quarta-feira, dezembro 26, 2007

A imagem do ano

A top model Gisele Bündchen vestindo o modelito mais fresco de sua carreira, um "vestido" de água, é, na minha opinião, a imagem do ano no mundo da comunicação. A "roupa" não foi criação de nenhum estilista excêntrico, e sim, parte da campanha da agência de publicidade W/Brasil para o lançamento de um novo comercial de sandálias. A campanha começou a ser veiculada no intervalo do "Fantástico", da rede Globo, e foi criada para embarcar na onda das empresas que querem relacionar sua marca à preservação ambiental, no caso, o consumo consciente da água. Com esta imagem, finalizamos as postagens de 2007. Feliz ano novo, repleto de saúde, amor e realizações, para todos!

terça-feira, dezembro 18, 2007

Pausa

O acúmulo de tarefas do final de ano, com a somatória de atividades que inclui acompanhamento de pesquisas, criação de campanha anual de varejo para um grande grupo local do setor e formulação de estratégia de marketing e calendário de atividades para candidatos em várias localidades diferentes estão a provocar um involuntário recesso nas atividades do blog, que retorna, em ritmo normal, a partir da próxima semana. Minhas escusas a todos.

terça-feira, dezembro 11, 2007

De volta à definição do conceito

Durante o debate realizado no Dia Internacional da Propaganda, na Feapa, em Belém, surgiu uma vez a polêmica sobre o conceito de "propaganda" e seu correlato, em português, "publicidade".

Tenho uma idéia formada sobre essa questão e que distingue claramente os dois conceitos. Publicizar é tornar público, "dar ao publico conhecimento de". A "publicidade" é uma atividade profissional dedicada à difusão pública de idéias associadas a empresas, produtos ou serviços, especificamente, a publicidade comercial. Esse é o sentido literal do termo. Recentemente alguns autores, como All Ries, passaram a conceituar como "publicidade" também toda atividade de relações públicas, que "dão publicidade a pessoas e marcas". Já a propaganda é um meio utilizado para fazer alguém aceitar um principio, uma teoria, uma doutrina através das emoções. Os propagandistas apelam não para a razão, mas sempre para a emoção e o instinto. A própria palavra propaganda só apareceu em 1622, quando o Papa Gregório XV convocou uma Comissão de Cardeais para orientar a difusão da palavra cristã pelas missões estrangeiras. A comissão foi chamada Congregatio de Propaganda Fide - Congregação para a Propagação da Fé, e funcionava como uma comissão de qualquer outra sociedade missionária - escolhendo missionários e despachando-os para o estrangeiro. Mas não demorou para que a palavra ganhasse significados outros que não propagação de crenças religiosas, como, por exemplo, agressão nacional, proselitismo político, deturpação de fatos e censura por supressão, coisas muito convenientes para Hitler. Essas sinistras atividades não tinham nada de novas. O Oráculo de Delfos do mundo antigo, pela hipnose, comandara as empresas colonizadoras dos atenienses. Tucidides, em sua história da Guerra do Peloponeso, revelou que as facções em confronto aumentavam seu domínio sobre os não convencidos pela contínua deturpação dos fatos. Platão, em sua República, preconizava o banimento de todos os escritores cuja influência fosse desagregadora, e que para o lugar deixado por eles fossem nomeados publicistas de tendência republicana; as paredes de Pompéia estavam cheias de lemas de propaganda eleitoral e a Inquisição Espanhola armou-se com todas as formas de censura que ajudassem seus objetivos. Evidentemente; a relativa inocência de um conceito como o do Papa Gregório pode ser conspurcada por qualquer regime totalitário, pois é tão fácil propagar as mentiras quanto as verdades.

Portanto, a propaganda, como William Albig diz acertadamente em seu livro Public Opinion, "aparecia sempre que qualquer liderança tentava unir as opiniões de um povo, desde a propaganda política de um Júlio César à propaganda da Igreja Católica Romana, à propagação da Lenda Napoleônica, ao propagandismo de Potemkin em favor de Catarina a Grande, à propaganda panfletária de Sam Adam para a Revolução Americana, à propaganda do Norte e do Sul na Guerra Civil Americana, às propagandas que proliferaram, em todos os lados, na Segunda Guerra Mundial".
Em síntese, a "propaganda" é a atividade que tende a influenciar as pessoas, com o objetivo religioso, político ou cívico, ou seja, ideológico. "Propaganda", portanto, é a propagação de idéias, mas, sem finalidade comercial. Já a "publicidade", que é uma decorrência do conceito de "propaganda", é também persuasiva, mas com objetivo comercial bem caracterizado. Portanto, a "publicidade" pode ser definida como a arte de despertar no público o desejo de compra, levando-o à ação e isso a distingue de todas as formas de "propaganda".

