liderança tentava unir as opiniões de um povo, desde a propaganda política de um Júlio César à propaganda da Igreja Católica Romana, à propagação da Lenda Napoleônica, ao propagandismo de Potemkin em favor de Catarina a Grande, à propaganda panfletária de Sam Adam para a Revolução Americana, à propaganda do Norte e do Sul na Guerra Civil Americana, às propagandas que proliferaram, em todos os lados, na Segunda Guerra Mundial".
Em síntese, a "propaganda" é a atividade que tende a influenciar as pessoas, com o objetivo religioso, político ou cívico, ou seja, ideológico. "Propaganda", portanto, é a propagação de idéias, mas, sem finalidade comercial. Já a "publicidade", que é uma decorrência do conceito de "propaganda", é também persuasiva, mas com objetivo comercial bem caracterizado. Portanto, a "publicidade" pode ser definida como a arte de despertar no público o desejo de compra, levando-o à ação e isso a distingue de todas as formas de "propaganda".
sexta-feira, dezembro 07, 2007
Eterno retorno
Efeito Ronaldinho
Alzheimer e eu
Minha mãe está com Alzheimer. Minha doce mãe, tão cheia de lembranças e de vida, começa a substituir esse tesouro imenso por um olhar vago e um raro sorriso quando a toco. Vê-la se distanciar assim cria em minha alma um abismo colossal de emoção e dor. Desde seu diagnóstico, minha identificação com o tema é permanente. Sinto uma preocupação cotidiana em passar adiante reflexões sobre esse mal e suas conseqüências devastadoras. Falo sobre isso, leio, abordo especialistas, compro publicações e as devoro. Essa é a razão pela qual posto aqui e divido com vocês as anotações de Roberto Goldkorn, psicólogo e escritor, que inicia seu texto com a frase:
"Meu pai está com Alzheimer."
O diagnóstico médico ainda não é conclusivo, mas, para mim, basta saber que ele esquece meu nome, mal anda, toma líquidos de canudinho, não consegue terminar uma frase, nem controla mais suas funções fisiológicas, e tem os famosos delírios paranóicos comuns nas demências tipo Alzheimer.
Aliás, fico até mais tranqüilo diante do "eu não sei ao certo" dos médicos; prefiro isso ao "estou absolutamente certo de que...", frase que me dá arrepios. Há trinta anos, não se ouvia sequer uma menção a essa doença maldita. Hoje, precisaria ter o triplo de dedos nas mãos para contar os inúmeros casos relatados por amigos e clientes, com diagnóstico igual em suas famílias.
O que está acontecendo? Estamos diante de um surto de Alzheimer? Finalmente, nossos hábitos de vida "moderna" estão enviando a conta?
O que os pesquisadores sabem de verdade sobre a doença? Qual é o lado oculto dessa manifestação tão dolorosa?
Lendo o material disponível, chega-se a uma conclusão: essa é uma doença extremamente complexa, camaleônica, de muitas faces e ainda carregada de mistérios. Sabe-se, por exemplo, que há um componente genético. Por outro lado, o Dr. William Grant fez uma pesquisa que complicou um pouco as coisas. Ele comparou a incidência da doença em descendentes de japoneses e de africanos que vivem nos EUA, e com japoneses e nigerianos que ainda vivem em seus respectivos países.
Ele encontrou uma incidência da doença da ordem de 4,1 para os descendentes de japoneses que vivem na América, contra apenas 1,8 de japoneses do Japão. Os afro-americanos vão mais longe: 6,2 desenvolvem a doença, enquanto apenas 1,4 dos nigerianos são atingidos por ela.
Hábitos alimentares? Stress das pressões do Primeiro Mundo? Mas o Japão não é Primeiro Mundo? Lá não tem stress?
A alimentação parece ser sem dúvida um elo nessa corrente, e mais ainda o alumínio.
Segundo algumas pesquisas, a incidência de alumínio encontrada nos cérebros de portadores da doença é assustadoramente alta. Pesquisas feitas na Austrália e em alguns países da Europa mostraram que, em ratos alimentados com uma dieta rica, o sulfato de alumínio (comumente colocado na água potável para matar bactérias) danificou os cérebros dos roedores de forma muito similar à causada nos humanos pelo Alzheimer.
Pesquisas do Dr. Joseph Sobel, da Universidade da Califórnia do Sul, mostraram que a incidência da doença é três vezes maior em pessoas expostas à radiação elétrica (trabalhadores que ficavam próximos a redes de alta tensão ou a máquinas elétricas).
Mas não param por aí as pesquisas, que apontam a arma em todas as direções. Porém, a que mais me chocou e me motivou a fazer minhas próprias elucubrações foi o estudo das freiras. Esse estudo, citado no livro A Saúde do Cérebro, do Dr. Robert Goldman, Ed. Campus, foi feito pelo Dr. Snowdon, da Universidade de Kentucky. Eles estudaram 700 freiras do convento de Notre Dame. Na verdade, eles leram e analisaram as redações autobiográficas que cada freira era obrigada a escrever logo ao entrar na ordem. Isso ocorria quando elas tinham em média 20 anos. Essas freiras (um dos grupos mais homogêneo possível - fato que reduz muito as variáveis que deveriam ser controladas) foram examinadas regularmente e seus cérebros investigados após suas mortes. O que se constatou foi surpreendente.
As que melhor se saíram nos testes cognitivos e nas redações - em termos de clareza de raciocínio, objetividade, vocabulário, capacidade de expressar suas idéias, mesmo apresentando os acidentes neurológicos típicos do Alzheimer (placas e massas fibrosas de tecido morto) não desenvolveram a demência característica da doença.
Ou seja, elas tinham as mesmas seqüelas que as outras freiras com Alzheimer diagnosticado (e que tiveram baixos escores em testes cognitivos e na redação), mas não os sintomas clássicos, como os do meu pai.
A minha interpretação de tudo isso: não temos muito como controlar todos os fatores de risco apontados como os vilões - alimentação, pressão alta, contaminação ambiental, stress, e a genética (por enquanto). Mas podemos colocar o nosso cérebro para trabalhar.
Como? Lendo muito, escrevendo, buscando a clareza das idéias, criando novos circuitos neurais que venham a substituir os afetados pela idade e pela vida "bandida".
Meu conselho: não sejam infalíveis como o meu pobre pai; não cheguem ao topo nunca, pois dali, só há um caminho: descer. Inventem novos desafios, façam palavras-cruzadas, forcem a memória, não só com drogas (não nego a sua eficácia, principalmente as neurotrópicas), mas correndo atrás dos vazios e lapsos (buscando entendê-los e preenchê-los). Eu não sossego enquanto não lembro do nome de algum velho conhecido, ou de uma localidade onde estive há trinta anos. Leiam e se empenhem em entender o que está escrito; aprendam outra língua, mesmo aos sessenta anos...
