sexta-feira, agosto 19, 2011

Frase

"O Facebook é a máquina de espionagem mais apavorante já inventada e está tudo acessível aos serviços americanos de inteligência". Julian Assange, do Wikileaks, ao jornal Russian Today.

quinta-feira, agosto 11, 2011

Dias de fúria

Direto de Liverpool, Cecília Toledo relata os motins que atingiram as principais cidades inglesas nos últimos dias.

Tudo indica que foi uma execução pura e simples; a polícia inglesa fazia uma de suas constantes “batidas” nos bairros onde majoritariamente vive a comunidade negra em Londres procurando justamente por Mark Duggan, que, segundo a polícia, fazia parte de uma gangue. Duggan estava em um táxi quando os policiais o surpreenderam, pararam o carro e atiraram nele, a sangue frio. Não existe nenhuma evidência de que Duggan tenha atirado contra os policiais, mas segundo a polícia, Duggan portava uma arma e atirou. Segundo todas as testemunhas, a família, os vizinhos, toda a comunidade, Duggan não andava armado.
O fato é que Duggan foi assassinado. Isso ocorreu na quinta-feira, dia 4 de agosto, à noite. Na sexta-feira, o bairro de Tottenham, ao norte de Londres, já amanheceu em chamas. A comunidade, informada da morte de Duggan, reagiu com ódio, foi para as ruas e começou a protestar. A polícia cercou toda a região com a cavalaria e centenas de policiais armados até os dentes com cassetetes, gás lacrimogêneo e balas de borracha. A repressão foi violenta, centenas de pessoas foram presas e feridas, mas nem assim a polícia conseguiu conter a revolta. Quanto mais a polícia batia e prendia, mais gente ia para as ruas. Uma multidão formada sobretudo pela juventude negra passou a enfrentar os policiais atirando pedras e queimando pneus, incendiando casas e carros. Nos três dias seguintes os protestos se alastraram para outros bairros pobres de Londres, como Hackney, Lewisham e Peckham. Em Lewisham, grupos de jovens atearam fogo em carros e contêineres, enquanto as ruas adjacentes foram interditadas pela polícia; em Peckha, também no sudeste de Londres, um ônibus foi queimado, segundo uma porta-voz do serviço de transportes londrino.
Mais de 220 pessoas foram presas acusadas de participar dos distúrbios, entre eles, um jovem de 11 anos. Estima-se que o prejuízo causado pelos danos seja superior a 115 milhões de euros.
No distrito de Croydon, sul de Londres, um incêndio de grande proporção, aparentemente provocado por grupos de jovens, assustou os moradores. Imagens exibidas pela BBC mostravam um prédio incendiado no centro do distrito. Os bombeiros levaram mais de uma hora para conter as chamas. O local também registrou saques, confrontos entre manifestantes e policiais, além de incêndios em carros e ônibus e em outros prédios. A polícia abandonou as balas de festim e passou a atirar de verdade. Um jovem de 26 anos foi morto. Na madrugada desta terça, a violência chegou aos bairros mais centrais, como Notting Hill, Clapham, Ealing, Camden e Hampstead e apesar de a maioria dos manifestantes ainda serem negros, os jovens brancos começaram a se somar aos protestos.
Na segunda-feira jovens em outras importantes cidades da Inglaterra, como Liverpool, Manchester e Birmingham, também aderiram aos protestos, segundo informações da rede britânica BBC. Em Birmingham, a segunda cidade mais populosa do país, pelo menos cem pessoas foram presas e dezenas acabaram hospitalizadas. Grupos de jovens mascarados destruíram lojas e restaurantes na cidade, incluindo McDonald's e uma boutique da grife Armani, além de atear fogo em carros e caixas de correio. A polícia local disse ainda que uma delegacia no centro da cidade foi incendiada.
No início dos protestos, a polícia foi orientada a tentar negociar, já que os protestos estavam ainda circunscritos a Tottenham, e os principais prédios atacados eram ainda pertencentes à própria comunidade. Mas quando os conflitos se alastraram, os bairros mais ricos também ficaram ameaçados a polícia recebeu ordens de partir para o ataque direto, inclusive com armamento pesado. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, que havia sido criticado por estar de férias na Itália enquanto Londres pegava fogo, voltou correndo ao país e fez uma declaração ameaçando os jovens negros: "Vocês vão sentir a força da lei. Se vocês têm idade suficiente para cometer esses crimes, têm idade suficiente para enfrentar as punições", disse o premiê, numa reunião de emergência do gabinete. Cameron também anunciou uma série de medidas para lidar com a crise, entre elas a suspensão de férias e folgas de policiais, o aumento do número de oficiais nas ruas de 6 mil para 16 mil e a reconvocação do Parlamento, que está em recesso (The Guardian, 9/8).
Depois de sofrer críticas por sua ausência, o prefeito de Londres, Boris Johnson, também resolveu suspender as férias. O grande temor é que Londres será a sede das Olimpíadas em 2012, e a Federação Inglesa de Futebol está cobrando medidas urgentes do prefeito. Na manhã da última terça-feira, a Football Association (FA) decidiu cancelar um amistoso entre Inglaterra e Holanda, que seria realizado na quarta-feira no estádio de Wembley, no noroeste de Londres, com expectativa de atrair 70 mil torcedores.
Tudo isso fez que com as forças de segurança da capital britânica e de outras partes do país fossem em massa para as ruas. Segundo a Polícia Metropolitana de Londres (conhecida como Scotland Yard), nos últimos três dias pelo menos 334 pessoas foram presas e 69 indiciadas. Cerca de 1,7 mil policiais tiveram de ser trazidos de outras regiões para reforçar o policiamento nas ruas. "A violência que vimos é simplesmente imperdoável. As vidas de pessoas comuns foram viradas de cabeça para baixo por esta selvageria estúpida. A polícia vai fazer com que todos os responsáveis enfrentem as consequências de suas ações e sejam presos", disse a comandante da Scotland Yard Christine Jones.
Enquanto ela declarava isso em todos os canais de TV, os tumultos explodiam no bairro de Hackney, no norte de Londres, depois que um homem foi parado e revistado pela polícia, que não encontrou nada. Em protesto, grupos de pessoas começaram então a lançar pedras e latas contra os policiais e a atacar carros da polícia com pedaços de madeira e barras de ferro. Lojas foram saqueadas e destruídas.
Segundo a Scotland Yard, três policiais foram feridos em Hackney e dois em Bethnal Green, mas não há informações sobre moradores feridos. Segundo informações da polícia, os jovens se organizaram por meio do Twitter e de mensagens no celular, que agora estão sendo monitorados pela polícia na tentativa de prever onde os protestos vão ocorrer.

