Com a solidariedade do sindicato dos atores, os escritores conseguiram transformar o Globo de Ouro, evento conhecido como uma prévia do Oscar, em uma constrangedora coletiva de imprensa. Nenhuma estrela de cinema apareceu para buscar os prêmios, anunciados em apenas 35 minutos por apresentadores de TV.
Se não houver acordo, a próxima vítima pode ser a cerimônia do Oscar, marcada para o dia 24 de Fevereiro. Em sua 80ª edição, o prêmio é o segundo evento televisivo mais importante dos Estados Unidos, perdendo apenas para o campeonato de futebol americano, conhecido como Superbowl. Os mais de 12 mil membros do WGA, que incluem roteiristas de filmes e programas de televisão, pararam de trabalhar no dia 5 de novembro de 2007 depois de três meses de negociações frustradas com o sindicato dos produtores (Alliance of Motion Picture and Television Producers, a AMPTP).
Os roteiristas querem mudar alguns itens do contrato entre as duas entidades, e os principais deles têm a ver com as novas mídias. Para não ficarem de fora do provável futuro digital da indústria do entretenimento, os escritores exigem uma maior participação no lucro que os produtores têm com a venda de DVDs e com os downloads de programas de TV e filmes feitos pela internet. Do outro lado, empresas como a Fox, a NBC e a Universal argumentam que esse mercado está engatinhando e que, por isso, a venda de DVDs e downloads ainda custa muito dinheiro. Os lucros, portanto, estariam sendo usados para cobrir os gastos.
Tapa-buracos - A última greve dos roteiristas, em 1988, durou cinco meses e fez com que a indústria perdesse cerca de 500 milhões de dólares. Por hora, não há estimativa de quanto está custando essa nova greve, mas seu impacto na programação da TV americana é indiscutível.
Os primeiros a serem afetados foram os programas de entrevistas como The Daily Show With John Stewart e The Tonight Show With Jay Leno. Gravadas diariamente, essas atrações ficaram fora do ar por dois meses. Hoje, os apresentadores estão de volta ao trabalho, mas contam apenas com o seu próprio talento para fazer as piadas e os tradicionais monólogos de abertura.
David Letterman, apresentador do Late Show da CBS, foi o único que voltou ao ar com seus roteiristas, porque sua produtora, a Worldwide Pants, estabeleceu um acordo com o sindicato.
A produtora United Artists, dirigida por Tom Cruise e Paula Wagner, também entrou em acordo com os escritores, mas grandes estúdios e emissoras ainda não se entenderam com o WGA. A longa duração da greve já traz problemas para os seriados de TV: sem novos roteiros, a maioria das séries está com a produção parada.
Com todas essas dificuldades, as emissoras tiveram que reprisar episódios antigos dos seriados e investir em atrações que não precisam de roteiristas. É o caso dos reality shows, que já ocupam mais espaço na programação.
Um dos novos programas é American Gladiators, da NBC, cujos participantes se enfrentam em modalidades esportivas inusitadas (em um episódio, por exemplo, os competidores lutavam com enormes bastões em cima de uma piscina). A audiência da estréia foi surpreendente: mais de 12 milhões de espectadores, índice 60% mais alto que o da série Chuck, atração que ocupava a mesma faixa de horário antes da greve.
Para John Rash, vice-presidente da agência de publicidade Campbell Mithun, o dado é significativo. "Os roteiristas deveriam se preocupar com o poder dos reality shows", avaliou. "Ao mesmo tempo, as emissoras precisam se preocupar com o seu modelo de negócios. Grande parte das boas coisas da televisão ainda vem da caneta."
Personagens fascinantes - O repórter David Carr, do New York Times, notou uma outra situação decorrente da greve dos roteiristas: o crescente interesse dos americanos pelas eleições desse ano. A corrida dos candidatos, que já começou com as primárias dos partidos democrata e republicano, está especialmente quente com a possibilidade de os Estados Unidos terem, pela primeira vez, uma mulher ou um negro ocupando a presidência.
Sem novidades entre as séries e em meio às férias dos campeonatos esportivos, a eleição americana ganha destaque na TV. A cobertura da CNN, por exemplo, chegou a atrair mais de 3 milhões de pessoas no dia da primária de New Hampshire - o dobro do índice de audiência registrado na votação de 2004.
Bill Keller, editor-executivo do Times, acha que o maior interesse do público se deve mais aos candidatos que à greve. "Acho que o interesse pela corrida presidencial seria intenso mesmo se os roteiristas ainda estivessem escrevendo episódios de 24 Horas e Grey's Anatomy", opinou ele. "É um momento definitivo para os dois partidos, com participantes fascinantes, e em uma época em que parece existir uma vontade nacional de virar a página."
Já Brian Grazer, um dos mais famosos produtores de Hollywood, que esteve por trás de sucessos como Uma Mente Brilhante e O Código Da Vinci, acha que a greve dos roteiristas ajuda a aumentar o interesse nas eleições. "Todas as noites há um novo episódio político", disse ele. "É algo humano estar constantemente em busca de novas histórias e, agora que as vitrines tradicionais dessas histórias estão fechadas, as pessoas encontram drama no noticiário."
Produtor de O Gânsgter, filme dirigido por Ridley Scott que recebeu indicações ao Globo de Ouro, Brian Grazer é um dos que aguarda ansiosamente uma definição sobre o futuro do Oscar. Nesse momento, em que o sindicato dos diretores também começa a negociar reajustes salariais, é impossível saber ao certo se a cerimônia vai ou não acontecer.
Walter F. Parkes, produtor de Sweeney Tood - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, filme de Tim Burton que está bem cotado em diversas categorias, oferece o seguinte palpite: "Se houver um acordo rápido dos produtores com os diretores, se esse acordo ajudar nas negociações com os roteiristas, e se isso fizer com que as pessoas voltem para a mesa de discussões, talvez a cerimônia do Oscar aconteça", afirmou. "Mas há muitos 'se' nessa frase", completou. "Eu esperaria mais um pouco antes de comprar um terno novo."