Não existem estudos provando que o Alzheimer é a moléstia preferida dos arrogantes, autoritários e auto-suficientes, mas a minha experiência mostra que pode haver alguma coisa nesse mato. Coloquem a palavra FELICIDADE no topo da sua lista de prioridades:
Sete (7) de cada dez (10) doentes nunca ligaram para essas "bobagens" e viveram vidas medíocres e infelizes - muitos nem mesmo tinham consciência disso.
Mantenha-se interessado no mundo, nas pessoas, no futuro. Invente novas receitas, experimente (não gosta de ir para a cozinha de sua casa? Hum... Tá certo, nem todo mundo precisa amar a gastronomia.... Então, vá para a cozinha da vida, e faça a sua melhor receita... Como diz a propaganda do Corsa 2007: "não deixe a sua vida acontecer sem você!").
Lute, lute sempre, por uma causa, por um ideal, pela felicidade. Parodiando Maiakovski, que disse "melhor morrer de vodca do que de tédio", eu digo: melhor morrer lutando o bom combate do que ter a personalidade roubada pelo Alzheimer.
Dicas para escapar do Alzheimer:
Uma descoberta dentro da Neurociência vem revelar que o cérebro mantém a capacidade extraordinária de crescer e mudar o padrão de suas conexões. Os autores desta descoberta, Lawrence Katz e Manning Rubin (2000), revelam que NEURÓBICA, a "aeróbica dos neurônios", é uma nova forma de exercício cerebral projetada para manter o cérebro ágil e saudável, criando novos e diferentes padrões de atividades dos neurônios em seu cérebro .
Cerca de 80% do nosso dia-a-dia é ocupado por rotinas que, apesar de terem a vantagem de reduzir o esforço intelectual, escondem um efeito perverso; limitam o cérebro. Para contrariar essa tendência, é necessário praticar exercícios "cerebrais" que fazem as pessoas pensarem somente no que estão fazendo, concentrando-se na tarefa. O desafio da NEURÓBICA é fazer tudo aquilo que contraria as rotinas, obrigando o cérebro a um trabalho adicional.
Tente fazer um teste:
- use o relógio de pulso no braço direito;
- escove os dentes com a mão contrária da de costume;
- ande pela casa de trás para frente; (vi na China o pessoal treinando isso num parque);
- vista-se de olhos fechados;
- estimule o paladar, coma coisas diferentes;
- veja fotos de cabeça para baixo;
- veja as horas num espelho;
- faça um novo caminho para ir ao trabalho.
A proposta é mudar o comportamento rotineiro.
Tente, faça alguma coisa diferente com seu outro lado e estimule o seu cérebro. Vale a pena tentar!
Que tal começar a praticar agora, trocando o mouse de lado?
Que tal começar agora enviando esta mensagem, usando o mouse com a mão esquerda?
domingo, dezembro 02, 2007
Para fazer a globalização funcionar
Saudada com euforia há duas décadas, a globalização passou a ser vista como invenção diabólica no fim da década de 1990 com um protesto em Seattle, quando operários americanos se viram ameaçados pela concorrência dos chineses. As duas faces da globalização - a de promotora de um modelo de economia de mercado e a de disseminadora da pobreza - são analisadas nas entrevistas do historiador Eric Hobsbawm e do economista Joseph E. Stiglitz concedidas ao Estado, ambas respondendo às mesmas questões propostas pela reportagem.
Dizem que a dinâmica do capitalismo globalizado está fora do controle dos governos e que os impérios acabaram. Qual o seu prognóstico para o futuro da globalização?
ERIC HOBSBAWM: Nações-estado, mesmo as maiores, são incapazes de controlar por mais tempo o que está acontecendo com a economia mundial, mas podem, contudo, determinar a forma e a natureza da globalização. Ela vai ter de conviver com as nações-estado, cenários das decisões políticas, porque a política tem resistido à globalização, continuando a confrontá-la. As pressões políticas, creio, irão refrear o processo de globalização na próxima década, embora seja pouco provável um revival do protecionismo verificado no período entre-guerras. A globalização vai continuar. Espero que os governos que hoje exercem liderança mundial sejam forçados a abandonar sua aposta no descontrole do mercado livre. Os EUA falharam em seus planos de impor uma política hegemônica sobre o globo após o 11 de Setembro e a guerra contra o Iraque mostrou os limites dessa que foi a mais extraordinária máquina de guerra de nossa época, o que nos dá segurança para dizer que a era dos impérios está definitivamente morta.
JOSEPH E. STIGLITZ: De fato, a turbulência que atingiu os mercados financeiros em 2007 parece mesmo mostrar que os problemas que tínhamos em meados do ano continuam a se avolumar e não há motivo algum para ser otimista, porque podemos enfrentar uma possível crise global. Contudo, não há motivos para suspeitar que a globalização não eleve os padrões de vida ou dificulte aos países pobres o acesso aos mercados externos. A globalização vai continuar e pode trazer uma grande contribuição para esses países. Não vai ser fácil fazê-la funcionar. Também é verdade que os Estados Unidos não conseguem viver de maneira autônoma e uma prova disso são os empréstimos cada vez maiores que o país toma e suas atitudes protecionistas.
A instabilidade da nova economia global parece evidente e as nações-estado são aparentemente incapazes de governar a si mesmas, correndo mesmo o risco de se desintegrar. Isso pode representar uma porta aberta para a desordem global? Elas serão obrigadas a se submeter à intervenção estrangeira?
HOBSBAWM: Muitas regiões do globo - a África, o Oriente Médio, parte do sudeste europeu e a ex-União Soviética - já estão vivendo a era da desordem global. A tendência à desintegração dos estados, principalmente após o colapso dos impérios do século 20, é reforçada por uma nova tendência: a da fragmentação das mais antigas unidades políticas estáveis do mundo rico, como Grã-Bretanha, Espanha, Bélgica, Itália e Canadá. Essa tendência à 'balcanização' e ao enfraquecimento do poder estatal certamente favorece a desordem global, mas sua causa principal tem sido a crença de Washington de que os EUA podem impor uma ordem mundial de mão única. O estabelecimento de um padrão mais razoável de política internacional, que reconheça os limites desse poder e a existência de um sistema pluralista, seria menos perigoso. Movimentos separatistas, de modo geral, recorrem à ajuda política de forças externas para conquistar autonomia ou independência, mas os estados que são incapazes de governar a si mesmos não se tornam necessariamente mais governáveis quando ocupados por exércitos estrangeiros.