Quem era Mark Duggan

Mark Duggan era inglês e tinha 29 anos. Casado e pai de três crianças pequenas, no momento de sua morte estava sendo investigado pela polícia como suspeito de um crime. A polícia, com ajuda da “imprensa marrom”, vem tentando criminalizar a figura de Duggan, como se ele fosse um gangster. Mas segundo todas as testemunhas e milhares de pessoas que a todo momento são entrevistadas pelas redes de TV, Duggan era muito querido por todos na comunidade. Em meio a centenas de buquês de flores que a todo momento eram colocados em frente à casa de Duggan, familiares dele se recusavam a falar com os jornalistas, protestando contra a cobertura da mídia por "distorcer a verdade" e falar "todas essas mentiras" sobre Duggan. "Ele era um bom homem. Ele era um pai de família," disse um familiar ao jornal The Guardian (9/8).
A companheira de Duggan, Simone Wilson, admitiu que Duggan era visado pela polícia, mas negou que ele já tivesse sido preso. Disse que Mark, que ela conhece há 12 anos, era "um bom pai" e "idolatrava os filhos". Os dois tinham planos de casar-se em breve e sair de Tottenham para "começar uma nova vida juntos" com seus três filhos: Kemani, de 10 anos, Kajaun, 7 e Khaliya, de 18 meses.
Em um depoimento ao Channel 4 News, Simone Wilson disse que seu companheiro não era um gangster e que jamais atiraria contra a polícia. "Se ele tivesse uma arma – coisa que não acredito – Mark teria corrido. Mark é um corredor. Ele teria preferido sair correndo do que atirar, e isso eu digo do fundo do meu coração. Eles estão dizendo que Mark era um gangster. Mark não era um gangster. Ele inclusive nem conhece qualquer gangster ou qualquer gangue. Ele não era assim como estão dizendo."
Um irmão de Mark, Shaun Hall, disse aos jornalistas que era "uma loucura total" afirmar que Duggan pudesse ter atirado contra os policiais: "Meu irmão não era esse tipo de pessoa. Ele não era tão estúpido ao ponto de atirar na polícia, isso é ridículo."

Uma longa lista de mortes

Em um artigo publicado no jornal The Guardian (9/8), o jornalista Alex Wheatte compara os conflitos em Tottenham com aqueles ocorridos em outra comunidade negra chamada Brixton, em 1981. Wheatte é negro e participou ativamente dos confrontos com a polícia nessa época. Ele ainda lembra da brutalidade da polícia e da impunidade com que agia contra os jovens negros. Os conflitos em Brixton também tiveram início com a morte de um jovem, David Moore, de 22 anos, assassinado pela polícia depois de uma perseguição na comunidade negra. Os conflitos se espalharam por três bairros, Brixton, Toxteth e Moss Side, e a polícia agiu com extrema brutalidade, centenas de pessoas ficaram feridas e outras presas. “As circunstâncias são idênticas: crise econômica, jovens sem trabalho, cortes profundos nos serviços públicos e deterioração nas relações entre a juventude negra e a polícia”, diz Alex Wheatte.
Segundo ele, “Mark Duggan é o ultimo de uma longa lista de mortes causadas pela polícia. Recentemente o cantor de reggae Smiley Culture foi acusado de ter tirado a própria vida com uma faca de cozinha em sua própria casa enquanto estava sobre custódia da polícia. A comunidade negra inteira se recusa a acreditar nisso. O assassinato de John Charles de Menezes em Stockwell ainda intriga muita gente. A polícia sempre diz que está investigando, mas nada ocorre”.

