sexta-feira, dezembro 29, 2006

Cresce papel da internet no marketing político

Matéria do jornal O Estado de São Paulo (24 de dezembro de 2006), revela a importância da internet como mídia efetiva para o marketing político, sobretudo em certas cidades.
Assinada por Carlos Marchi, a matéria descreve como, nas eleições de 2006, a internet influenciou o comportamento dos candidatos e começou a se consagrar como um mecanismo político-eleitoral, tendo por base o estudo "A Mídia e a Esfera Pública", feito por três professores da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Na véspera do primeiro turno, a participação de internautas em blogs políticos chegou a 2,5 milhões de audiências diárias; no You Tube, vídeos contra os presidenciáveis tiveram índices espetaculares de visualização.
Um dos autores do estudo, o pesquisador Marcelo Coutinho, prevê que nas eleições de 2008 e 2010 a influência da internet será bem maior. “Nessas eleições, a internet serviu para alimentar o eleitor orgânico ou engajado com informações que seriam depois reproduzidas por todas as mídias”, explica Coutinho.O estudo detectou que os blogs foram muito utilizados como balão de ensaio de notícias que as campanhas queriam disseminar. “Nos dias de publicação de pesquisas”, conta ele, “as pessoas começavam a falar em números por volta do meio-dia. À tarde, parte da mídia tradicional já dava notícias baseando-se nos blogs, que tinham se baseado nos balões de ensaio.”O vídeo contra o tucano Geraldo Alckmin mais visualizado no You Tube foi a entrevista a uma TV australiana bruscamente interrompida por ele depois que o repórter insistiu em perguntar sobre a repressão a rebeliões em presídios, que teria violado direitos humanos. A matéria inteira, postada no You Tube, teve 450 mil visualizações. O recorde de Lula foi a filmagem em que dizia que Pelotas era “exportadora de veados” - 103 mil visualizações.
Coutinho diz que não pode projetar a importância da internet para as próximas eleições, mas estima que será crescente. Hoje, 30 milhões de eleitores têm conexão com a internet. Mas a tendência, explica, é que esse número aumente com rapidez.
Para ele, as eleições municipais de 2008 deverão ter grande influência da internet. “Em muitos municípios, mais de 40% do eleitorado tem acesso à internet. Nessas cidades, até pelas limitações da TV nas campanhas eleitorais municipais, a internet passará a desempenhar papel vital para decidir as eleições.”

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Na propaganda viral, a mídia é você

Experimente lançar entre amigos a seguinte pergunta: "Vou a Fernando de Noronha nas férias. Alguém aí tem alguma dica?". Pode escrever: todo mundo que já viajou para lá vai querer sugerir um hotel, um restaurante ou um programa. Não que Fernando de Noronha inteira pague a seus visitantes para fazer propaganda na volta. É que as pessoas gostam de sugerir espontaneamente algo que os outros aceitem, testem, aprovem - e passem adiante.
A propaganda já descobriu faz tempo a força do boca-a-boca. Mas a internet - com suas comunidades tipo Orkut, seus blogs e o próprio e-mail - potencializou esse efeito e permitiu o estouro do que o mercado vem chamando de propaganda viral. Um internauta gosta do que viu ou recebeu e envia para sua lista de contatos. E a corrente se propaga até virar febre.

Estratégia pode se confundir com ação espontânea

Aos desavisados da rede: por trás disso há uma estratégia de marketing para fazer com que o consumidor se encarregue de disseminar um produto, marca ou modismo. E muitas vezes a intenção não é explícita.
- A beleza do marketing viral é não desvendar, não saber se é estratégia ou se é uma corrente espontânea - diz Cecília Novaes, diretora de planejamento da DPZ, que fez recentemente uma ação em que o grupo formador de opinião nem sabia que era alvo.
Talvez você já tenha sido "vítima". No início deste ano, a empresa Espalhe montou para o canal de TV a cabo Fox uma gincana em São Paulo para a estréia da nova temporada da série "24 Horas", em que o herói Jack Bauer tem de salvar o país de uma mega-ameaça terrorista. O aviso da gincana foi lançado em comunidades virtuais de fãs, que passavam a história adiante. Resultado: 1.400 inscritos, muitos fora de São Paulo.
Há 13 dias, a DM9DDB colou literalmente com Super Bonder um terminal de computador de 11 quilos numa parede, ligou uma câmera em frente e lançou a imagem num endereço na rede. Quem descobre o site pode enviar uma mensagem, ver o que escreveu pipocar no monitor grudado e saber há quantos dias a cola já resiste. Nos dez primeiros dias, foram 50 mil acessos. Chegou mensagem até da Austrália e do Japão.
Quando um vírus publicitário é lançado, a mensagem sai do controle do anunciante.
- A gente vê que deu certo quando o e-mail roda e volta para a gente - diverte-se Sergio Mugnaini, diretor de criação de internet da AlmapBBDO.