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Eterno retorno

Eterno retorno é um conceito filosófico formulado por Friedrich Nietzche. Em alemão o termo é Ewige Wiederkunft. Uma síntese dessa teoria é encontrada no livro Gaia Ciência. O Eterno Retorno também diz respeito aos ciclos repetitivos da vida. Estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocorrem no presente, e se repetirão no futuro, como por exemplo, guerras, epidemias, etc. O que é indispensável notar é que esta teoria, que parece insensata e totalmente inverossímil a muitos, não é uma forma de percepção do tempo: o Eterno Retorno não é um ciclo temporal que se repete indefinidamente ao longo da eternidade Quando no texto, acima transcrito, de A Gaia Ciência, o filósofo sugere a aparição do demônio portador da revelação do ciclo inexorável de repetições, ele não afirmou que aquilo seria exatamente o Eterno Retorno. (Temos que ter em mente o estilo artístico e um tanto quanto sibilino do autor - que se atreveu a usar poemas para difundir sua filosofia). Nos textos de Nietzsche sobre a História, vemos que sua noção do Tempo não é cíclica. Mas, então, o que quer dizer este tal Eterno Retorno? - Ele fala da ordem das coisas. Ele nos mostra como o mundo não é feito de pólos opostos e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma - múltipla, mas única - realidade. Logo, bem e mal, angústia e prazer, são instâncias complementares da realidade - instâncias que se alternam eternamente. Como a realidade não tem objetivo, ou finalidade (pois se tivesse já a teria alcançado), a alternância nunca finda. Assim, vemos sempre os mesmos fatos retornarem indefinidamente, que, segundo Marx, repetem-se apenas como farsa. A propaganda já fez bom uso de conhecimentos históricos e filosóficos e a história se repete outra vez… A Ogilvy da África do Sul (Johannesburgo) criou essa campanha para o canal de TV paga The History Channel tomando a idéia como referência e a campanha ficou muito boa, além de ter uma direção de arte impecável. Na assinatura dos anúncios, a sentença: “Desafortunadamente, mostramos repetições”.

Efeito Ronaldinho

A agência multinacional Leo Burnett, de Frankfurt, desenvolveu um criativo cartão de visitas para o ortondontista Dr. Rathenow, especialista no diagnóstico precoce e correção de problemas bucais infantis. E para promover o seu serviço, chupetas digamos "engraçadamente criativas" foram entregues aos pais de crianças pequenas. As chupetas deram aos pais uma divertida, mas muito importante lição para que seus filhos tenham cuidados precoces com os dentes, pois poderia causar vários problemas bucais. A chupeta vinha com um cartãozinho onde lia-se: "Leve seus filhos para fazer um check-up de seus dentes e mandíbulas antes que seja tarde". O efeito tridimensional e realista da chupeta nas crianças é avassalador, para dizer o mínimo. Na europa o problema ortodôntico representado pela imagem vem ganhando o nome de "efeito Ronaldinho", numa referência ao craque brasileiro Ronaldo Gaúcho, ídolo do futebol europeu.

Alzheimer e eu

Minha mãe está com Alzheimer. Minha doce mãe, tão cheia de lembranças e de vida, começa a substituir esse tesouro imenso por um olhar vago e um raro sorriso quando a toco. Vê-la se distanciar assim cria em minha alma um abismo colossal de emoção e dor. Desde seu diagnóstico, minha identificação com o tema é permanente. Sinto uma preocupação cotidiana em passar adiante reflexões sobre esse mal e suas conseqüências devastadoras. Falo sobre isso, leio, abordo especialistas, compro publicações e as devoro. Essa é a razão pela qual posto aqui e divido com vocês as anotações de Roberto Goldkorn, psicólogo e escritor, que inicia seu texto com a frase:

"Meu pai está com Alzheimer."