Governo tenta “isolar” o conflito

Submerso em uma enorme crise econômica, envolvido em escândalos políticos de envergadura, como o caso Murdoch, ainda sem solução, o governo conservador de Cameron vem procurando de todas as formas passar a idéia de que esse é um conflito isolado, provocado por uma gangue de jovens negros raivosos e descontrolado. O vice-prefeito de Londres, Kit Malthouse, disse que a violência é culpa de um pequeno número de criminosos motivados pela ganância, e não pela conduta da polícia ou de problemas sociais mais amplos causados pela lenta recuperação econômica do Reino Unido. “Isso é um grupo relativamente pequeno de pessoas dentro de nossa comunidade em Londres que, francamente, estão procurando coisas para roubar. Eles estão escolhendo tipos de lojas específicas, porque querem um novo par de tênis ou o que for”, disse ele à rede Sky News.
É verdade que todo jovem gostaria de ter um novo par de tênis. E deveria ter direito a isso. Mas entre querer um par de tênis e ocupar um país inteiro, enfrentando as balas da polícia, vai uma enorme distância. Mesmo porque, é muito difícil convencer alguém com uma inteligência mínima de que uma briga por um novo par de tênis possa ser a causa de tantos dias de fúria. É chamar as pessoas de imbecis, no mínimo. Mas o governo tenta convencer as pessoas mesmo assim, porque não tem outro jeito, não tem nada a dizer de concreto à população. Não tem como explicar a enorme crise econômica que vem solapando algumas das principais e sagradas conquistas dos trabalhadores ingleses, como um sistema público de saúde de boa qualidade, transportes públicos decentes, serviços de água, luz e gás que funcionam e que até pouco tempo atrás (antes da chegada de M.Thatcher ao poder) eram praticamente de graça na Inglaterra. Tudo isso vem sendo privatizado num ritmo alucinante, num piscar de olhos, talvez para que ninguém se dê conta. Esses cortes nos serviços públicos e também na seguridade atingem em cheio as comunidades mais pobres, aquelas que há anos vêm padecendo a dura vida de desemprego, miséria e abandono. Calcula-se que entre as comunidades negras, cerca de 50% dos jovens estão desempregados ou apenas fazem bicos, trabalhos precários e eventuais. O preconceito racial, que cresce a cada dia na Inglaterra, é outro fator de opressão sobre as comunidades. Os jovens negros são os mais perseguidos pela polícia e já virou anedota por aqui as constantes “batidas” policiais nos bairros negros. “Se estão em um automóvel, os jovens negros fatalmente serão parados pela polícia”, disse um homem negro de 60 anos em um programa de TV. E quase todo dia, um deles aparece morto, sem que a polícia dê qualquer explicação convincente.
O governo procura desvincular os conflitos em Londres de toda essa terrível situação, como se fossem dois mundos distintos. Mas neste momento, em que o conjunto dos trabalhadores na Inglaterra vem se levantando e se mobilizando contra os ataques do governo, fica cada vez mais difícil cair nesse conto da carochinha. E como ocorreu em Brixton, em 1981, os trabalhadores precisam entender esses protestos como parte de sua luta contra os ataques do governo, como uma reação mais do que justificada à situação terrível em que vivem as comunidades negras, oprimidas e perseguidas de forma ainda mais brutal pela polícia do que os trabalhadores brancos. Esta é uma luta do conjunto da classe trabalhadora inglesa, portanto, cabe agora às trade-unions jogar todo o seu peso em apoio aos conflitos, somar-se aos protestos e correr em socorro das comunidades negras, exigindo que o governo pare de reprimir, liberte os presos e esclareça imediatamente o assassinato de Duggan, punindo com rigor os responsáveis pelo crime.

sexta-feira, agosto 05, 2011

Escândalo Murdoch expõe métodos da grande imprensa

Um escândalo agita a Inglaterra. E dele ninguém se salva. Tudo começou em 2006, quando vieram à tona os métodos pouco ortodoxos que o jornal britânico News of the World, de propriedade do magnata da mídia, Rupert Murdoch, usava no dia a dia da reportagem : detetives contratados com cachês milionários e escutas telefônicas ilegais para interceptar mensagens deixadas nas caixas postais de determinados celulares, no intuito de conseguir informações em primeira mão. Entre as vítimas estão celebridades, políticos e até membros da família real. O telefone de Diana estava grampeado, assim como o de Jean Charles, que morreu assassinado no metrô de Londres. Mas o caso só virou escândalo no início de julho, quando se soube que entre os telefones espionados estava o de uma menina que havia sido recentemente assassinada de forma misteriosa; parentes de soldados mortos no Afeganistão e Iraque e até vítimas do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, também foram vítimas de espiões.
Desde então, dez pessoas já foram presas – e soltas sob fiança –, incluindo Andy Coulson, ex-assessor de comunicação do primeiro-ministro da Inglaterra, David Cameron, e dois altos comissários da sempre tão “pulcra” Scotland Yard já caíram. Na terça-feira, Murdoch, seu filho James, a ex-diretora do grupo, Rebekah Brooks, e os dois ex-chefes da Scotland Yard foram interrogados no Parlamento. Os deputados queriam saber se estavam envolvidos nos grampos telefônicos “em escala industrial” (expressão usada pela imprensa inglesa), se fizeram pagamentos ilegais à polícia em troca de informações e uso de equipamentos de escuta e se tentaram “comprar” certos políticos tanto do Partido Conservador quanto do Partido Trabalhista. Como era de se esperar, todos negaram tudo.
Mas mesmo assim o conglomerado News Corporation está abalado e teve de fechar as portas do tabloide News of the World, um dos mais vendidos na Grã-Bretanha. Sob pressão do Parlamento e de David Cameron, Murdoch também foi obrigado a retirar sua oferta para comprar todas as ações da plataforma de televisão BSkyB - a Sky britânica -, que ele vinha ambicionando há tempos.

