quarta-feira, outubro 15, 2008

Acessos forjados em sites são criticados

Foi-se o tempo dos panfletos que emporcalhavam as ruas e estampavam frases manjadas como "Trago a pessoa amada em sete dias". Agora, panfleto é spam e a sentença poderia ser trocada por "Trago sucesso na internet em milhares de cliques". É com propostas nestes moldes que sites como o Mymp3plays.com embolsam entre U$ 15 e U$ 50 para aumentar artificialmente acessos dos perfis de bandas cadastradas do MySpace. Estes são os valores do download do programa capaz de burlar a contagem do número de acessos em sites.
Gravadoras estão de olho nesses números e estrelas inglesas como Lily Allen e Arctic Monkeys ganharam as primeiras manchetes por causa dos números estratosféricos de seus page views, em parte questionados pelo produtor musical Dudu Marote. Em entrevista ao Jornal do Brasil, publicada na segunda-feira, o homem que aparou sucessos de Skank e Jota Quest usou o termo "jabá na internet" para definir as "empresas que se especializam em colocar comentários em blogs e em sites".
Do Youtube para a EMI
– Não é difícil descobrir que há algo errado. A comunidade pode ter milhares de membros, mas as discussões não são movimentadas. Na internet, mentira tem perna curta – sentencia Wagner Martins, sócio da Espalhe, agência especializada em marketing de guerrilha.
Martins garante que acessos inflados existem, mas não trazem resultados favoráveis:
– Talento e criatividade em se promover contam cada vez mais. Pode ser romântico, mas ainda acredito que a liberdade da web sirva para favorecer este tipo de coisa e desmascarar de vez o jabá.
Num comunicado em resposta às suposições de irregularidade na contabilidade dos acessos, posta em debate por Marote , o departamento de tecnologia do MySpace é categórico: "Privacidade e segurança são prioritários. O enfrentamento ao spam inclui implementação de tecnologia para a prevenção de mensagens indesejadas. O esforço do MySpace em relação ao combate ao spam é contínuo". Por seu lado, a assessoria de imprensa do Google no Brasil afirma que os números de visualizações dos vídeos do YouTube não podem ser forjados.
Diretor executivo da Riot, dedicada exclusivamente a estratégias com redes sociais, blogs e fóruns, Pedro Ivo Resende alerta que artistas que insistirem na prática podem acabar prejudicados.
– Não existe empresa séria que faça isso, só profissionais que vêem pontos fracos nos sistemas. A repercussão negativa pode acabar com uma banda. É fácil detectar um desvio de padrão por meio do histórico no servidor – ressalta Resende. – Este procedimento de fato existe, mas ainda não foi adotado por gravadoras. Há um trabalho muito sério de divulgação na internet. Ela está ocupando o papel da rádio, das gravadoras e das lojas. É um ambiente que, se bem explorado, pode gerar dinheiro.
Os mais de 2 milhões de acessos no YouTube de Como ocê pode abandonar eu , vídeo gravado no celular por um fã anônimo da recém-lançada banda goiana Pedra Letícia, chamou a atenção do gerente do departamento artístico da EMI, Victor Kelly, que faz questão de separar marketing viral de jabá.
– Alguns artistas têm uma assessoria de marketing viral para fomentar a carreira. Empresas prestam estes tipos de serviço – distingue Kelly. – Já ouvi dizer que no MySpace é possível conseguir burlar números com a ajuda de softwares, mas não tenho provas disso. Às vezes, você vê um número lá que não quer dizer a realidade. As pessoas sempre dão um jeitinho em tudo.
Kelly reconhece que fica curioso para ouvir artistas que estão no topo das listas de acesso dos principais sites, mas faz ressalvas. O executivo ignora a matemática. Para ele, 7 milhões, total de visualizações dos vídeos do grupo goiano, tem valor menor do que 3 mil pessoas num show.
– Nunca vou contratar só pelos acessos. Vou aos shows, não pode ser algo apenas de internet. O Pedra Letícia ganhou o circuito universitário do Paraná. Em Londrina você vê milhares de pessoas cantando músicas que só podiam ser ouvidas no YouTube.
O grupo não tinha CDs ou MP3. Mas sempre soube que maquiar cifras na internet não é bom negócio.
– Forjar os números não vai ajudar no que realmente é preciso: aumentar a quantidade de fãs. Não quero parecer famoso, quero ser famoso. Você pode gerar um bafafá, mas não cria algo enraizado – analisa o vocalista do Pedra Letícia, Fabiano Cambota.
O cantor desafia alguém a apontar algum artista que tenha despontado a partir de trambiques online:
– Você pode aumentar o número de integrantes da sua comunidade no Orkut. Se descobrem, você passa por ridículo – exemplifica Cambota. – O trabalho em internet é braçal. O número impressiona, é claro. Tivemos sorte porque o YouTube privilegia muito o humor. Nosso MySpace estava meio largado, mas por uma questão imbecil: tinha perdido a senha...
Edney Souza, diretor de operações da Pólvora Comunicação, com modelo semelhante aos da Riot e Espalhe, lembra que não é permitido criar perfis e blogs falsos na Europa, o que por aqui é chamado de estratégia de divulgação:
– Lá existem legislações contra esse tipo de coisa. A divulgação tem de ser feita de forma verdadeira.
Souza também faz uso de uma comparação que une copos de cerveja e marketing na internet na mesma idéia.
– É como quando você chega numa festa e vê que está todo mundo conversando. Você vai ver qual é o papo primeiro para depois ir tentando se inserir – teoriza Souza. – As pessoas te dão espaço, então você dá suas opiniões. O mais ético na internet é ouvir antes de falar.

Por Bráulio Lorentz, Jornal do Brasil.