Uma das dificuldades é medir os resultados

Um dos grandes problemas desse tipo de propaganda é a precariedade da aferição de resultados, diz o presidente da Associação Brasileira de Propaganda (ABP), Armando Strozemberg, sócio da agência Contemporânea. Já a propaganda de TV se baseia em audiência e a de jornal, na tiragem. Na opinião do diretor nacional de criação da Giovanni,FCB, Adilson Xavier, a propaganda viral sozinha tem pouca força.
As estratégias de marketing já seduziram grandes anunciantes mundiais, como Burger King e Microsoft. E não necessariamente o que é produzido para a mídia digital é mais barato, ressalta Rui Branquinho, diretor de criação da W/Brasil. No dia 23, a propaganda viral será tema de um painel no 52 Festival Internacional de Publicidade de Cannes, que começa semana que vem no balneário francês.
No Brasil, já há empresas especialmente voltadas para essa nova onda da propaganda. A Espalhe, que criou o trabalho para a Fox, nasceu em 2003 para fazer marketing de guerrilha - ou seja, aquilo que gera mídia espontânea e tem como uma das ferramentas a propaganda viral, ensinam os sócios Gustavo Fortes e Marcelo Vial. O anunciante Fox já destina de 30% a 40% de sua verba de mídia para ações de guerrilha. E a Blackbox, que se intitula especializada em disseminação - usa não só a internet - já fez 15 projetos no país e tem oito em andamento no exterior.

Cuidado com a ética e o 'spam'

Numa propaganda tradicional, a relação é clara: compra quem quer, após ver o que foi explicitamente apresentado. E mesmo assim se discute muito a ética. Na propaganda viral, então, o debate não poderia faltar. Para o diretor nacional de criação da Giovanni,FCB, Adilson Xavier, não se deve esconder que uma ação viral é propaganda. E o presidente da DM9DDB, Sergio Valente, ressalta que marketing viral mal utilizado vira o detestável spam .
O diretor do curso de comunicação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) no Rio, Carlos Alberto Messeder, acredita que as pessoas percebem que são a mídia, mas gostam de ser autoras: - O consumidor acha um barato participar.
Para o diretor-geral da Fischer América, João Fernando Vassão, o anunciante tem de ter cuidado para não ser invasivo.
- Mas antiético é fazer propaganda viral do que não é ético - defende a diretora de planejamento da DPZ, Cecília Novaes.

Maria Fernanda Delmas

Vida de Inseto

O Wrangler é o ícone da marca Jeep. Símbolo inquestionável de liberdade e capacidade de ultrapassar barreiras, o Wrangler é descendente direto do Jeep “original”, "o veículo que venceu a segunda grande guerra", como popularizou-se no imediato pós-guerra, na década de 40 do século XX.
Com linhas clássicas mas desenho refinado e com conforto interno de um automóvel convencional, o Wrangler possui um design muito rico que, por ser único na Companhia Jeep, merece sempre campanhas de divulgação elaboradas minuciosamente, preservando o conceito da marca que já gerou pelo mundo não apenas uma legião de fãs, mas também uma legião de imitadores - no Brasil, você já deve ter visto, circula uma cópia do Wrangler, o Troller, feito em fibra de vidro e baseado no modelo Wrangler anterior a 1997.
Pouquíssimos exemplares originais circulam no país, importados entre 1997 e 2001.
Para o lançamento da nova linha 2007 na New York Auto Show, a agência BBDO de Detroit criou uma gigantesca campanha onde o modelo Wrangler, totalmente remodelado e na novíssima versão quatro portas (four-door), chamada Wrangler Unlimited, foi catalogado como uma nova espécie de inseto.
Através de uma impecável direção de arte a imagem do novo Wrangler se funde com o conceito de uma nova espécie para dar vida ao inseto “four-dooricus rockcrawlerus”.
Os anúncios impressos e posters imitavam insetos classificados e catalogados, contendo o slogan “A new species from Jeep Brand”.
A campanha também continha comerciais de televisão que seguiam o mesmo conceito das peças impressas, com produção requintada.
A Chrysler anunciou, em novembro de 2006, que voltará a importar o Wrangler em 2007.

As peças de TV da campanha podem ser assistidas nos links a seguir:

http://www.youtube.com/watch?v=f-jibKwq_bI&eurl=

http://www.youtube.com/watch?v=VafXB8d7sYA&eurl=

http://www.youtube.com/watch?v=OtIcbT6thf8&mode=related&search=

http://www.youtube.com/watch?v=KmaO-5B8uzo&mode=related&search=

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Marketing de guerrilha na moda