Quem é Murdoch?

Rupert Murdoch nasceu na Austrália, mas se naturalizou norte-americano. É um dos homens mais poderosos da imprensa mundial e também um dos mais ricos e influentes. Hoje com 80 anos, é o presidente da News Corporation, empresa herdada de seu pai e da qual é importante acionista. À época, era apenas uma empresa medíocre, controladora de um jornal australiano na cidade de Adelaide, sem muito renome. Mas com a administração ambiciosa de Murdoch e uma série de aquisições bem sucedidas, conseguiu transformá-la em um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, tornando-a controladora dos estúdios de cinema e dos canais de TV paga FOX, das operadoras de TV por assinatura SKY e DirecTV (incorporada no final de 2003 pela News), do site de relacionamentos My Space, do jornal New York Post, entre outros. O grupo News Corporation também é dono do primeiro jornal exclusivo para o iPad, o The Daily, lançado recentemente nos EUA. A entrada em cena do The Daily é uma tentativa de Robert Murdoch para reescrever o negócio do jornalismo, depois da queda das receitas de circulação e publicidade nos jornais tradicionais.
Em agosto, Murdoch definiu o The Daily como “uma verdadeira mudança na apresentação de notícias” e o seu projeto “número um, o mais interessante”. A equipe editorial do jornal será “modesta” e englobará jornalistas de outros órgãos da News Corporation, como o Wall Street Journal. O jornal obrigará a um investimento inicial de 30 milhões de dólares (cerca de 23 milhões de euros).
De acordo com a revista Forbes, Murdoch está posicionado em 117º dentro do ranking das pessoas mais ricas do mundo, com uma fortuna estimada em 6,3 bilhões de dólares. Agora, além de tentar assumir o controle total da Sky, Murdoch vinha atacando a BBC, como forma de destruir seu poder na Inglaterra.
Reconhecido como direita linha dura, Murdoch usava seus veículos de comunicação para fazer um jornalismo escandaloso, que apelava para os escândalos sexuais, estampava em seus tabloides sensacionalistas os conflitos familiares como forma de assédio moral contra este ou aquele adversário. Seus jornais faziam campanha declarada contra os negros, os homossexuais e os imigrantes, chamando abertamente a que deixassem o país por serem pessoas indesejadas e apelando ao governo para que os reprimissem.
São conhecidos também seus ataques contra a classe trabalhadora. Os jornais e emissoras do grupo Murdoch sempre lançaram seu veneno mais corrosivo diante de qualquer movimento dos trabalhadores. Seus jornais sempre tiveram uma postura agressiva, de ataque às greves e manifestações sindicais, e usava seu poder midiático para lançar todo tipo de ataques pessoais contra as lideranças e os ativistas de esquerda, criminalizando suas ações e influenciando a opinião pública contra eles.
Também é muito conhecida na Inglaterra a ação de Murdoch para eleger e para derrubar os políticos; ele soube usar os grampos telefônicos, as páginas de seus jornais e sua imensa fortuna para apoiar o Partido Trabalhista em 1997 e com isso ajudou a eleger Tony Blair como primeiro-ministro. Sustentou o governo trabalhista durante todo o seu período, incluindo a intervenção de Blair e Bush na Guerra do Iraque e Afeganistão. Depois, em 2007, ajudou a eleger o sucessor de Blair, Gordon Brown, que também estava na lista dos “grampeados” e, em 2010, Murdoch passou a apoiar os Tories (Conservadores) e jogou todo o seu prestígio na campanha de David Cameron e dos Democratas Liberais.