Logo ele, que durante toda vida se dizia "o Infalível". Logo ele, que um dia, ao tentar me ensinar matemática, disse que as minhas orelhas eram tão grandes que batiam no teto. Logo ele, que repetiu, ao longo desses 54 anos de convivência, o nome do músculo do pescoço que aprendeu quando tinha treze anos e que nunca mais esqueceu: esternocleidomastóideo.
O diagnóstico médico ainda não é conclusivo, mas, para mim, basta saber que ele esquece meu nome, mal anda, toma líquidos de canudinho, não consegue terminar uma frase, nem controla mais suas funções fisiológicas, e tem os famosos delírios paranóicos comuns nas demências tipo Alzheimer.

Aliás, fico até mais tranqüilo diante do "eu não sei ao certo" dos médicos; prefiro isso ao "estou absolutamente certo de que...", frase que me dá arrepios. Há trinta anos, não se ouvia sequer uma menção a essa doença maldita. Hoje, precisaria ter o triplo de dedos nas mãos para contar os inúmeros casos relatados por amigos e clientes, com diagnóstico igual em suas famílias.
O que está acontecendo? Estamos diante de um surto de Alzheimer? Finalmente, nossos hábitos de vida "moderna" estão enviando a conta?
O que os pesquisadores sabem de verdade sobre a doença? Qual é o lado oculto dessa manifestação tão dolorosa?
Lendo o material disponível, chega-se a uma conclusão: essa é uma doença extremamente complexa, camaleônica, de muitas faces e ainda carregada de mistérios. Sabe-se, por exemplo, que há um componente genético. Por outro lado, o Dr. William Grant fez uma pesquisa que complicou um pouco as coisas. Ele comparou a incidência da doença em descendentes de japoneses e de africanos que vivem nos EUA, e com japoneses e nigerianos que ainda vivem em seus respectivos países.
Ele encontrou uma incidência da doença da ordem de 4,1 para os descendentes de japoneses que vivem na América, contra apenas 1,8 de japoneses do Japão. Os afro-americanos vão mais longe: 6,2 desenvolvem a doença, enquanto apenas 1,4 dos nigerianos são atingidos por ela.
Hábitos alimentares? Stress das pressões do Primeiro Mundo? Mas o Japão não é Primeiro Mundo? Lá não tem stress?
A alimentação parece ser sem dúvida um elo nessa corrente, e mais ainda o alumínio.
Segundo algumas pesquisas, a incidência de alumínio encontrada nos cérebros de portadores da doença é assustadoramente alta. Pesquisas feitas na Austrália e em alguns países da Europa mostraram que, em ratos alimentados com uma dieta rica, o sulfato de alumínio (comumente colocado na água potável para matar bactérias) danificou os cérebros dos roedores de forma muito similar à causada nos humanos pelo Alzheimer.
Pesquisas do Dr. Joseph Sobel, da Universidade da Califórnia do Sul, mostraram que a incidência da doença é três vezes maior em pessoas expostas à radiação elétrica (trabalhadores que ficavam próximos a redes de alta tensão ou a máquinas elétricas).
Mas não param por aí as pesquisas, que apontam a arma em todas as direções. Porém, a que mais me chocou e me motivou a fazer minhas próprias elucubrações foi o estudo das freiras. Esse estudo, citado no livro A Saúde do Cérebro, do Dr. Robert Goldman, Ed. Campus, foi feito pelo Dr. Snowdon, da Universidade de Kentucky. Eles estudaram 700 freiras do convento de Notre Dame. Na verdade, eles leram e analisaram as redações autobiográficas que cada freira era obrigada a escrever logo ao entrar na ordem. Isso ocorria quando elas tinham em média 20 anos. Essas freiras (um dos grupos mais homogêneo possível - fato que reduz muito as variáveis que deveriam ser controladas) foram examinadas regularmente e seus cérebros investigados após suas mortes. O que se constatou foi surpreendente.
As que melhor se saíram nos testes cognitivos e nas redações - em termos de clareza de raciocínio, objetividade, vocabulário, capacidade de expressar suas idéias, mesmo apresentando os acidentes neurológicos típicos do Alzheimer (placas e massas fibrosas de tecido morto) não desenvolveram a demência característica da doença.
Ou seja, elas tinham as mesmas seqüelas que as outras freiras com Alzheimer diagnosticado (e que tiveram baixos escores em testes cognitivos e na redação), mas não os sintomas clássicos, como os do meu pai.