Não se pode falar literalmente de uma guerra, mas sim de uma concorrência feroz entre as várias marcas que procuram ganhar a lealdade dos consumidores usando para isso táticas publicitárias "agressivas" e pouco dispendiosas.
Esta estratégia é normalmente utilizada por empresas pequenas com orçamentos limitados, mas tem atualmente conquistado adeptos junto de marcas de renome como a Levi's, Nike ou Replay, cujo público-alvo são os jovens. Por definição, o marketing de guerrilha recorre a ações pouco convencionais, pouco onerosas mas com grande repercussão. A expressão foi introduzida em meados dos anos 80 pelo perito em marketing Jay. C. Levinson, mas nos anos 90 era ainda relativamente desconhecida.
A publicidade tradicional está ultrapassadaLevi's utiliza este tipo de marketing há alguns anos. Alexander Matt é o responsável pela publicidade na Alemanha. Matt passeia pelas metrópoles alemãs em busca de ditadores de tendências e estabelece contacto com eles. «Trata-se de pessoas criativas e inovadoras, denominadas de "Urban Heroes"». O passo seguinte pode ser, por exemplo, organizar um encontro entre essas pessoas, uma festa, e nessa altura apresentar o último modelo da marca. «Procuramos estar perto das pessoas».
Cada vez mais as empresas invadem o universo da música. A Replay, por exemplo, patrocinou em 2005 a banda pop estreante Klee. Nas lojas Replay foi distribuído aos clientes um CD com algumas canções inéditas juntamente com um pequeno livro em que a banda aprecia vestida com roupa da marca. O trio é hoje vestido e patrocinado pela marca de jeans. Em cooperação com a revista de música Intro, a marca italiana de jeans lançou o CD "Replay it again" com canções de Deus, Bloc Party e The Rakes. «O importante quando se opta por este tipo de ações é manter a credibilidade», afirma a relações públicas Lina Miccio.
A Diesel também patrocina jovens bandas como a Fettes Brot ou Sportfreunde Stiller. Vestir bandas ou atores é uma outra forma de fazer publicidade denominada de "Below the line" (abaixo da linha) - mídia não convencional.
Na Alemanha, 40% dos orçamentos de marketing são destinados a este tipo de publicidade, que incluiu igualmente alguns eventos no próprio ponto de venda. A base de dados da Diesel conta atualmente com 200.000 consumidores a nível mundial regularmente convidados para estes eventos.
A estratégia "Below the line" abarca também algumas ações publicitárias sutis, sem usar qualquer logotipo, que conduzem depois a grandes campanhas. Um exemplo é a última campanha da Diesel, intitulada "Dreams", na qual 25 artistas revelam sonhos estranhos em pequenos filmes. A cada sonho corresponde um provérbio que é posteriormente afixado individualmente no centro das cidades e estradas sem qualquer logótipo. «Estas ações de guerrilha devem fazer os consumidores pensar ou mesmo chocá-los. As informações que estão ligadas a emoções são as primeiras a ser absorvidas», afirma Christina Kässhöfer, responsável pelo marketing da Diesel.
Gigantes de artigos desportivos como a Adidas, Puma ou Nike também "jogam" com os seus potenciais utilizadores. São conhecidas as campanhas da Nike ligadas ao futebol que apelam às emoções dos consumidores falando de países desfavorecidos, e ficou também conhecida a sua táctica no Mundial de Futebol 2004 em que a marca distribuiu milhares de capas no estádio fazendo com que os consumidores relacionassem a Nike com a selecção brasileira quando esta era patrocinada pela Umbro. «A Nike é sempre relacionada com o marketing de guerrilha. No entanto, preferimos falar de comunicação inteligente», afirma o responsável de marketing da marca, Olaf Markhoff, apontando como exemplo o spot publicitário com o futebolista brasileiro Ronaldinho. Nesse anúncio, o craque pontapeia quatro vezes seguida a bola à trave sem tocar no chão. O anúncio foi enviado via Internet a jovens fanáticos de futebol. Pouco tempo depois toda a Alemanha discutia se de fato o que o anúncio mostrava era possível ou se se tratava de algum efeito especial.
O termo técnico para este tipo de comunicação é marketing viral. «Um bom exemplo de como sem um grande orçamento se pode ter uma grande repercussão. No caso do marketing viral o conteúdo é extremamente importante para que aconteça uma grande divulgação. É necessário que seja fora do normal e surpreendente», afirma Markhoff.
A Internet não desempenha apenas um papel muito relevante para a Nike. «Observamos os jovens bem de perto. Eles estão muito ligados à Internet: conversam, jogam e encontram-se em vários fóruns. É óbvio que temos de utilizar este meio», afirma Anne Fahr, responsável pelo marketing da Lee Jeans. No site da marca, os jovens podem colocar fotos do seu maior amor. Os mais românticos e divertidos são posteriormente colocados na cidade do vencedor. «Neste tipo de acções não se trata de promover o produto, mas sim a imagem. Os jovens são mimados e têm de ser surpreendidos. O feedback destas acções é extraordinário», afirma Fahr.
Esta guerra está ganha, mesmo que o sucesso deste tipo de marketing ainda seja bastante difícil de quantificar. Os vencedores na guerra da publicidade já não são os que dispõem de um orçamento maior, mas os que apresentam as ideias mais inteligentes.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Manifesto contra a condenação de Emir Sader

Intelectuais brasileiros lançaram nesta quarta-feira (1º) um manifesto de “veemente repúdio” contra a condenação despropositada do professor Emir Sader, por este ter escrito um artigo em que criticou declarações preconceituosas e “racistas” do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC).
No manifesto, que é encabeçado por Antonio Cândido e está aberto a adesões, os abaixo-assinados classificam a decisão judicial como um ataque ao direito de livre-expressão e à autonomia universitária – já que o juiz também determinou a demissão de Sader da universidade pública em que dá aulas.
“Ao impor a pena de prisão e a perda do emprego conquistado por concurso público, é um recado a todos os que não se silenciam diante das injustiças”, diz o texto.

Leia abaixo a íntegra do manifesto:

A sentença do juiz Rodrigo César Muller Valente, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, que condena o professor Emir Sader por injúria no processo movido pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), é um despropósito: transforma o agressor em vítima e o defensor dos agredidos em réu.
O senador moveu processo judicial por injúria, calúnia e difamação em virtude de artigo publicado no site Carta Maior (http://cartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2171), no qual Emir Sader reagiu às declarações em que Bornhausen se referiu ao PT como uma "raça que deve ficar extinta por 30 anos". Na sua sentença, o juiz condena o sociólogo "à pena de um ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída (...) por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo de um ano, em jornadas semanais não inferiores a oito horas, a ser individualizada em posterior fase de execução". O juiz ainda determina: “(...) considerando que o querelante valeu-se da condição de professor de universidade pública deste Estado para praticar o crime, como expressamente faz constar no texto publicado, inequivocamente violou dever para com a Administração Pública, motivo pelo qual aplico como efeito secundário da sentença a perda do cargo ou função pública e determino a comunicação ao respectivo órgão público em que estiver lotado e condenado, ao trânsito em julgado”.
Numa total inversão de valores, o que se quer com uma condenação como essa é impedir o direito de livre-expressão, numa ação que visa intimidar e criminalizar o pensamento crítico. É também uma ameaça à autonomia universitária, que assegura que essa instituição é um espaço público de livre pensamento. Ao impor a pena de prisão e a perda do emprego conquistado por concurso público, é um recado a todos os que não se silenciam diante das injustiças.
Nós, abaixo-assinados, manifestamos nosso mais veemente repúdio.