Governo britânico envolvido até o pescoço

Tudo isso vinha correndo a olhos vistos. Os métodos pouco confiáveis de Murdoch de conduzir seu império, as mentiras e confabulações nos corredores do governo corriam soltos. Mas a coisa engrossou quando veio à tona que o governo do primeiro-ministro David Cameron estava envolvido até o pescoço com Murdoch. No mínimo, ele sabia de tudo e não fez nada. O maior vexame é que Cameron, em meio à enorme crise econômica que vem abalando a Europa, incluindo a Inglaterra, teve de engolir mais esse sapo: explicar diante do Parlamento por que havia sido citado em todos os depoimentos daqueles que o antecederam, ou seja, o próprio Murdoch, seu filho James, a ex-diretora do grupo Rebekah Brooks e os dois ex-chefes da Scotland Yard, a polícia metropolitana londrina. A ligação entre Murdoch e Cameron veio por intermédio de Andy Coulson, assessor de comunicação do primeiro-ministro. Agora Cameron diz que Coulson agia por baixo dos panos, mas pouca gente acredita nisso.
Dois dias depois de explodir o escândalo, um dos mais importantes repórteres do jornal News of the World apareceu morto em casa, em circunstâncias misteriosas. Sean Hoare, que cobria o show business, vinha denunciando os grampos e todos os métodos pouco convencionais de fazer as reportagens impostos pela empresa e, por isso, vinha sendo perseguido. Depois de afirmar em uma entrevista que o assessor de Cameron, Andy Coulson, sabia de tudo, seu cadáver apareceu, para piorar ainda mais as coisas para o governo. A polícia está tentando encobrir o caso, dizendo que Hoare era viciado em drogas e alcoólatra, mas até agora não deu qualquer explicação convincente para a morte do repórter. (The Independent, 19/7/2011)
Em seu depoimento, Cameron teve de assumir a responsabilidade por ter contratado Andy Coulson como assessor de comunicação. O jornalista, ex-diretor do News e acusado de aprovar os grampos e corromper policiais, foi preso e solto após pagamento de fiança. “Assumo a responsabilidade por ter contratado Coulson, mas não respondo pelo que ele fez”, disse Cameron, empurrando com a barriga e alegando que agora é hora de “limpar a bagunça”, pois o escândalo abalou a confiança do público na polícia e na imprensa. Ele fez questão de defender toda a sua equipe, afirmando que todos agiram “de maneira correta”, inclusive seu chefe de gabinete, Ed Llewellyn, que teria omitido algumas informações do premiê sobre o caso no início das investigações. “Eu disse repetidamente que eles deviam seguir as pistas a fundo e conduzir a investigação como achassem melhor. Meu funcionário agiu corretamente. Não era apropriado que eu tivesse nenhuma informação privilegiada.” Sobre Coulson, disse que, se for comprovado seu envolvimento no caso, ele deverá pedir desculpas e pode até ser processado.
Mas a coisa não para aí. Cameron é acusado também de manter uma relação muito próxima com a família Murdoch e com a ex-diretora da companhia, Rebekah Brooks. O magnata admitiu, inclusive, no seu depoimento, que chegou a fazer com ele uma reunião a portas fechadas, para a qual entrou “pela porta dos fundos”. A reunião teria sido feita para acertar as formas de como o governo poderia influenciar nas negociações de compra da totalidade de ações da TV BSkyB por parte de Murdoch.
Sem chance de escapar ileso, Cameron vem atirando pra todo lado e assumindo uma postura mais agressiva ao afirmar que a oposição também tem culpa pelo escândalo, uma vez que, segundo ele, ambos os partidos “exageraram nos encontros com a imprensa” e deixaram de lado os esforços para uma maior regulação do setor de comunicações. Para ele, a culpa, neste sentido, deveria ser dividida, pois afirma que seus antecessores, os ex-premiês Tony Blair e Gordon Brown, mantinham um “relacionamento mais próximo com o império Murdoch” do que ele.
Ele assume ainda que a imprensa alertou várias vezes tanto o Parlamento quanto a polícia de que haveria algo errado na News International - filial britânica do grupo norte-americano News Corporation -, mas que nenhum dos partidos, quando governantes, fez nada a respeito. “O Partido Trabalhista teve 13 anos para abrir um inquérito sobre isso e não o fez. Não fez o que eu estou fazendo agora”, declarou ele, definindo-se como “muito mais transparente” que os premiês anteriores. “A oposição poderia ter assumido sua participação neste escândalo e nos ajudar a limpar essa bagunça. Em vez disso, só apareceram aqui com teorias da conspiração.”
Cameron também culpou seu antecessor Gordon Brown pela contratação de Coulson. Disse que a primeira pessoa a contatar Coulson foi Gordon Brown. Coulson foi o redator-chefe do News of the World entre 2003 e 2007, período em que os grampos já haviam sido adotados como prática comum no tabloide, mas que ele garantia não ter nenhum envolvimento. Em 2007, foi contratado como assessor de imprensa por Cameron e continuou na equipe do líder conservador, que venceu a eleição seguinte e assumiu o cargo em 2010.
O fato é que ambos – conservadores e trabalhistas – não conseguiram se livrar do envolvimento no escândalo. Ed Milliband, principal dirigente do Labour (Trabalhistas), vem dando seguidas declarações à imprensa dizendo que não tem nada a ver com isso, mas a realidade é que durante todo o governo de Blair e Gordon o partido não fez absolutamente nada para impedir as ações de Murdoch.

Trabalhadores não estão calados

A relação promíscua entre a imprensa, a polícia e o governo é algo comum em todos os países do mundo, e isso afeta diretamente a classe trabalhadora. Tanto é assim que os trabalhadores ingleses vêm se manifestando contra o escândalo. A mídia empresarial tornou-se uma das mais importantes instituições do Estado burguês ao ser controlada pelo empresariado, o grande capital, bancos e empresas, tornando-se praticamente um apêndice das grandes corporações financeiras.
A maioria dos jornais e emissoras está nas mãos de poucos proprietários, em geral milionários que mantêm estreitas relações com o governo, já que ambos têm o mesmo programa de confronto contra a classe trabalhadora. Com isso, a grande mídia passou a ser porta-voz da burguesia e usar seus métodos para conseguir o que quer. Quando o caso envolve um dos homens mais poderosos do mundo, como Murdoch, cujos negócios estão espalhados por três grandes países como Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, essa ligação da imprensa com o poder fica ainda mais evidente e os estilhaços atingem um maior poder de fogo. Um jornal que usa grampos para espionar celebridades pode muito bem usar os mesmos grampos para espionar os sindicatos e os ativistas de esquerda, ou fazer coisas piores, como vinha fazendo Murdoch com sua “imprensa marrom”.
Em meio a um clima de luta contra o governo e a política de cortes nos serviços públicos, que vem provocando grandes mobilizações de rua na Inglaterra, o escândalo Murdoch assume um outro caráter, com os trabalhadores se envolvendo nas discussões. É o caso, por exemplo, dos funcionários públicos federais (Public Civil Service), que lançaram no último dia 14 uma declaração afirmando que é preciso ter sindicatos fortes para prevenir outro escândalo de grampos telefônicos:
“As recentes revelações sobre as atividades ilegais da News International chocaram o país, mas não foi surpresa para ninguém. Como muitos, nós não esqueceremos a propaganda da misoginia, do anti-bem-estar (anti-welfare), da anti-imigração e do antissindicalismo com que o News of the World enchia suas páginas semana sim, semana não. Mas, acima de tudo, nós condenamos a decisão de simplesmente fechar o jornal e colocar centenas de empregos em risco, enquanto os reais culpados - os Murdochs e Rebekah Brooks – mantêm seus empregos.
Os funcionários públicos federais exigem um sistema mais efetivo de regulamentação da imprensa, mas dizem que a melhor forma de garantir que outros escândalos similares não ocorram é assegurar a forte presença do sindicato em todas as redações de jornais e emissoras.
Em solidariedade à NUJ (sindicato dos jornalistas) e outras associações de trabalhadores da mídia, nós lutamos por uma imprensa mais efetiva, mais ética, mais livre para poder investigar e cobrar dos poderes públicos.”