A minha interpretação de tudo isso: não temos muito como controlar todos os fatores de risco apontados como os vilões - alimentação, pressão alta, contaminação ambiental, stress, e a genética (por enquanto). Mas podemos colocar o nosso cérebro para trabalhar.

Como? Lendo muito, escrevendo, buscando a clareza das idéias, criando novos circuitos neurais que venham a substituir os afetados pela idade e pela vida "bandida".
Meu conselho: não sejam infalíveis como o meu pobre pai; não cheguem ao topo nunca, pois dali, só há um caminho: descer. Inventem novos desafios, façam palavras-cruzadas, forcem a memória, não só com drogas (não nego a sua eficácia, principalmente as neurotrópicas), mas correndo atrás dos vazios e lapsos (buscando entendê-los e preenchê-los). Eu não sossego enquanto não lembro do nome de algum velho conhecido, ou de uma localidade onde estive há trinta anos. Leiam e se empenhem em entender o que está escrito; aprendam outra língua, mesmo aos sessenta anos...
Não existem estudos provando que o Alzheimer é a moléstia preferida dos arrogantes, autoritários e auto-suficientes, mas a minha experiência mostra que pode haver alguma coisa nesse mato. Coloquem a palavra FELICIDADE no topo da sua lista de prioridades:
Sete (7) de cada dez (10) doentes nunca ligaram para essas "bobagens" e viveram vidas medíocres e infelizes - muitos nem mesmo tinham consciência disso.
Mantenha-se interessado no mundo, nas pessoas, no futuro. Invente novas receitas, experimente (não gosta de ir para a cozinha de sua casa? Hum... Tá certo, nem todo mundo precisa amar a gastronomia.... Então, vá para a cozinha da vida, e faça a sua melhor receita... Como diz a propaganda do Corsa 2007: "não deixe a sua vida acontecer sem você!").
Lute, lute sempre, por uma causa, por um ideal, pela felicidade. Parodiando Maiakovski, que disse "melhor morrer de vodca do que de tédio", eu digo: melhor morrer lutando o bom combate do que ter a personalidade roubada pelo Alzheimer.

Dicas para escapar do Alzheimer:

Uma descoberta dentro da Neurociência vem revelar que o cérebro mantém a capacidade extraordinária de crescer e mudar o padrão de suas conexões. Os autores desta descoberta, Lawrence Katz e Manning Rubin (2000), revelam que NEURÓBICA, a "aeróbica dos neurônios", é uma nova forma de exercício cerebral projetada para manter o cérebro ágil e saudável, criando novos e diferentes padrões de atividades dos neurônios em seu cérebro .
Cerca de 80% do nosso dia-a-dia é ocupado por rotinas que, apesar de terem a vantagem de reduzir o esforço intelectual, escondem um efeito perverso; limitam o cérebro. Para contrariar essa tendência, é necessário praticar exercícios "cerebrais" que fazem as pessoas pensarem somente no que estão fazendo, concentrando-se na tarefa. O desafio da NEURÓBICA é fazer tudo aquilo que contraria as rotinas, obrigando o cérebro a um trabalho adicional.

Tente fazer um teste:

- use o relógio de pulso no braço direito;
- escove os dentes com a mão contrária da de costume;
- ande pela casa de trás para frente; (vi na China o pessoal treinando isso num parque);
- vista-se de olhos fechados;
- estimule o paladar, coma coisas diferentes;
- veja fotos de cabeça para baixo;
- veja as horas num espelho;
- faça um novo caminho para ir ao trabalho.
A proposta é mudar o comportamento rotineiro.

Tente, faça alguma coisa diferente com seu outro lado e estimule o seu cérebro. Vale a pena tentar!
Que tal começar a praticar agora, trocando o mouse de lado?
Que tal começar agora enviando esta mensagem, usando o mouse com a mão esquerda?

domingo, dezembro 02, 2007

Para fazer a globalização funcionar

Saudada com euforia há duas décadas, a globalização passou a ser vista como invenção diabólica no fim da década de 1990 com um protesto em Seattle, quando operários americanos se viram ameaçados pela concorrência dos chineses. As duas faces da globalização - a de promotora de um modelo de economia de mercado e a de disseminadora da pobreza - são analisadas nas entrevistas do historiador Eric Hobsbawm e do economista Joseph E. Stiglitz concedidas ao Estado, ambas respondendo às mesmas questões propostas pela reportagem.