Antonio Candido
Flávio Aguiar
Francisco Alambert
Sandra Guardini Vasconcelos
Nelson Schapochnik
Gilberto Maringoni
Ivana Jinkings
Joao Pedro Stedile

(Os que desejarem assinar, favor enviar e-mail para solidariedadeaemirsader@hotmail.com).

terça-feira, outubro 31, 2006

O direito à festa e à luta

Emir Sader, Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2006.

Há exatamente quatro anos atrás comemorávamos – tantos de nós na Avenida Paulista, outros tantos pelo Brasil afora e para além daqui -, finalmente a vitória de Lula, a vitória do PT, a vitória da esquerda. Encontrávamos com tanta gente que colocava para fora, nas lágrimas, nos gritos, tanta coisa reprimida, que vinha de longe: da lembrança dos companheiros que não puderam comemorar aquilo conosco às frustrações acumuladas de ver o país ser despedaçado pelo governo que terminava – finalmente – derrotado naquele dia.
Comemorávamos, mas com um travo amargo na garganta. Sabíamos que era o nosso governo, mas alguma coisa nos escapava ali. Ganhávamos, fechávamos o governo FHC com sua derrota – o mais importante naquele momento -, mas se desenhavam sombras sobre a vitória, que indicavam que ela nos escapava. Da “Carta aos brasileiros” ao “Lulinha, paz e amor”, de Duda Mendonça a Palocci e – confirmando tristemente as sombras, a Henrique Meirelles -, mais do que algo nos apontava que a nossa vitória não era necessariamente nossa vitória, a vitória da esquerda, a vitória do anti-neoliberalismo, a vitória do “outro mundo possível” pelo qual estivéramos lutando tanto tempo.
Havíamos lutado contra as privatizações, havíamos lutado contra as (contra) reformas neoliberais, de menos Estado, menos políticas sociais, menos regulamentação, menos direitos trabalhistas, menos empregos formais, menos soberania, menos esfera pública, menos educação pública, menos cultura pública. Havíamos luta contra a cassação de direitos dos trabalhadores, dos aposentados, dos trabalhadores sem terra, das universidades públicas, da saúde pública. Havíamos resistido e naquele dia sentíamos que, apesar de tudo o que se havia dilapidado do país, havíamos derrotado ao projeto neoliberal de FHC, havíamos triunfado.
O dia da posse e do discurso de Lula em Brasília pareciam o ponto de chegada de mais de uma década de lutas de resistência, em que o Brasil se havia tornado depositário das esperanças da esquerda de todo o mundo. O Brasil de Lula, do PT, do MST, da CUT, de Porto Alegre, do orçamento participativo, do Fórum Social Mundial.
Nossas desconfianças se confirmaram com mais rapidez do que supúnhamos. Henrique Meirelles, manutenção da taxa de juros, superávit primário – eram pontas de iceberg mais profundo: a manutenção do modelo econômico herdado de FHC. Primeiro, chamado de “herança maldita”. Que não foi desembrulhado como pacote, para mostrar o Brasil desfeito e refeito como Bolsa de Valores nas mãos dos tucanos-pefelistas, o Brasil da privataria na educação e na cultura, do maior escândalo da história do país com a privatização das estatais – saneadas com o dinheiro público do Bndes, para em seguida ser vendida a preços de banana de novo com recursos públicos do Bndes.
Em nome da superação dessa “herança” nos foi empurrada uma (contra) reforma da previdência, que desatou um fatal desencontro entre os movimentos sociais e o governo, porque assinalava um caminho de “reconquistar a confiança do mercado” às custas de direitos sociais dos trabalhadores. O nosso governo fazia o que chegou a ser dito que fazíamos “o que FHC não tinha tido coragem de fazer” – sem dizer que era porque não teve força, pela resistência que nós lhe opusemos.
Não demorou para que o modelo – primeiro chamado de “herança maldita” – fosse perenizado, com a manutenção das taxas de juros reais mais altas do mundo, com um superávit primário mais alto que o definido pelo FMI, com a ditadura dos “contingenciamento” de recursos pela equipe econômica, que passou a ter o poder de definir quantos recursos iriam (ou não iriam) para as políticas sociais, qual o aumento possível do salário mínimo e tudo o mais que deveria ter sido a referência central do governo, se fosse para cumprir a “prioridade do social” para o qual tinha sido eleito.
Logo se perpetuou o modelo, logo se afirmou que ela era o melhor, se agradeceu em abraço ao antecessor de Lula pela herança - a partir dali rebatizada de bendita - que havia deixado e se afirmou que “dez anos eu tivesse, dez anos manteria este superávit primário”. Acompanhava-se um discurso desmobilizador, de auto-complacência, que não apontava quais eram os adversários, os que haviam produzido o pais mais injusto do mundo, que levou Lula à presidência para redimi-lo e não para pereniza-lo.