Em defesa da liberdade de imprensa

É preciso ter claro que, enquanto tivermos um governo burguês, será difícil conseguir uma imprensa mais ética e mais livre, porque ela sempre será uma empresa capitalista, dependente do poder e do dinheiro do Estado. No entanto, os trabalhadores devem ser intransigentes na defesa da mais ampla liberdade de imprensa para todos, porque essa é a única maneira de a verdade dos fatos vir à tona. Como dizem os funcionários federais em sua declaração, é preciso fortalecer os sindicatos e, sobretudo, a imprensa dos trabalhadores, para que a população tenha uma contraposição às informações veiculadas pela imprensa burguesa e não tenha acesso apenas a um lado da questão.
Por outro lado, é preciso lutar contra o fechamento do News of the World porque isso significa que centenas de jornalistas e outros funcionários perderão seus empregos. Muita gente na Inglaterra acha que esse é um jornal “sujo” e deve ser fechado. Então, para sermos coerentes, deveríamos exigir o fechamento do The Sun, outro tabloide “marrom” de Murdoch, bem como de todos os jornais de seu grupo, além de vários jornais de outros grupos de mídia. Com isso, milhões de trabalhadores perderiam seus empregos e o problema não seria resolvido, porque a burguesia cria outros jornais ou outras emissoras para não perder seus lucros.
Neste momento, sobretudo, o que os trabalhadores britânicos precisam é ficar atentos para que o governo não use o “caso Murdoch” para distrair a atenção dos graves problemas econômicos que o país vem atravessando, como o pacote de medidas vorazes que vêm cortando salários, empregos e privatizando os serviços sociais. Como disse Emily Thornberry, porta-voz do Partido Trabalhista para assuntos da Saúde, “hoje é um bom dia para o governo anunciar o plano de privatização do serviço de saúde porque todo mundo está preocupado com os grampos telefônicos. Eles acham que assim ninguém vai perceber” (The Guardian, 20/7/11). Apesar de ser do Partido Trabalhista, que uma vez no governo não defendeu os interesses dos trabalhadores, Emily tem razão.

Um novo momento na Inglaterra

Mas hoje se vive um momento diferente na Inglaterra. Os trabalhadores vêm se mobilizando contra os cortes e as privatizações, e esse escândalo pode ajudar a desmascarar o governo perante as massas. Mas, para isso, as organizações mais combativas dos trabalhadores precisarão, diante do escândalo, retomar os tradicionais métodos de combate da classe operária inglesa, fortalecendo ainda mais suas lutas, unindo a reivindicação de expropriação do império Murdoch à luta contra os cortes e as privatizações.
O governo alega que não tem dinheiro para manter os serviços públicos. Então, é preciso expropriar a fortuna de Murdoch, inimigo declarado dos trabalhadores, bem como outras imensas fortunas que foram sendo acumuladas por uns poucos milionários às custas da exploração dos trabalhadores.
O governo está metido até o pescoço no caso e, portanto, é um governo corrupto, que usa seu poder para atacar os direitos da classe trabalhadora, usa a grande imprensa para atacar os imigrantes, os homossexuais e criminalizar as nossas lutas.
Expropriação do império Murdoch! Dinheiro para garantir a saúde pública e de boa qualidade para todos! Fortalecer a organização dos trabalhadores (os sindicatos e as Comissões Internas)! Construir uma forte imprensa operária para que a verdade dos fatos possa vir à tona e melhor lutar contra o governo Cameron e impedir os cortes e as privatizações! Essa deve ser a alternativa dos trabalhadores neste momento histórico, quando a valorosa classe trabalhadora inglesa se esforça para retomar seu passado de lutas, quando obteve grandes conquistas sociais!