Dizem que a dinâmica do capitalismo globalizado está fora do controle dos governos e que os impérios acabaram. Qual o seu prognóstico para o futuro da globalização?

ERIC HOBSBAWM: Nações-estado, mesmo as maiores, são incapazes de controlar por mais tempo o que está acontecendo com a economia mundial, mas podem, contudo, determinar a forma e a natureza da globalização. Ela vai ter de conviver com as nações-estado, cenários das decisões políticas, porque a política tem resistido à globalização, continuando a confrontá-la. As pressões políticas, creio, irão refrear o processo de globalização na próxima década, embora seja pouco provável um revival do protecionismo verificado no período entre-guerras. A globalização vai continuar. Espero que os governos que hoje exercem liderança mundial sejam forçados a abandonar sua aposta no descontrole do mercado livre. Os EUA falharam em seus planos de impor uma política hegemônica sobre o globo após o 11 de Setembro e a guerra contra o Iraque mostrou os limites dessa que foi a mais extraordinária máquina de guerra de nossa época, o que nos dá segurança para dizer que a era dos impérios está definitivamente morta.

JOSEPH E. STIGLITZ: De fato, a turbulência que atingiu os mercados financeiros em 2007 parece mesmo mostrar que os problemas que tínhamos em meados do ano continuam a se avolumar e não há motivo algum para ser otimista, porque podemos enfrentar uma possível crise global. Contudo, não há motivos para suspeitar que a globalização não eleve os padrões de vida ou dificulte aos países pobres o acesso aos mercados externos. A globalização vai continuar e pode trazer uma grande contribuição para esses países. Não vai ser fácil fazê-la funcionar. Também é verdade que os Estados Unidos não conseguem viver de maneira autônoma e uma prova disso são os empréstimos cada vez maiores que o país toma e suas atitudes protecionistas.

A instabilidade da nova economia global parece evidente e as nações-estado são aparentemente incapazes de governar a si mesmas, correndo mesmo o risco de se desintegrar. Isso pode representar uma porta aberta para a desordem global? Elas serão obrigadas a se submeter à intervenção estrangeira?

HOBSBAWM:
Muitas regiões do globo - a África, o Oriente Médio, parte do sudeste europeu e a ex-União Soviética - já estão vivendo a era da desordem global. A tendência à desintegração dos estados, principalmente após o colapso dos impérios do século 20, é reforçada por uma nova tendência: a da fragmentação das mais antigas unidades políticas estáveis do mundo rico, como Grã-Bretanha, Espanha, Bélgica, Itália e Canadá. Essa tendência à 'balcanização' e ao enfraquecimento do poder estatal certamente favorece a desordem global, mas sua causa principal tem sido a crença de Washington de que os EUA podem impor uma ordem mundial de mão única. O estabelecimento de um padrão mais razoável de política internacional, que reconheça os limites desse poder e a existência de um sistema pluralista, seria menos perigoso. Movimentos separatistas, de modo geral, recorrem à ajuda política de forças externas para conquistar autonomia ou independência, mas os estados que são incapazes de governar a si mesmos não se tornam necessariamente mais governáveis quando ocupados por exércitos estrangeiros.

STIGLITZ:
Acho que os países industrializados têm condições de resolver os próprios problemas, mesmo que, aparentemente, mostrem-se incapazes de se governar. Naturalmente, os mais ricos têm como se proteger de modo mais adequado, enquanto os países em desenvolvimento não dispõem de recursos para se defender do fluxo do capital especulativo descontrolado, correndo, portanto, maiores riscos. A globalização expõe conflitos sociais e coloca em questão o papel do governo e dos mercados. É irônico que o secretário do Tesouro dos EUA exerça pressão sobre a Índia para que se abra para esse capital especulativo.

A miséria permanece um problema em economias emergentes. Particularmente no Brasil, os programas sociais destinados a aliviar a pobreza parecem inoperantes para atender às metas da globalização. Como a globalização pode ajudar países como Brasil e Índia?