Nunca sentimos tanta amargura. Porque uma coisa era ver o pais ser despedaçado pelos que nos haviam derrotado, outra era ver uma equipe no Banco Central completamente alheia a toda a tradição dos economista do PT se dar o direito de predominar sobre o que notabilizou o PT – suas políticas sociais. Outra coisa era ver grandes empresários fazerem predominar seus interesses agro-negocios-exportadores, de disseminação dos trangênicos, sobre os sem terra, a reforma agrária, a economia familiar, a auto-suficiência alimentar no nosso governo. Outra coisa era ver as rádios comunitárias serem reprimidas em lugar de serem incentivadas, a imprensa alternativa sobreviver a duras penas, enquanto o governo continuava a alimentar os grandes monopólios anti-demcráticos da mídia privada. Outra coisa era ver os softwares alternativos serem subestimados ou descartados em favor dos grandes lobbies das corporações privadas. Pelo nosso governo.
Foi duro, foi muito duro. Talvez tivesse sido mais fácil – se tudo fosse pensado do ponto de vista da biografia individual de cada um – ter rompido, ter ido embora, ter dito tudo o que o governo merecia ouvir, com todos os tons e sons. Mas teria sido dizer que tínhamos sido irremediavelmente derrotados, que tudo o que tínhamos feito nas décadas anteriores tinha desembocado numa imensa derrota. Teria sido abandonar as trincheiras de luta que tínhamos construído com tanto esforço e sacrifício.
Dava vontade. Em certos momentos teria sido muito mais fácil deixar correr solta a palavra, aderir à teoria da “traição”, refugiar-nos nas denuncias e abandonar a possibilidade de construir uma alternativa concreta.
Como se não bastasse tudo isso, vieram os “escândalos”: Waldomiro Diniz, Roberto Jéferson, “mensalão”, “sanguessugas” – cada um como uma nova estaca no nosso coração. A imagem ética do PT, construída como a menina dos nossos olhos era revertida. Nos tornávamos o partido dos “maiores escândalos da história do país”. A palavra “petista” passava a ser revestida de uma desconfiança de “corrupção”. Nada de pior poderia acontecer a um partido que tinha nascido, crescido, se fortalecido e se tornado vitorioso com as bandeiras da “justiça social e da ética na política”. Não éramos fiéis nem a uma nem à outra.
No entanto não nos fomos. Ficamos. Seguimos tentando encontrar os fios para retomar o caminho de que nos havíamos desviado. Sabíamos que os grandes enfrentamentos ainda estavam por ser dados. Sabíamos que nossa política externa era a correta e se havia tornado essencial para o continente – agora povoado de governos progressistas, como nunca na história da América Latina. Sabíamos que nos podíamos orgulhar da Petrobrás – que quase havia se tornado Petrobrax nas mãos criminosas dos tucanos -, da autosuficiência em petróleo, de que uma das maiores empresas do mundo havia resgatado o Brasil da crise do petróleo através de uma tecnologia de pesquisa e extração de petróleo em águas profundas, com tecnologia nacional e pública. Sabíamos que a privataria na educação, que havia feito proliferar faculdades e universidades privadas como verdadeiros shopping-centers que vendiam educação como big-macs, havia terminado. Que se fortaleciam as universidades públicas, que passávamos a ter, pela primeira vez, políticas públicas de cultura, abertas à criatividade e à diversidade popular. Que Lula não era FHC, que o PT não era o PSDB. Que os movimentos sociais não eram mais criminalizados e reprimidos. Que a relação com a Venezuela, a Bolívia, Cuba, a Argentina, o Uruguai – era de irmandade e não de preconceitos de quem olha par ao Norte e para fora. Que a Alca tinha sido brecada e derrotada pela nossa política externa. Que o Brasil tinha sido o principal responsável pela reaparição do Sul do mundo no cenário internacional com o Grupo dos 20 e as alianças com a África do Sul e a Índia. Que as políticas sociais do governo, mesmo não sendo as que historicamente haviam caracterizado ao PT, mudavam, pela primeira vez o ponteiro da desigualdade – a maior do mundo, o maior desafio da história brasileira – no sentido positivo. Que nem que fosse por solidariedade com a grande maioria dos brasileiros – pobres, miseráveis, excluídos, discriminados, humilhados e ofendidos secularmente -, tínhamos que valorizar essas políticas sociais.
Ficamos também porque sabíamos que ir-se seria recair na velha e infértil tentação do refúgio no doutrinarismo – caminho justamente que o PT se havia proposta a superar. Seria retomar o velho circulo de Sísifo, interminável de avanços, vitória, “traição” e retomada da resistência. Como uma tragédia grega que havia condenado a esquerda a ter razão, mas ser sempre derrotada. A ter vergonha e desconfiança da esquerda que triunfa. Dos desafios que a construção de uma hegemonia alternativa coloca diante de nós.
Valeu a pena termos ficado, termos continuado na luta, termos acreditado que este é o melhor espaço de luta, de acumulação de forças, de construção de alternativas para o Brasil. Não porque tenhamos triunfado nas eleições . Claro que também por isso. Porque derrotamos o grande monopólio privado da mídia, demonstrando que é possível e indispensável construir formas democráticas de expressão da opinião pública, tirando-a das mãos oligopólicas das quatro famílias que se acreditavam donas do que se pensa no Brasil. Claro que porque derrotamos o bloco tucano-pefelista – e de cambulhada mandamos para a aposentadoria política a Tasso Jereissatti, a ACM, a Jorge Bornhausen, a FHC -, derrotamos a direita.