Cecília Toledo, autora deste post, é também autora do livro “Mulheres: O gênero nos une, a classe nos divide”

Mulheres pagam caro pela crise européia

O peso da crise vem recaindo sobre seus ombros, já que elas conformam a parte mais vulnerável da classe trabalhadora. Na Inglaterra, além dos cortes nos serviços púbicos, as mulheres estão sendo obrigadas a voltar correndo para o mercado de trabalho. O número de mulheres que têm recorrido à Agência de Empregos cresce a cada dia e os últimos gráficos publicados pelo Office for National Statistics (agência oficial de estatística) mostram que o número de mulheres à procura de emprego cresceu pelo décimo segundo mês consecutivo. (The Guardian, 13/7/2011)
Um analista desatento poderá arriscar a dizer que isso é um bom sinal, já que as mulheres sempre são maioria entre os desempregados. Nada mais longe da verdade. Nesse movimento de “volta” ao mercado de trabalho, as mulheres só estão encontrando pela frente problemas e mais problemas. Na Inglaterra, dois terços da força de trabalho nos setores públicos, sobretudo saúde e educação, é feminina; e esses são justamente os setores da economia inglesa mais afetados pela política de austeridade lançada pelo governo este ano. Por isso, não é nenhuma surpresa que as mulheres que já estão empregadas nesses setores estejam sendo duramente atingidas pelos ataques do governo nos salários e empregos.
Esse é o fator mais importante que tem afetado as mulheres e o emprego, embora haja muitos outros fatores influenciando as taxas de desemprego, exigindo um número maior de vagas e empregos mais viáveis. Os últimos números do ONS (Office for National Statistics) mostram que em média 65,5% das mulheres estão empregadas. Os gráficos indicam que 13,566 milhões de mulheres estavam empregadas durante os meses de março a maio de 2011 contra 15,713 milhões de homens. O número de mulheres desempregadas, por incrível que pareça, é mais baixo que o dos homens, com as mulheres atingindo a marca de 7% e os homens, 8,3%.
Outro número interessante é a taxa de inatividade. Entre as mulheres essa taxa é muito superior a dos homens, chegando a 29,4% nos dias de hoje. Há também mais mulheres do que homens que são economicamente inativos, sendo 5,933 milhões de mulheres contra 3,396 milhões de homens. A principal razão para a inatividade das mulheres é o cuidado com a família e a casa, que subiu 0,7% no semestre. Em contrapartida, essa taxa entre os homens saltou 1,4%. Os homens, além dos motivos de estudo, ficam mais tempo afastados do trabalho por razões de saúde. Eles também costumam alegar desânimo como motivo para não ir ao trabalho, muito mais do que as mulheres.
Os números trazem outra característica interessante: a imensa maioria das mulheres que estão buscando emprego são mães que estavam fora do mercado de trabalho devido ao serviço doméstico e cuidado com os filhos. Dados de julho do ano passado mostram que a crise econômica está fazendo com que as pessoas coloquem as finanças antes do cuidado com a família na ordem de prioridades. Cerca de 100 mil mães já foram forçadas a voltar ao trabalho desde que a crise econômica começou. E os economistas dizem que esse número vai continuar aumentando, porque as mulheres não têm outra opção a não ser lutar por um salário. Desde agosto de 2007, quando a crise do crédito começou, o número de mulheres que ficam em casa cuidando da família caiu para 97 mil. E continua caindo, sendo que em média 20 mil mulheres deixaram o lar entre março e maio deste ano. Na verdade, as estatísticas dizem que as mulheres “abandonaram o lar”, ou “trocaram o lar pelo escritório”, quando o que de fato ocorre é que elas estão assumindo a dupla jornada de trabalho. Como a maior parte das poucas vagas oferecidas nesta época de crise se constitui de empregos precários, em tempo parcial e sem qualquer tipo de vínculo empregatício, as mulheres vão levando as duas coisas ao mesmo tempo, a casa e o emprego.
Algumas mulheres à procura de emprego são forçadas a aceitar qualquer coisa diante do fato de que seus maridos ficaram desempregados. Outras porque o salário do marido não é o suficiente para pagar as contas no final do mês. Em muitos casos, as finanças da família se reduziram porque as contas subiram e o salário do marido ficou congelado. Jill Kirby, diretora do Centro de Estudos de Planejamento e autora do livro The Price of Parenthood (O Preço da Paternidade), diz que o dinheiro exerce uma ditadura sobre a vida de inúmeras famílias. “As mulheres estão indo ao mercado de trabalho em uma época de grande dificuldade financeira. Mas poucas mães têm a opção de ficar em casa”.
Michael Connellan, do Instituto da Família e Paternidade (Family and Parenting Institute), diz que “as mães, inclusive muitas de família de classe média, disseram que estão tendo que voltar ao trabalho muito antes do que gostariam devido às atuais pressões financeiras”. E acrescenta: “O custo da criação de um filho está aumentando”. O Child Trust Fund (fundo para auxílio a crianças carentes) foi abolido, os créditos para quem tem filhos estão sendo cortados para muitas famílias pobres e os benefícios para a infância estão congelados. Enquanto o número de mães que ficam em casa cuidando dos filhos vem caindo, o número de pais que ficam em casa vem subindo, e saltou de 25 mil para 213 mil desde o início da crise.
Essa situação na Inglaterra, que com certeza atinge toda a Europa, mostra mais uma vez que a condição subalterna das mulheres na sociedade não é um problema apenas da desigualdade de gênero. É um problema estrutural do capitalismo, que usa e abusa da classe trabalhadora conforme seus negócios andam bem ou andam mal. As mulheres, tradicionalmente confinadas ao exército industrial de reserva, como mão de obra disponível, em épocas de crise são forçadas a vender sua força de trabalho a um preço miserável, ocupando cargos precários e sem qualquer direito trabalhista, para suprir as carências da família diante do desemprego dos homens. Como parte fundamental e mais oprimida da classe trabalhadora, as mulheres precisam assumir seu lugar na luta contra os ataques do governo e da patronal, somando-se às grandes manifestações que vêm ocorrendo em toda a Europa e também na Inglaterra.