STIGLITZ: Acho que os países industrializados têm condições de resolver os próprios problemas, mesmo que, aparentemente, mostrem-se incapazes de se governar. Naturalmente, os mais ricos têm como se proteger de modo mais adequado, enquanto os países em desenvolvimento não dispõem de recursos para se defender do fluxo do capital especulativo descontrolado, correndo, portanto, maiores riscos. A globalização expõe conflitos sociais e coloca em questão o papel do governo e dos mercados. É irônico que o secretário do Tesouro dos EUA exerça pressão sobre a Índia para que se abra para esse capital especulativo.
A miséria permanece um problema em economias emergentes. Particularmente no Brasil, os programas sociais destinados a aliviar a pobreza parecem inoperantes para atender às metas da globalização. Como a globalização pode ajudar países como Brasil e Índia?
HOBSBAWM: A globalização trouxe um rápido crescimento econômico e com ele uma diminuição significativa da pobreza mundial. Ao mesmo tempo, fez crescer a distância entre ricos e pobres. Isso parece evidente em países como a China, onde a globalização se torna visível pela rápida industrialização e geração de empregos. E, vale lembrar, o nome do crescimento econômico, para a maioria das pessoas , é emprego. A Índia, por exemplo, tem mais pobreza que a China porque seu crescimento econômico não se baseia na evolução da indústria de manufaturados. Ao mesmo tempo, a fase atual da globalização, que abre mercado e garante altos preços para produtos agrícolas, favorece países como o Brasil, mas, infelizmente, tem pouco efeito na promoção social dos pobres ou de pequenos agricultores. Os programas para minimizar os efeitos da pobreza têm pouco a ver com a globalização e mais com a correção de certas deficiências de cada país. Não estou capacitado para julgar o que está sendo feito no Brasil, mas o país continua como exemplo extremo de inadequação social e econômica.
STIGLITZ: Tudo depende de como a globalização é gerenciada - e ela ainda não é administrada de forma coerente com os princípios democráticos. Ela pode ajudar a dividir a riqueza e diminuir a pobreza, como na China, onde o rápido crescimento econômico, baseado nas exportações, conseguiu tirar mais de 300 milhões de chineses da pobreza. Há exemplos contrários de países no Leste Asiático e na América Latina que não evitaram o processo de expansão e contração, como a China, e só viram a pobreza e as crises se repetirem. Quando a globalização é mal orientada, o que se vê são pobres fazendeiros confrontando não outros fazendeiros, mas competindo com Washington - competição, aliás, difícil de vencer. Nos países em desenvolvimento, os governos tendem à corrupção e os pobres ficam mais vulneráveis quando a economia mundial freia.
O rápido crescimento da China provocou um tremendo impacto em quase todos os países, pequenos ou grandes, contribuindo para elevar o preço das mercadorias e, ao mesmo tempo, tornar economias dos pequenos mais vulneráveis. Qual a solução para essa dependência? Como essas pequenas economias vão encarar esse desafio?
HOBSBAWM: Considerando que o tamanho e a velocidade do crescimento da China salvaram a economia mundial dos efeitos de uma economia fraca e instável como a americana, ela deveria ser vista como benéfica para a economia de outros países, e não como um perigo. A dependência num único mercado exportador de produtos primários não é uma desvantagem, a menos que tal mercado entre em colapso. Aí, de fato, não haveria alternativa. Argentina e Uruguai, no começo do século 20, saíram-se muito bem ao se livrar da dependência do mercado britânico. Pequenas economias não são necessariamente mais vulneráveis que grandes economias - veja o caso da Islândia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Na verdade, pequenas economias podem até se adaptar mais facilmente à globalização que as grandes, concentrando-se em nichos particulares da economia mundial.
STIGLITZ: A China, com sua economia em expansão, é um exemplo positivo. A alta nos preços das mercadorias chinesas pode ter bons reflexos em países exportadores da América Latina, incluindo o Brasil. Por outro lado, traz desafios para países importadores. A China tem uma alta taxa de poupança, ao contrário dos EUA. É preciso entender a dinâmica da globalização. A liberalização do comércio pode ter sido favorável para a China, mas causou grande dificuldade para outros países que desejam competir com a economia chinesa. Os subsídios têm um papel relativo nessa história, como mostram os chineses. Países como os EUA têm de rever sua posição, porque a globalização econômica foi mais rápida que a política.
Países desenvolvidos manipulam as leis internacionais de comércio para se proteger, impondo altos custos a outros países e ameaçando-os ainda com a poluição e outras conseqüências negativas de suas atividades. Como fazer a globalização funcionar se os países desenvolvidos têm menos consciência ecológica que os não-desenvolvidos?
HOBSBAWM: Quais países são mais conscientes e quais os menos conscientes? E mesmo que eles sejam conscientes, isso determina um comportamento ecológico? O governo chinês, por exemplo, é mais consciente que o americano, embora os dois sejam igualmente grandes poluidores. O problema não reside em decisões de cunho nacional, mas na ausência de uma autoridade global capaz de impor medidas de controle para lidar com um problema que é global. Se ela existisse, haveria pontos a discutir sobre como suas decisões afetam países em desenvolvimento.
STIGLITZ: De fato, o crescimento da atividade econômica de países desenvolvidos, bem como de países em desenvolvimento, está provocando grande impacto ambiental. Considerando que a maior parte dos recursos ambientais não é global por natureza, não creio que seja possível lidar de forma imperativa com a poluição que transcende fronteiras. O aquecimento global é uma realidade, assim como é limitada nossa capacidade de gerir recursos naturais, mas sou otimista com relação à educação, à conscientização ambiental. Os países em desenvolvimento não têm como criar barreiras para os desenvolvidos, que são, naturalmente, os maiores poluidores por possuírem as maiores economias. Fazer a globalização econômica funcionar depende de como vamos gerir nossos recursos naturais.
A possibilidade de uma recessão mundial não está longe, considerando a mudança do sistema de reservas global motivada por uma economia instável. Há meios de eliminar a dependência de uma moeda única? Quais são as suas sugestões?
HOBSBAWM: Está além da minha competência fazer propostas sobre o sistema financeiro internacional, mas parece claro que o dólar não pode manter por mais tempo sua posição como padrão monetário internacional, considerando as quedas sucessivas da moeda americana. Não sabemos ainda quanto tempo demorará para ele ser substituído por outro parâmetro monetário internacionalmente aceito, tal como imaginou Keynes. É evidente que a maioria das pessoas e estados gostaria de se livrar de seus dólares, mas temem as conseqüências de um súbito colapso da moeda na economia mundial.