Mas principalmente porque recuperamos a possibilidade de construir um “outro Brasil” – caminho que parecia fechado em meio a tanto superávit fiscal, a taxas de juros exorbitantes, a tantas denúncias. Recuperamos, especialmente no segundo turno, porque chamamos a direita de direita. Dissemos um pouco das desgraças que eles fizeram para o Brasil – finalmente abrimos o dossiê da “herança maldita”. Criminalizamos as privatizações, possibilitando que aparecesse à superfície a condenação majoritária dos brasileiros a um processo embelezado e sacralizado pela mídia e pelos arautos do grande capital privado dentro dela. Porque apelamos à mobilização popular, porque fizemos uma campanha de esquerda no segundo turno. Porque comparamos o governo deles com o nosso que, mesmo com todas as suas fraquezas, mostrou-se inquestionavelmente superior ao deles. Foi isso que triunfou. Triunfamos pelo que mudamos, não pelo que mantivemos. Ganhamos porque nos mostramos diferentes e não iguais a eles.
Comemoramos agora de novo, na Avenida Paulista ou em tantos outros lugares – antes de tudo nesses milhões de casas de beneficiários da Bolsa Família, da eletrificação rural, dos micro-créditos, do aumento do salário mínimo, mas principalmente os dignifica, ao se sentirem contemplados e representados. Nessas casas onde nunca se duvidou que este governo é melhor que todos os outros. Que nos deram a lição da tenacidade e da resistência contra as campanhas terroristas da mídia.
Comemoramos com o mesmo travo amargo na garganta, mas com esperança e com mais confiança. Comemoramos o direito de ter outra oportunidade. Comemoramos a força que conseguimos construir e reconstruir. Comemoramos o direito de sair da política econômica conservadora que impediu o crescimento econômico e poderia bloquear a extensão do crescimento social – caso perdurasse a ditadura dos “contingenciamentos” de recursos. Comemoramos o direito de banir essa maldita expressão – “contingenciamento” – do vocabulário político do governo.
Comemoramos o direito a reabrirmos espaços de luta e de esperança que nossos erros haviam ameaçado de fechar. Comemoramos porque conseguimos nos salvar de uma derrota que teria condenado a esquerda – e com ela, o país – a muitos anos de novos retrocessos. Comemoramos porque bloqueamos a possibilidade de regressões na América Latina e seguimos nos somando aos processos de integração. Comemoramos porque neste momento assinamos acordo com a Bolívia, demonstrando que o caminho do diálogo e do entendimento com os paises amigos é o caminho correto.
Não foi fácil manter a dignidade e a esperança, mesmo durante a campanha. Mas resistimos, com dignidade, até que triunfamos. E reconquistamos o direito à esperança. Principalmente no segundo turno, com uma campanha de esquerda, de reivindicar o Brasil que queremos, enunciando os inimigos de um Brasil justo e solidário – as forças políticas, midiática, econômicas: as elites tradicionais.
Ganhamos o direito a lutar, a lutar por um governo que finalmente promova a prioridade do social, seja um governo posneoliberal, trabalhe pela construção de uma democracia com alma social.
Comemoremos, porque merecemos a vitória, apesar dos nossos erros. Mas para estar à altura da nossa vitória, temos que fazer dela uma vitória da esquerda. Uma vitória que esteja à altura do emocionante apoio que o governo recebeu, ao longo de toda a campanha, dos mais pobres, dos mais marginalizados, dos que constituem a grande maioria dos brasileiros, dos que trabalham mais e ganham menos. Dos que souberam, como ninguém, resistir à enxurrada de propaganda que a mídia despejou sobre todos. Fazer do novo governo, antes de tudo o governo deles. De todos os brasileiros, mas sobre tudo dos que sempre foram marginalizados, excluídos, reprimidos, que sempre viveram e morreram sobrevivendo, no anonimato, no silêncio, no abandono.
Comemoremos, mas juremos nunca mais deixar que o nosso governo se desvie do caminho do desenvolvimento econômico e social, das políticas de universalização dos direitos, de democratização da mídia, de socialização da política e do poder. Nunca mais aceitarmos que o nosso governo se confunda com o governo dos outros, faça e diga o que os outros disseram e nos legaram a “herança maldita”.
Comemoremos e retomemos a luta, em condições melhores, por um “outro Brasil possível”, que está ao alcance de nós, do governo, do PT, da esquerda, dos movimentos sociais, da intelectualidade crítica, das militância política e cultural. Dessa luta depende o segundo governo Lula, que conquistamos com muito sofrimento e tenacidade.
Soubemos dizer “Não à direita”, saibamos dizer “FHC nunca mais”, saibamos construir a “prioridade do social”, saibamos derrotar a direita em todos os planos, saibamos construir um Brasil justo, solidário, democrático e humanista. Para voltarmos a comemorar daqui a quatro anos, sem travos amargos, sem desconfiança, com o coração e a mente orgulhosos do país que soubemos construir.