Por Cecília Toledo, de Liverpool

Deficit dos Estados Unidos é uma bomba prestes a explodir

Mundo vai continuar pagando o déficit público norte-americano e financiando lucros dos bancos e das grandes empresas.
O acordo anunciado pelo governo Obama entre republicanos e democratas para dar fim ao impasse e elevar o teto da dívida dos EUA, hoje em 14,3 trilhões de dólares, está longe de pôr fim à crise econômica e política que toma conta do país. Após semanas de duras negociações sob um ambiente de acirrada polarização, que incluiu negociações ininterruptas por todo o final de semana, o presidente Barack Obama finalmente anunciou um acordo no final da noite de domingo.
O acordo, aprovado pela Câmara dos Representantes, de maioria republicana, na noite dessa segunda-feira, 1º de agosto, garante a elevação do endividamento em 2,1 trilhão de dólares. Em contrapartida, impõe uma redução de 1 trilhão nas despesas do governo para os próximos 10 anos. Uma comissão composta por 12 parlamentares deve ficar responsável ainda por definir, até novembro, um corte adicional de 1,5 trilhão.

Vitória dos conservadores

Apesar de Obama ter anunciado o acordo como um entendimento entre os dois partidos, ele representa uma clara vitória da ala republicana. Isso porque o impasse criado em torno do déficit gira em torno do que fazer para o país continuar conseguindo pagar as suas dívidas. Enquanto o Partido Democrata defendia cortes no Orçamento e, a fim de contemplar parcela de seu eleitorado, aumento nos impostos dos mais ricos e redução de subsídios, os republicanos exigiam que o ajuste se concentrasse exclusivamente na redução de despesas. E é isso o que está sendo aprovado.
A líder dos democratas na Câmara, Nancy Pelosi, claramente constrangida, chegou a definir como “desconcertante” o ajuste fiscal colocadas a voto. O conjunto de medidas que está sendo aprovado desagrada até mesmo a ala mais à direita dos republicanos e boa parte do Tea Party, que insistiam em um corte de gastos mais agressivo. Nessa batalha entre o governo e as duas alas do congresso, todos saíram chamuscados.

Desaceleração e crise

O tão temido calote dos EUA não ocorreu, mas a crise está longe do fim. Enquanto parlamentares se enfrentavam para resolver o nó do déficit, os índices da economia norte-americana desse segundo semestre reafirmavam a desacelaração e a quase estagnação da atividade do país, mais longa que do era esperada. O crescimento do primeiro semestre deste ano é o mais lento desde a primeira metade de 2009, quando oficialmente os EUA saíram da recessão.
A indústria, por sua vez, mostra sinais de arrefecimento. O desemprego, em históricos 9%, não dá sinais de recuperação. Todo esse cenário de crise só vai piorar com os cortes anunciados pelo governo. Alguns analistas temem que o país refaça a trajetória dos anos 1930 quando, logo após a recuperação do crash de 1929, um ajuste fiscal jogou a economia numa duradoura recessão que só teve fim com a 2ª Guerra Mundial.
Os trabalhadores e a maioria da população, sobretudo a mais pobre, devem ser mais uma vez os maiores atingidos pelo ajuste, já que as áreas sociais serão alvos preferenciais dos cortes trilionários.

Mundo vai continuar pagando pelo déficit americano

O gigantesco déficit fiscal dos EUA foi gerado durante o governo W. Bush e usado para financiar os cortes nos impostos dos mais ricos, subsidiar empresas e pagar as guerras do Iraque e Afeganistão. Com a crise econômica deflagrada em 2008, a dívida deu um salto brutal com os pacotes de ajuda ao setor financeiro. Os 14,3 trilhões do déficit representam hoje nada menos que o equivalente a um quarto do PIB mundial (62 trilhões de dólares).
Essa conta é paga por aqueles que detem os títulos da dívida pública norte-americana, em ordem decrescente: China, Japão, Reino Unido, um fundo conjunto de países petroleiros e, finalmente, o Brasil, que detêm 200 bi em títulos. Isso significa que o mundo sustenta o enorme déficit norte-americano. E quem são os maiores beneficiários? O jornal mexicano La Jornada dá uma pista quando informa que os lucros das empresas no país aumentaram 264 bilhões nos últimos três anos, principalmente os do setor financeiro. Isso em uma conjuntura de recessão ou economia cambaleante.
Já o senador democrata Bernie Sanders, em artigo no Wall Street Journal, afirma que os impostos sobre os mais ricos nos EUA estão nas taxas mais baixas da história moderna. Nunca os ricos pagaram tão pouco impostos como agora. “De fato, enfermeiras, professores e bombeiros pagam mais impostos que alguns multimilionários”, afirma.
O déficit norte-americano, financiado pelo restante do mundo, paga os lucros dos bancos, das empresas, dos mais ricos e sustenta a presença militar dos EUA no Oriente Médio. O problema para Obama é que ela está se tornando insustentável.
A medida que está sendo aprovada no Congresso, porém, além de não resolver esse rombo, vai bloquear de vez a recuperação e pode jogar o país novamente em uma recessão. O ano de 2008 mostrou o que acontece com o restante do mundo quando a maior economia do planeta ameaça ruir. A crise política aberta nos últimos meses, por outro lado, é um outro importante fator de instabilidade que se soma à economia no coração do império.

Por Diego Cruz