HOBSBAWM:
A globalização trouxe um rápido crescimento econômico e com ele uma diminuição significativa da pobreza mundial. Ao mesmo tempo, fez crescer a distância entre ricos e pobres. Isso parece evidente em países como a China, onde a globalização se torna visível pela rápida industrialização e geração de empregos. E, vale lembrar, o nome do crescimento econômico, para a maioria das pessoas , é emprego. A Índia, por exemplo, tem mais pobreza que a China porque seu crescimento econômico não se baseia na evolução da indústria de manufaturados. Ao mesmo tempo, a fase atual da globalização, que abre mercado e garante altos preços para produtos agrícolas, favorece países como o Brasil, mas, infelizmente, tem pouco efeito na promoção social dos pobres ou de pequenos agricultores. Os programas para minimizar os efeitos da pobreza têm pouco a ver com a globalização e mais com a correção de certas deficiências de cada país. Não estou capacitado para julgar o que está sendo feito no Brasil, mas o país continua como exemplo extremo de inadequação social e econômica.

STIGLITZ:
Tudo depende de como a globalização é gerenciada - e ela ainda não é administrada de forma coerente com os princípios democráticos. Ela pode ajudar a dividir a riqueza e diminuir a pobreza, como na China, onde o rápido crescimento econômico, baseado nas exportações, conseguiu tirar mais de 300 milhões de chineses da pobreza. Há exemplos contrários de países no Leste Asiático e na América Latina que não evitaram o processo de expansão e contração, como a China, e só viram a pobreza e as crises se repetirem. Quando a globalização é mal orientada, o que se vê são pobres fazendeiros confrontando não outros fazendeiros, mas competindo com Washington - competição, aliás, difícil de vencer. Nos países em desenvolvimento, os governos tendem à corrupção e os pobres ficam mais vulneráveis quando a economia mundial freia.

O rápido crescimento da China provocou um tremendo impacto em quase todos os países, pequenos ou grandes, contribuindo para elevar o preço das mercadorias e, ao mesmo tempo, tornar economias dos pequenos mais vulneráveis. Qual a solução para essa dependência? Como essas pequenas economias vão encarar esse desafio?


HOBSBAWM:
Considerando que o tamanho e a velocidade do crescimento da China salvaram a economia mundial dos efeitos de uma economia fraca e instável como a americana, ela deveria ser vista como benéfica para a economia de outros países, e não como um perigo. A dependência num único mercado exportador de produtos primários não é uma desvantagem, a menos que tal mercado entre em colapso. Aí, de fato, não haveria alternativa. Argentina e Uruguai, no começo do século 20, saíram-se muito bem ao se livrar da dependência do mercado britânico. Pequenas economias não são necessariamente mais vulneráveis que grandes economias - veja o caso da Islândia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Na verdade, pequenas economias podem até se adaptar mais facilmente à globalização que as grandes, concentrando-se em nichos particulares da economia mundial.

STIGLITZ:
A China, com sua economia em expansão, é um exemplo positivo. A alta nos preços das mercadorias chinesas pode ter bons reflexos em países exportadores da América Latina, incluindo o Brasil. Por outro lado, traz desafios para países importadores. A China tem uma alta taxa de poupança, ao contrário dos EUA. É preciso entender a dinâmica da globalização. A liberalização do comércio pode ter sido favorável para a China, mas causou grande dificuldade para outros países que desejam competir com a economia chinesa. Os subsídios têm um papel relativo nessa história, como mostram os chineses. Países como os EUA têm de rever sua posição, porque a globalização econômica foi mais rápida que a política.

Países desenvolvidos manipulam as leis internacionais de comércio para se proteger, impondo altos custos a outros países e ameaçando-os ainda com a poluição e outras conseqüências negativas de suas atividades. Como fazer a globalização funcionar se os países desenvolvidos têm menos consciência ecológica que os não-desenvolvidos?


HOBSBAWM:
Quais países são mais conscientes e quais os menos conscientes? E mesmo que eles sejam conscientes, isso determina um comportamento ecológico? O governo chinês, por exemplo, é mais consciente que o americano, embora os dois sejam igualmente grandes poluidores. O problema não reside em decisões de cunho nacional, mas na ausência de uma autoridade global capaz de impor medidas de controle para lidar com um problema que é global. Se ela existisse, haveria pontos a discutir sobre como suas decisões afetam países em desenvolvimento.