domingo, outubro 22, 2006

Pedro Casaldáliga: votar em quem?

O segundo turno nos coloca diante de uma alternativa clara:

1. Votar em Lula é votar a favor de uma possibilidade real de política popular e na crescente construção de uma democracia que seja também econômica, social, étnico-cultural.
É votar pela liberdade de ação dos movimentos populares e pela possibilidade de cobrar do governo atual os seus melhores compromissos.
É votar pela segurança de termos, em alguns ministérios, pelo menos, ministros autenticamente bons.
É votar por uma política exterior que siga promocionando a verdadeira integração latinoamericana e caribenha, possibilitando a presença e a palavra dos povos do terceiro mundo e contestando o neoimperialismo.
Isso sim: Votando contra toda corrupção e contra toda impunidade.

2. Votar em Alckmin é votar abertamente a favor do capitalismo neoliberal, com tudo o que isso significa contra os direitos da maioría popular.
É votar a favor da minimização do estado, tornando-o impotente.
É votar a favor da flexibilização do trabalho, abafando a dignidade e as reivindicações legítimas do povo trabalhador.
É votar a favor da dilapidação do patrimônio publico em privatizações entreguistas.
É deixar de lado oficialmente toda luta contra a depredação da Amazônia, contra os transgénicos, contra o agronegócio ecocida e de só exportação.
É satanizar o movimento popular, sobretudo nas reivindicações dos povos indígenas e nas lutas pela reforma agrária contra o latifûndio e pela moradía contra a especulação imobiliaria.
É sepultar o sonho e o compromisso de uma Nossa América fraternalmente integrada.
É votar pelo velho-novo imperialismo, pelo velho-novo capitalismo das elítes privilegiadas.
É votar pela exclusão da maioría popular.

A caminhada continua, no dia a dia e com muita esperança. Um forte abraço e obrigado mais uma vez por ter apadrinhado meu filho de papel.

Pedro Casaldáliga, bispo emérito de Sao Félix do araguaia

quinta-feira, outubro 19, 2006

Entrevista com Chico de Oliveira

"Agora voto em Lula"

Para sociólogo filiado ao PSOL, campanha pelo voto nulo é um equívoco. Um futuro governo Alckmin representaria um aprofundamento das privatizações de FHC. No caso de Lula, “apesar de não esperar alterações na política econômica, há espaço para mudanças”, diz ele.

Flavio Aguiar e Gilberto Maringoni - Carta Maior

SÃO PAULO – Chico de Oliveira, 72 anos, é um dos mais respeitados sociólogos brasileiros. Pernambucano de Recife, ele é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP e coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da mesma faculdade. É autor, entre outros, do hoje clássico “Crítica à Razão Dualista/O ornitorrinco” (Boitempo). Co-fundador do PSOL depois de ter deixado o PT no ano passado, Chico fala nesta entrevista dos impasses do governo Lula, das diferenças de projetos entre as candidaturas do PSDB e do PT e explica porque, depois de votar na senadora Heloísa Helena, agora vai de Lula. A seguir, os principais trechos de sua entrevista.

Carta Maior – O que está em jogo nestas eleições?

Chico Oliveira – Há duas coisas em disputa. Há uma corrida feroz em direção aos fundos que o Estado ainda controla, como os recursos do BNDES e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). O BNDES é o maior banco de investimentos do mundo e deixa bem para trás o Banco Mundial. O Estado orienta os fundos de pensão. E há disputa pelos benefícios gerados a partir da dívida pública, que beneficiam cerca de 20 mil famílias, segundo pesquisa do professor Márcio Pochmann, da Unicamp. Essas 20 mil famílias lucram com a dívida pública, mas não a gerem. Que gere é o Estado. A diferença maior entre as orientações de Lula e de Alckmin, em termos amplos, é que o segundo promoveria uma privatização acelerada do que resta de ativos em mãos do estado. Lembremo-nos que, segundo os levantamentos de Aloysio Biondi, em dez anos, entre os governos Collor e FHC, privatizou-se cerca de 15% do PIB.

CM – Mas não há uma continuidade do projeto do governo FHC na gestão Lula? Qual a disputa real?

CO – A continuidade faz parte da disputa pela hegemonia na sociedade. Se nos lembrarmos da lição gramsciana, hegemonia é 80% consenso e 20% violência. Há um projeto em andamento na sociedade, que atrai os setores do topo e os setores miseráveis e o povão. Se Lula tem esse projeto político na cabeça, trata-se de um gênio político. Eu acho que ele não tem, pois age muito mais por intuição do que por planos pré-definidos. Ele atua levando as práticas do movimento sindical para uma esfera maior. Como se trata de disputa de hegemonia e não de uma revolução, é natural que ele não queira acirrar os ânimos em muitas situações de conflito. Ambos – PT e PSDB - têm projetos capitalistas, mas diferentes em sua forma.

CM – A elite não tem como suportar a chegada do povo sequer aos jardins da casa grande, não?

CO – Não, porque construímos um país de desigualdade abissal. Com uma situação dessas, só é possível exercer a dominação de classe sem mediações. Por isso nós tivemos, na média, durante o período republicano, um golpe ou tentativa de golpe a cada três anos. As próprias classes burguesas estão a uma distância muito grande do povo. Nessa situação, o sistema político e os partidos perdem totalmente seu sentido. Isso explica muito a aliança de Lula com Jader Barbalho, os elogios feitos a Delfim Neto e outros. É claro que os movimentos circunstanciais explicam esse tipo de aliança. Mas ela está construída num projeto mais amplo. Talvez o projeto não esteja pré-definido e venha sendo construído pelo Lula intuitivamente. Quando ele afirma ficar chateado pelo fato de os ricos não gostarem dele, está expressando esse projeto de hegemonia, de ligar dois extremos sociais. A aproximação com o Jader está dentro disso.