STIGLITZ: É como digo no nono capítulo de meu livro: o sistema financeiro mundial não funciona bem, em particular para os países em desenvolvimento. O custo do atual sistema global para eles é alto: torna a economia mais vulnerável, mais instável. As sucessivas quedas do dólar chocam o mundo financeiro e o sistema atual já se desgastou o suficiente. Muitos diretores de bancos centrais já estão saindo do dólar, seguindo o exemplo dos chineses. Isso enfraquece a moeda e nos faz concluir que ele não é o melhor meio de acumular reservas. Portanto, é preciso criar um novo sistema global de reservas e a solução está na velha proposta de Keynes, de criar numa nova forma de papel-moeda sem lastro que pode funcionar como reserva.
O terrorismo é uma ameaça real ao mundo. Como conciliar a idéia de globalização com antigas crenças?
HOBSBAWM: O terrorismo de pequenos grupos, que certamente deve ser combatido, não representa uma ameaça real ao mundo moderno. Os terroristas demonstraram sua habilidade em cometer massacres indiscriminados e chocantes, mas o terrorismo não é um fator político ou militar relevante e, mesmo em países onde é proeminente, representa apenas uma pequena célula de resistência à ocupação estrangeira. É ameaçador, sem dúvida, mas porque não o entendemos, não por representar perigo. Os efeitos do furacão Katrina nos EUA foram incomparavelmente maiores que o 11 de Setembro, em que morreram dramaticamente muitos inocentes. É essencial ter em mente os limites do terrorismo para que não fiquemos histéricos. Sobre antigas crenças e culturas ancestrais, há pouco de antigo no braço extremista islâmico que inspira uma organização como a Al-Qaeda. A fatwa que permite a matança indiscriminada de inocentes, incluindo aí muçulmanos, não havia sido aprovada pelo clero egípcio até o começo dos anos 1970. O barbarismo dos quais os terroristas modernos são representantes não está baseado na antiguidade ou na tradição, mas nas sociedades dos séculos 20 e 21.
STIGLITZ: Creio que, à medida que o mundo se torna mais globalizado, ele se torna também mais integrado. E, para fazer a globalização funcionar, reduzir o déficit democrático é essencial. Não vejo como antigas crenças possam impedir a convivência de uma cultura ancestral com outras civilizações. Na Europa, por exemplo, as diferenças culturais entre escandinavos e ingleses são enormes e nem por isso deixam de se integrar economicamente. Ficamos interdependentes na área econômica. O fundamentalismo econômico é, hoje, tão perigoso como o religioso.
Por Antonio Gonçalves Filho
sexta-feira, novembro 30, 2007
Juliana, jornalista
terça-feira, novembro 27, 2007
Propaganda ruim
segunda-feira, novembro 26, 2007
A contra-revolução do neoliberalismo
A publicação de Shock Economy teve uma crítica zangada do prêmio Nobel para a economia Joseph Stiglitz, que reconheceu a Naomi Klein o mérito de denunciar o "extremismo" dos neo-com. Ao mesmo tempo, porém, Stiglitz defendeu, no "New York Times" de 30 de setembro, que as da atual administração estadunidense são somente degenerações, porque a economia de mercado é o melhor instrumento, se bem usado, para promover o bem-estar coletivo. Por conseguinte, para Stiglitz, o problema não é o modelo social e econômico que o neoliberalismo propõe, quanto as pessoas que o realizam: "Não creio - afirma Naomi Klein - que o problema sejam os erros humanos. O neoliberalismo tem sido uma verdadeira e própria contra-revolução. Podem de fato mudar os homens, mas os objetivos permanecem sempre os mesmos: mover uma guerra de classes contra os trabalhadores e privatizar os serviços sociais".
A entrevista que segue ocorreu em Roma, deixando ao entrevistador um gosto amargo na boca. Tantas as perguntas a fazer e pouco tempo à disposição. A reportagem e a entrevista são de Benedetto Vecchi e publicadas no jornal Il Manifesto.
Eis a entrevista.
No seu livro descreve a ascensão e a afirmação do neoliberalismo como um produto de laboratório. De uma parte, a escola de Chicago com Milton Friedman, que "dava a linha". Da outra, alguns experimentos piloto, para depois aplica aquelas doutrinas na América do Norte, na Europa...
Nos anos cinqüenta e sessenta, Milton Friedman era considerado um nostálgico de uma economia de mercado que não mais existia. O pensamento econômico dominante era de tipo keynesiano. As teses da escola de Chicago eram consideradas a expressão de um extremismo ideológico a favor do livre mercado fora da realidade. A economia estadunidense era próspera graças à intervenção estatal e à "colaboração" entre sindicatos e empresas. Tudo parecia andar numa outra direção daquela que sustentava Friedman.
Por certo sua apologia do livre mercado era seguramente mais aderente aos interesses das grandes corporações, mas nenhum administrador teria intervindo para sustentá-la. Ao mesmo tempo, no entanto, Friedman recebeu enormes financiamentos de fundações prestigiosas, bem como do governo, para continuar as suas pesquisas. As teorias econômicas a escola de Chicago não eram somente expressão de uma ideologia, mas também de precisos interesses econômicos, como os do big business.
Muitos estudiosos ou analistas descrevem com freqüência o neoliberalismo como uma revolta das elites para subtrair-se ao controle do Estado. Não estou de acordo, porque a história da escola de Chicago pode ser considerada a `cover story´ de uma contra-revolução, de uma guerra de classe contra os sindicatos e os direitos sociais dos trabalhadores.
Você sustenta que a insegurança e os desastres ambientais são usados como ardil para impor políticas neoliberais. Não crê, no entanto, que precisamente a insegurança possa tornar-se o impulso para um reforço do welfare state? No fundo, o estado social nasce também para resolver o "choque coletivo" que atingira os Estados Unidos e a Europa nos anos trinta e quarenta?
Os choques coletivos podem ser usados para introduzir políticas neoliberais, se os homens e as mulheres estão desorientados, sós, ou seja, se sentem sua condição como precária. Na Itália estão em ação movimentos sociais que se batem contra a precariedade das relações de trabalho, pelos direitos dos migrantes, contra a guerra. O problema é se conseguem dar continuidade à sua ação, porque somente um reforço pode ajudar na resistência às políticas neoliberais.