STIGLITZ:
De fato, o crescimento da atividade econômica de países desenvolvidos, bem como de países em desenvolvimento, está provocando grande impacto ambiental. Considerando que a maior parte dos recursos ambientais não é global por natureza, não creio que seja possível lidar de forma imperativa com a poluição que transcende fronteiras. O aquecimento global é uma realidade, assim como é limitada nossa capacidade de gerir recursos naturais, mas sou otimista com relação à educação, à conscientização ambiental. Os países em desenvolvimento não têm como criar barreiras para os desenvolvidos, que são, naturalmente, os maiores poluidores por possuírem as maiores economias. Fazer a globalização econômica funcionar depende de como vamos gerir nossos recursos naturais.

A possibilidade de uma recessão mundial não está longe, considerando a mudança do sistema de reservas global motivada por uma economia instável. Há meios de eliminar a dependência de uma moeda única? Quais são as suas sugestões?


HOBSBAWM:
Está além da minha competência fazer propostas sobre o sistema financeiro internacional, mas parece claro que o dólar não pode manter por mais tempo sua posição como padrão monetário internacional, considerando as quedas sucessivas da moeda americana. Não sabemos ainda quanto tempo demorará para ele ser substituído por outro parâmetro monetário internacionalmente aceito, tal como imaginou Keynes. É evidente que a maioria das pessoas e estados gostaria de se livrar de seus dólares, mas temem as conseqüências de um súbito colapso da moeda na economia mundial.

STIGLITZ:
É como digo no nono capítulo de meu livro: o sistema financeiro mundial não funciona bem, em particular para os países em desenvolvimento. O custo do atual sistema global para eles é alto: torna a economia mais vulnerável, mais instável. As sucessivas quedas do dólar chocam o mundo financeiro e o sistema atual já se desgastou o suficiente. Muitos diretores de bancos centrais já estão saindo do dólar, seguindo o exemplo dos chineses. Isso enfraquece a moeda e nos faz concluir que ele não é o melhor meio de acumular reservas. Portanto, é preciso criar um novo sistema global de reservas e a solução está na velha proposta de Keynes, de criar numa nova forma de papel-moeda sem lastro que pode funcionar como reserva.

O terrorismo é uma ameaça real ao mundo. Como conciliar a idéia de globalização com antigas crenças?


HOBSBAWM
: O terrorismo de pequenos grupos, que certamente deve ser combatido, não representa uma ameaça real ao mundo moderno. Os terroristas demonstraram sua habilidade em cometer massacres indiscriminados e chocantes, mas o terrorismo não é um fator político ou militar relevante e, mesmo em países onde é proeminente, representa apenas uma pequena célula de resistência à ocupação estrangeira. É ameaçador, sem dúvida, mas porque não o entendemos, não por representar perigo. Os efeitos do furacão Katrina nos EUA foram incomparavelmente maiores que o 11 de Setembro, em que morreram dramaticamente muitos inocentes. É essencial ter em mente os limites do terrorismo para que não fiquemos histéricos. Sobre antigas crenças e culturas ancestrais, há pouco de antigo no braço extremista islâmico que inspira uma organização como a Al-Qaeda. A fatwa que permite a matança indiscriminada de inocentes, incluindo aí muçulmanos, não havia sido aprovada pelo clero egípcio até o começo dos anos 1970. O barbarismo dos quais os terroristas modernos são representantes não está baseado na antiguidade ou na tradição, mas nas sociedades dos séculos 20 e 21.

STIGLITZ: Creio que, à medida que o mundo se torna mais globalizado, ele se torna também mais integrado. E, para fazer a globalização funcionar, reduzir o déficit democrático é essencial. Não vejo como antigas crenças possam impedir a convivência de uma cultura ancestral com outras civilizações. Na Europa, por exemplo, as diferenças culturais entre escandinavos e ingleses são enormes e nem por isso deixam de se integrar economicamente. Ficamos interdependentes na área econômica. O fundamentalismo econômico é, hoje, tão perigoso como o religioso.

Por Antonio Gonçalves Filho