Tomemos como exemplo Vicenza: o projeto de ampliar a base militar estadunidense encontrou a oposição de grupos, associações, centros sociais. Em Vicenza foram evocadas péssimas perspectivas para o seu desenvolvimento, se os trabalhadores fossem bloqueados. Até agora, a presença dos movimentos sociais criou as condições afim de que a chantagem fosse recusada da parte da população. Consideremos a precariedade das relações de trabalho. Há movimentos que se batem contra ela e pela extensão, também aos precários, dos direitos do trabalho. Até agora conseguiram organizar uma parte do trabalho precário. O passo seguinte é de envolver sempre mais homens e mulheres para poder enfraquecer a chantagem a que estão submetidos muitos trabalhadores e trabalhadoras. Creio, pois, que os movimentos devam dar-se uma organização estável, menos efêmera, para reforçar sua ação. Nas minhas viagens de trabalho encontro homens e mulheres que sentem muitíssimo esta urgência política de dar continuidade e força à sua ação política. Talvez possam pecar por otimismo, mas me parece que muitos movimentos estão se movendo nesta direção.
No que diz respeito à tua pergunta, também eu creio ser preciso desenvolver outro tipo de organização social. Não considero, todavia, que esta nova organização social deva ser introduzida de cima para baixo. Deve, de fato, ser desenvolvida a partir da base.
No seu livro você escreve que o neoliberalismo se caracteriza não tanto pela ocupação do Estado mas pela privatização de algumas funções que lhe competem, da defesa nacional à saúde e à formação escolar. Houve, depois, o escândalo da sociedade de "contractors" ["empreiteiros"] Blackwater no Iraque e muitos analistas denunciaram como louca a privatização da defesa nacional. Estamos assistindo ao declínio do neoliberalismo? Ou são apenas sacudidas de ajustamento?
O caso do furacão Kathrina é emblemático. Nos primeiros dias após a inundação de Nova Orleans, a mídia estadunidense apontou o índice contra as políticas de desinvestimento da administração Bush no que diz respeito à proteção ambiental. Mal as águas começaram a se retirar e grande parte do establishment liberal viu no furacão a mão divina que permitia expulsar os habitantes pobres e os afro-americanos, para deixar espaço às empresas privadas. Não creio, pois, que o neoliberalismo tenha chegado ao fim da linha. É óbvio que o escândalo da Blackwaater levanta alguns problemas para os neoliberais. Mas, na mídia dominante não é criticado o modelo neoliberal, e sim as ações de uma só empresa, neste caso a Blackwater. No final das contas, é invocada maior vigilância sobre as atividades de uma empresa privada que desenvolve uma função estatal, pública.
Estamos assistindo a uma mudança das políticas neoliberais. Haverá maior atenção ao conflito de interesses, que nos Estados Unidos e também na Itália chegou ao paroxismo. Ou ainda, a aplicação das políticas neoliberais será mais gradual. Afirmar, porém, que estamos na crise do neoliberalismo é uma temeridade política autoconsoladora.
Na Itália há muito interesse pelas primárias do partido democrático nos Estados Unidos e na competição entre Hilary Clinton e Barak Obama. Podem os movimentos sociais condicionar os resultados das primárias no partido democrático?
É estranho que o pergunte a mim que sou canadense. Não estou muito interessado no fato de que Hilary Clinton represente os old democratics e Obama os new democratics. E considero estranho que um italiano esteja interessado no conflito entre Hilary e Obama.
A política estadunidense desde sempre condicionou a italiana. E depois, você vive num observatório privilegiado que é o Canadá. No entanto, o que me interessa entender é que relação - de conflito, de cooptação - os movimentos sociais nos Estados Unidos querem entreter com o poder político e com a política institucional...
O processo eleitoral estadunidense é muito complicado e consome tempo, energias e dinheiro. Se um movimento social procura condicionar o resultado de primárias ou de uma competição eleitoral permanece quase sempre interpolado nos mecanismos políticos americanos. Fê-lo Ralph Nader e não foi muito bem. Fê-lo Move On, correndo o risco de se tornar apenas um componente do partido democrático.
Nos Estados Unidos houve um encontro que a mídia ignorou quase de todo. Refiro-me ao primeiro Fórum social estadunidense em Atlanta. Centenas de grupos, associações, milhares de ativistas se encontraram para conhecer-se e discutir sobre o que fazer. Os poucos jornalistas que foram a Atlanta ficaram maravilhados, porque viam homens e mulheres que discutiam sobre pobreza, marginalização, direitos dos migrantes, falta de trabalho, direitos à saúde e à instrução pública, ou pacifismo, propondo iniciativas de luta e alternativas praticáveis contra o neoliberalismo, sem esperar que o partido democrático lhes dê atenção. Em outras palavras, penso que os movimentos sociais devem desenvolver sua própria iniciativa, organizar-se, desenvolver uma espécie de contrapoder, sem esperar a existência de um candidato que prometa representar as suas propostas o que seu ponto de vista entre na agenda política de qualquer partido.
Os movimentos sociais, pelo menos aqui na Europa, não gozam de boa saúde. Houve importantes mobilizações contra a precariedade na França e na Itália. O movimento pacifista inglês continuou a levar à praça centenas de milhares de pessoas. No entanto, são inegáveis as dificuldades dos movimentos sociais. Não crê que estas dificuldades derivem também do fato de que o movimento dos movimentos, para usar uma expressão que é muito cara a você, não corre o risco de desenvolver uma leitura crítica do mundo atual e conseqüentemente desenvolver formas de luta e de organização adequadas?
Concordo. Também nos Estados Unidos os movimentos sociais antiliberais estão em dificuldade. A meu ver, na América do Norte, mas creio que isto possa valer também para a Europa, as dificuldades derivam das conseqüências do ataque às Torres Gêmeas. O 11 de setembro mudou o mundo. O problema é entender como o mudou. Houve a guerra no Afeganistão e depois no Iraque. Guantânamo. As crises econômicas. Mas, ainda não conseguimos colher o pleno sentido daquilo que aconteceu após as Twin Towers. Será necessário tempo para entendê-lo. Espero contribuir, como muitos outros, para entendê-lo. Agrada-me pensar que este livro seja uma pequena contribuição para entender como mudou o capitalismo.
quarta-feira, novembro 21, 2007
Mutação Global e Guerrilha Comunicativa
1. Mutação Global e Guerrilha Comunicativa
A comunicação é onipresente. Quem tem a palavra constrói identidades pessoais ou sociais. Cria modelos a serem seguidos, delimita e demarca a prática social. A informação se multiplicou tanto e se tornou tão abundante que já virou o quinto elemento, depois do ar, da água, da terra e do fogo. Essa evidência resulta que alguns acentuem o fato como uma “invenção” (A. Mattelart), uma “revolução” (P. Griset), uma “utopia” (Ph. Breton) e mesmo uma “explosão“ (Ph. Breton e S. Proulx) e outros se questionem sobre o valor das idéias na história ou ainda a razão de uma idéia triunfar sobre outra, criando uma nova disciplina – a midiologia (R. Débray).
É um lugar-comum dizer que a sociedade está em transformação. Toda sociedade está. Sempre esteve. A modificação fundamental na transformação que testemunhamos é a velocidade com que ela se desenvolve, integrando diferentes mecanismo de interação entre as pessoas e de comunicação multilateral. Aquilo que Guy Debord denunciou, na década de 60, como a “sociedade do espetáculo” tornou-se uma experiência radical a qual devemos chamar, a partir de agora, de “sociedade hipermediatizada” onde efetivamente a relação social entre as pessoas passou a ser mediada pela imagem, pela representação e, em certa medida, pelo simulacro.
Contra este poder excludente e alienante, criou-se um movimento multitudinário cuja militância transforma a resistência em contra-poder e transmuta a rebelião num processo de construção de um contra-discurso, colocando em pauta a democratização dos meios de comunicação como bandeira fundamental. O objetivo deste manifesto é provocar. É superar o diletantismo acadêmico e o vandalismo ingênuo através da mobilização e da organização de um movimento multi-facetário pela elaboração e propagação de uma nova consciência, criando uma força cívica cidadã, a que chamo de “quinto poder”, dedicado a elaborar e difundir uma forma alternativa de comunicação, efetivamente social, a comunicação militante. Esses novos desafios obrigam a repensar o papel da comunicação, fundamentalmente quando percebemos que o acréscimo de informação não só não acarreta um acréscimo de conhecimento como provoca, mesmo, o seu decréscimo; assim, e segundo Baudrillard, estamos num momento em que à “inflação da informação” corresponde uma “deflação do sentido“. A insistência em se distanciar dos fatos para analisá-los acaba fazendo com que não os analisemos, soterrados que somos por uma avalanche de informações desconexas. Um processo análogo se dá na economia. O filósofo Robert Kurtz, redator e co-editor da revista teórica "Krisis", em seu trabalho “6 Teses sobre o caráter das novas guerras de ordenamento mundial” caracteriza que a terceira revolução industrial, causada pela microelectrónica, começou nos anos oitenta colocando um limite histórico intrínseco à valorização do trabalho vivo. A febre de consumo nos grandes mercados mundiais, o poder corporativo das marcas globais não acarreta um acréscimo na melhoria de vida das grandes massas como acarreta, mesmo, o seu decréscimo; assim, estamos num universo em que as percepções crescentes das marcas e do universo milionário do consumo entram em contradição com a explosão da miséria e do desemprego para faixas cada vez mais largas da população, frutos das crises cíclicas de superprodução que se processam em forma de espiral, uma cada vez mas próxima da imediatamente anterior, retro-alimentando desigualdades crescentes. A busca constante da intensidade e da produtividade do trabalho; a procura incansável de novos mercados; a tendência a introduzir inovações tecnológicas para economizar força de trabalho (aumento da composição orgânica do capital); a concentração e a centralização do capital; a queda tendencial nas taxas de lucro; a eclosão periódica de crises de superprodução; a tendência implacável à internacionalização do capital; são leis intrínsecas do capitalismo que agem proporcionando a socialização objetiva do trabalho. Da socialização objetiva do trabalho e da sua internacionalização derivou-se a socialização das lutas, do enfrentamento ao modelo multiplicador de desigualdades. Esse quadro abriu espaço para movimentos em rede pela universalização da cidadania. Foi o que ocorreu no dia 26 de setembro de 2000, quando todas as atenções se voltaram para Praga. Enquanto o FMI e o Banco Mundial se reuniam a portas fechadas, as ruas da capital tcheca foram tomadas pelos manifestantes. zapatistas, estudantes, anarquistas, comunistas, trotskistas, sem-terras, sindicalistas, pacifistas, artistas e todos os demais ativistas, protagonizando uma histórica batalha antiglobalização, que ganhou, de uma testemunha ocular, a feliz denominação de “guerrilha surreal”. "Para conhecer os príncipes”, dizia Maquiavel, “é preciso ser povo". Os protestos contra a hegemonia econômica imposta pelos organismos financeiros internacionais forjaram sua própria cultura, seu próprio fluxo de informação e meios próprios de comunicação. Em Praga, os ativistas enfrentaram a polícia com todas as armas possíveis: à hierarquia opuseram a irreverência; às marchas, a dança; às sirenes, os gritos, às fardas e uniformes, as camisetas e as cores. Mas o que sobressaiu de maneira relevante foi o modo como o movimento, marginal em relação aos grandes conglomerados de mídia, ganhou manchetes em todos os principais jornais e telejornais do mundo, inaugurando um modo militante de comunicar que ultrapassou fronteira e ocupou, no peito e na raça, terrenos generosos no latifúndio simbólico dos grandes meios de comunicação de massas que se fossem pagos consumiriam fortunas equivalentes ao Produto Interno Bruto de muitos países. Essa guerrilha comunicativa nada mais é do que uma prática expandida do que desde então denominamos “comunicação militante”: a luta para quebrar o monopólio da fala, descentralizar a produção simbólica e assegurar a diversidade das mensagens através do uso de meios baratos e abrangentes de comunicação. Alguns podem achar que é uma nova denominação para o que se convencionou chamar, nas décadas de 70 e 80 do século XX, de “comunicação popular”. Terminantemente, não é. Quando nos referimos ao povo ou popular, no conceito que a esquerda marxista latino-americana deu ao termo, queremos dizer que não se trata da “massa“ indistinta, duma simples multidão de átomos, de simples grupos fragmentados, mas de um sujeito, de uma totalidade que não implica a anulação de indivíduos e grupos, mas sim a sua articulação num projeto comum. Povo é “síntese constituída” (Negri), é sujeito. Não é fácil para um povo constituir-se como tal, criar-se como povo. O dominador sempre fará todos os esforços possíveis para o fragmentar, dividir, atomizar, numa palavra, para o reduzir a uma multidão. Por isso, antes da comunicação popular virá a comunicação militante, a comunicação de trincheira, de combate. A comunicação popular virá com o poder, a comunicação militante é resultado do contra-poder. É correto dizer que o conceito que inauguramos tem origem remota na teorização de McLuhan (1972), que, ressaltando o aspecto dos formatos da comunicação, afirma: "o meio é a mensagem". Como nós, ele entende medium num sentido amplo, como veículo, canal, ambiente, incluindo os códigos compartilhados pelos destinatários. O medium co-produz a mensagem e a informação aparece em determinados formatos, quer na vida cotidiana, quer nos veículos tradicionalmente usados como mass-mídia. Tais formatos já fazem, por si só, sentido para o espectador. “O que é comunicação militante”, escrito originalmente como um paper para debate interno em um restrito grupo de militantes de esquerda, continha as impressões de um observador atento, mas desprovidas de qualquer pretensão de rigor técnico, a qual só um estudo específico e mais profundo permitiria naturalmente acalentar. O texto foi publicado pela primeira vez nas últimas páginas de uma coletânea assinada por Ruth Vieira e Francisco Cavalcante, denominada justamente “Comunicação Militante” (Labor Editorial, 2001), onde são relatadas as diversas experiências de comunicação praticadas na primeira administração de esquerda a assumir a prefeitura de Belém do Pará, a mais populosa capital da Amazônia brasileira, de 1997 a 2004. A publicação deste panfleto com ligeiro acréscimo ao original deve-se à necessidade de ampliar o debate urgente sobre mídia e poder no desafiador cenário da mundialização, em busca de ferramentas de comunicação que ajudem a construir um contra-poder midiático - um arsenal comunicativo de novo tipo e uma nova forma de informação diversa, plural e humanista, para além da chamada mídia de massas.
De homens, lucro e memória
quarta-feira, novembro 14, 2007
Jornalismo on-line avança
Os dados são da PricewaterhouseCoopers (PwC) e da Associação Mundial de Jornais (WAN, na sigla em inglês), apresentados no seminário "Os jornais e a internet — para onde aponta o futuro?" por Marta Gleich, diretora de jornais online do Grupo RBS.
Mecanismos como RSS (tecnologia de agregação de conteúdo e distribuição automática de notícias) e sites de busca permitem que o leitor também atue como editor, ao selecionar, priorizar e buscar diretamente o assunto de seu interesse. "O RSS tem audiência similar à da nossa home page", afirma Ana Lúcia Busch, diretora executiva da Folha Online, que participou do seminário feito pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ). No Globo Online, 50 mil pessoas (visitantes únicos) comentam por dia as reportagens publicadas, e cerca de 20% da audiência já são determinados pela procura de assuntos em mecanismos de busca. "O leitor quer a notícia independentemente do formato, se em áudio, vídeo ou texto convencional. Nosso desafio é facilitar para que ele a encontre", diz Raquel Almeida, editora executiva do Globo Online.
O interesse pelo noticiário de internet, expresso em audiência, ainda não se traduz em rentabilidade expressiva do negócio. Embora crescente, a receita da venda de publicidade na internet deve chegar a 2010 correspondendo a 9% da verba total do mercado publicitário. A mídia impressa - jornais e revistas - deverá ter 35%, projeta a PwC. Para oferecer ao leitor interatividade, participação e conteúdo jornalístico de qualidade, as empresas de comunicação têm feito investimentos altos em tecnologia, inovação e mão-de-obra.
Na avaliação de Elias Machado, coordenador do Laboratório de Pesquisas Aplicada em Jornalismo Digital da Universidade Federal de Santa Catarina, é possível aumentar a rentabilidade dos produtos online desenvolvendo conteúdo para públicos específicos, com plataformas e tecnologias diferenciadas. Machado cita a Reuters, que obtém apenas 5% de seu lucro direto com a venda de notícias pela agência. Os 95% restantes vêm de produtos e soluções para públicos específicos. Para o pesquisador, a notícia escrita tem ainda a supremacia: "Nossas pesquisas sobre TV mostram que 70% das notícias não são dadas por meio de imagens, mas por texto lido por apresentadores. A verba de publicidade é um bolo finito, é preciso investir em novos modelos de negócio para a internet".
Da agência O Globo
terça-feira, novembro 13, 2007
Labor Editorial tem nova logo
Naomi Klein ataca novamente
Seu novo trabalho, a reconstrução da ascese do neoliberalismo desenvolvida pela intelectual Naomi Klein em Shock economy é fascinante. Leia aqui o comentário de Benedetto Vecchi, intelectual italiano, em artigo publicado no jornal Il Manifesto.
Eis o comentário.
"Poder-se-ia dizer que a jornalista canadense começa onde terminara o seu trabalhoprecedente, a reportagem jornalística sobre o emergir da "economia da marca", que foi publicada após as manifestações de Seattle. E, se naquelas páginas encontra espaço a denúncia das aldeias-prisão, onde se produzem computadores, televisores e jeans para as maiores multinacionais, neste livro a atenção se concentra, ao invés, nas estratégias comunicativas e políticas para impor o modelo neoliberal nas sociedades do Sul e do Norte do mundo. As técnicas usadas são aquela amplificação da insegurança e da precariedade, até que o medo se transforme em pânico. Shok economy é também a documentada narração da conquista da hegemonia da Escola de Chicago. Não nos é dado saber se Milton Friedman jamais tenha lido as obras de Antonio Gramsci, mas os "Cadernos do cárcere" parecem ser o texto imprescindível para, como a alguns anos nos solicitam fazê-lo os estudos pós-coloniais, compreender a difusão das teorias neoliberais. O livro de Naomi Klein é útil também quando, impiedosamente, sublinha como os dados do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial foram as armas voltadas contra a resistência do movimento operário organizado. No entretempo, as privatizações favoreceram as empresas que intervinham em favor dos candidatos alinhados com os seus interesses. A autora diz claramente que o conflito de interesses não é uma anomalia, mas um dos elementos constitutivos do capitalismo contemporâneo. O elenco de expoentes da administração de George W. Bush, que sentam nos conselhos de administração das empresas que recebem comissões dos próprios ministérios onde operam as mesmas pessoas, chegam até a vice-presidência dos Estados Unidos. Para não falar de outros países, incluindo o nosso. O conflito de interesses é, pois, expressão daquela assunção do político da parte do econômico.
A mudança do modo de produção impôs, assim, a mutação da constituição formal. A oposição ao neoliberalismo deve, pois, realizar um duplo movimento. De uma parte, encontrar a forma adequada de luta e de organização contra o atual modo de produção. De outra, elaborar uma análise sobre como mudou a forma do Estado. É este o fundo da agulha que os movimentos sociais devem ultrapassar para mudar a realidade.
E por isso: crítica à economia política e crítica da forma do Estado. Todo atalho é destinado a transformar-se num beco sem saída. Isso já aconteceu no passado recente, quando uma parte dos movimentos sociais aceitou comportar-se como opinião pública respeitosa das regras. E aconteceu quando outra parte dos movimentos esperou que algum governo amigo ajudasse a pôr as coisas no devido lugar. Erros que seria diabólico repetir agora que assistimos à formação do partido democrático, o qual quer estabilizar o sistema político”.
segunda-feira, novembro 12, 2007
Errar humano é...
Em mercados pouco abonados como o nosso, os anunciantes não fazem campanhas, fazem anúncios e isso, por si só, é um erro cumulativo que deixa, atrás de si, resíduos apenas do que poderia deixar se cada peça fosse parte de um discurso único, palpável, perceptível. Aqui, alguns dos erros mais comuns em uma campanha publicitária e dicas de como evitá-los.
1. Não Definir Claramente o "Target" da Campanha
Afinal, a quem se dirige a campanha de publicidade? Se não conseguir responder sem hesitar, é melhor não passar às fases seguintes do processo. E não é aceitável dizer que "o alvo da campanha são todos os consumidores". Nunca se consegue captar a atenção de todos eles. Mesmo para produtos de grande consumo, uma campanha de publicidade só pode ir em frente se tiver o público-alvo bem definido.
2. Não se Distinguir da Concorrência
Não conseguir descobrir o essencial acerca da marca [algo único e distintivo] que seja digno de destaque, e que nos ajude a motivar e conquistar o consumidor, é garantir o insucesso da campanha. É um erro que advém da falta de uma orientação estratégica clara.
3. Não Conhecer bem o Mercado-Alvo
Um anunciante, ou agência de publicidade, pode saber claramente a quem é que pretende que a campanha se dirija, mas não conhecer bem o seu público-alvo. Quando se trata de uma marca conhecida no mercado, há que ir acompanhando a sua aceitação, a possível mudança de hábito dos consumidores e verificar possíveis formas de melhoria para, no momento da preparação da campanha, reunir o maior número de informações relevantes. O ideal é recorrer a estudos de mercado. Tratando-se de um produto ou serviço novo, há que se fazer uma sondagem junto de potenciais clientes para verificar a sua receptividade. Pesquisas com sessões de prova/experimentação do produto são bastante eficazes.
4. Errar na Mensagem
O fato de a mensagem definida no "briefing" não ser inspiradora é uma falha grave. "Uma boa idéia não surge do nada. Ela resulta de um "salto criativo", dado em cima de uma orientação clara espelhada na mensagem. Quanto mais inspiradora e relevante ela for, melhor será a idéia criativa daí resultante". Portanto, discuta com a agência exaustivamente para que o briefing seja o inspirador das boas idéias.
5. Prejudicar a Eficácia em Prol da Criatividade
É necessário refrear a imaginação dos criativos e fazer com que coloquem os pés na terra. Uma campanha pode ser tecnicamente brilhante, ganhar prêmios de criatividade, mas, na prática, não atingir o alvo e fracassar por completo. Se os consumidores a quem a mensagem supostamente deveria se dirigir não a perceberem, também não irão identificá-la como dirigida a eles e não a reterão em suas mentes.
6. Não ter em Conta os Aspectos Culturais
Há produtos universalmente conhecidos. Mas, nem por isso deverá ser utilizada a mesma abordagem de campanha em todos os países. Diferentes culturas interpretam e reagem à mesma mensagem publicitária de formas diferentes. Por isso, é essencial definir uma estratégia consistente e ao mesmo tempo flexível para não ferir suscetibilidades. O mesmo se aplica à utilização de estereótipos (insinuar, por exemplo, que todas as mulheres são donas de casa) que podem ser encarados como um insulto, além de ajudarem a reforçar preconceitos sociais.
7. Escolher os Meios Publicitários Errados
A televisão é um meio de comunicação de massas, mas poderá, nem sempre, ser o mais adequado para fazer uma campanha de publicidade. Muitas vezes para determinado produto chegar ao seu alvo, bastará um anúncio numa revista de menor tiragem, por exemplo, de uma determinada ordem profissional: chega a um número restrito de pessoas, mas essas podem ser exatamente o público-alvo do produto ou serviço em causa. Independentemente do orçamento disponível para a campanha, a escolha dos veículos ou mídias certos é imprescindível para não "dar tiros em todas as direções".
8. Não Definir um Orçamento Publicitário
É muito fácil gastar muito dinheiro em publicidade. Os principais meios são dispendiosos e confiar uma campanha a uma agência também não fica barato. Por isso, é muito importante que, antes de dar qualquer passo, seja definido o valor que tem disponível no seu orçamento para publicidade e o apresente com clareza à agência que escolheu ou ao seu próprio departamento de publicidade. Os métodos, os meios e as pessoas que estarão envolvidas na campanha serão escolhidos também em função dele.
9. Não Confiar a Campanha a Profissionais
Se a sua empresa não tem um departamento de publicidade, pense duas vezes antes de avançar com uma campanha feita por amadores. Apesar de ser mais dispendioso, é mais seguro entregar estes assuntos a quem sabe. Caso contrário, arrisca-se a gastar dinheiro e outros recursos em vão. A publicidade tem técnicas e métodos específicos que só os profissionais da área dominam.
10. Não ter um Critério Claro na Escolha da Agência
Pense no que pretende de uma agência de publicidade.
- Quer contratá-la para um projeto de curta duração, ou para uma campanha de publicidade para maior tempo?
- O seu orçamento permite contratar uma grande agência. É mesmo isso que pretende?
- Uma grande agência pode não ser necessariamente a melhor para a sua empresa, nem ir ao encontro às suas necessidades ou orçamento.
É essencial fazer uma prospecção de mercado, marcar reuniões com algumas delas e obter referências sobre trabalhos anteriores. Desta forma, vai se reduzindo a amostra. No final, terá que selecionar uma entre as três ou quatro "finalistas".
Alguns Erros Capitais
"A falha de definição clara, em relação ao papel que a publicidade deve cumprir, por exemplo, no momento em que o "briefing" é passado ao departamento de criação, é fatal". Este é um erro capital a evitar. Uma campanha de publicidade "trabalha em conjunto com outras variáveis de marketing e é errado pressupor que pode substituir o papel que tem que ser cumprido por elas. Por exemplo, uma boa campanha de publicidade não substitui a falta de qualidade de um produto. Se for realmente boa, até contribui para um mais rápido insucesso do mesmo". Outro erro fatal é a "falta de orientação estratégica". É necessário fazer opções para separar o essencial do acessório. "Se quisermos fazer tudo para todo mundo, acabamos por não conseguir ser nada para ninguém".
Perder a noção em relação a quem se dirige a campanha é, por vezes, uma falha das próprias agências de publicidade. "Não se trata apenas de saber quem são e onde estão os consumidores que queremos motivar, conquistar ou fidelizar, mas de conhecer o insight que os fará reagir positivamente a uma mensagem. Muitas vezes, as campanhas são desenvolvidas tendo em consideração apenas a criatividade e, na maioria das vezes o resultado é desastroso. "Criatividade pela criatividade não é, nunca foi e nunca será sinônimo de eficácia".