CM - Como o sr. vê a mudança tática que o Lula fez nas duas últimas semanas de campanha? Ele conseguiu sair do terreno que o Alckmin queria colocar o embate – o do moralismo – e passou para o da política, através do debate das privatizações.

CO – Sem dúvida ele é um tático muito bom, não sei se é um estrategista. Não sei se ele tem, alguma coisa mais consistente por trás. Se tiver, repito, trata-se de um gênio político. Mas acho que tudo funciona através da intuição.

CM – Com tudo isso, por que considerar a possibilidade de se votar em Lula no segundo turno?

CO – Acho que a reeleição é uma nova eleição. Os espaços que tínhamos em 2002, de outra forma, voltam a se apresentar, como a questão das privatizações. Esse era um tema proibido durante o governo Lula e ainda mais na era de FHC. Os que dissentiram foram marginalizados. Por que esse tema volta agora a ser central? Por que se abre uma nova disputa. Por isso, eu considero a possibilidade de se votar em Lula. Várias forças que atuaram dentro do PT voltam a ter chance de disputar esse governo. Estou disposto a voltar a correr esse risco, embora o governo não me agrade, seja capitalista e poderia ter avançado muito mais.

CM – Como o sr. vê a campanha pelo voto nulo?

CO - Acho um equívoco e não por questões morais. Há um espaço que pode se alargar. Há diferenças entre o governo Lula e um possível governo Alckmin. Não espero mudanças na política econômica, ela continuará mesma. Mas há uma pequena chance de mudança. Por isso voto em Lula agora. E devemos usar oportunisticamente o fato de Lula precisar de votos agora, para colocar reivindicações que seu governo soterrou. Temos de atacar pelo lado social.

CM - O sr. filiou-se ao PSOL e seu partido tem outra posição...

CO - Há um equívoco no PSOL neste caso. Votei no primeiro turno em Heloísa Helena. Mas logo ela começou a desandar. Ela perdeu o voto de minha mulher quando, numa entrevista para a Globo disse, sobre o tema do PCC, que multiplicaria por dez o número de prisões. Minha mulher virou-se para mim e disse: “Aqui acabou meu apoio”.

CM – Que mudanças o sr. Espera de um futuro governo Lula?

CO - Se depender apenas das forças que apóiam Lula e da dinâmica que ele ganhou em quatro anos, não haverá mudança. Dependerá de nós, de um impulso vindo de fora.Há uma crença arraigada no Brasil de que é nos manches do estado que as coisas se solucionam. Em parte é verdade. Mas para se realizarem mudanças reais é necessário ativar a sociedade civil. Temos de incentivar muita coisa para influir. Não gosto muito de usar a expressão “movimentos sociais”, porque, fora o MST, não sei onde eles estão. Temos literalmente de encher o saco de um segundo mandato de Lula. Não podemos deixar em paz um próximo governo Lula. Se ele conseguir realizar seu projeto hegemônico com as orientações atuais, o futuro será sombrio. Teríamos de construir uma plataforma mínima, com alguns pontos básicos, como dar ao Bolsa-família o status de emenda constitucional e entrega-la à Previdência social, um dos órgãos públicos mais sérios deste país. Nas privatizações, há que se auditar e reestatizar algumas atividades. Mas eu não quero colocar condicionalidades para a votar em Lula, porque ele não vai ligar para isso. Precisamos é de uma pauta para orientar nossa ação.

quarta-feira, outubro 11, 2006

A obsessão autoritária de Alckmin

Na sua propaganda eleitoral de rádio e televisão, o presidenciável Geraldo Alckmin tem se esforçado para negar a imagem do político de direita, autoritário e centralizador. Na biografia fabricada pelos alquimistas do marketing, garante que ingressou na política na luta contra a ditadura. No maior cinismo, afirma: "Eu sou de centro-esquerda, um social-democrata". Mas um rápido levantamento confirma que sua formação é realmente conservadora, com sinistras ligações com a seita fascista Opus Dei, e que a sua atuação como governador de São Paulo foi marcada pela criminalização dos movimentos populares, pela montagem de uma equipe excludente de tecnocratas, a "turma de Pinda", e pelo total desrespeito ao Poder Legislativo. Natural de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, desde a infância ele conviveu em sua própria casa com políticos reacionários, alguns deles envolvidos na conspiração que resultou no golpe militar de 1964, e com simpatizantes do Opus Dei, seita religiosa que cresceu sob as bênçãos do ditador espanhol Augusto Franco.
Seu pai militou na União Democrática Nacional (UDN), principal partido golpista deste período; um tio foi prefeito de Guaratinguetá pelo mesmo grupo; outro foi professor do Mackenzie, um dos centros da direita fascista. Alckmin ingressou na política em 1972, convidado pelo antigo MDB para disputar uma vaga de vereador. Na ocasião, diante do convite formulado por seu colega do curso de medicina, José Bettoni, respondeu: "Mas meu pai é da UDN", talvez temeroso dos seus laços familiares com a ditadura.

Bajulador da ditadura militar

Até hoje, Alckmin se gaba de ter sido um dos vereadores mais jovens do país, com 19 anos, e de ter tido uma votação histórica neste pleito - 1.147 votos (cerca de 10% do total). Mas, segundo o depoimento de Paulo de Andrade, presidente do MDB nesta época, outros fatores interferiram nesta sua eleição. O tio de Alckmin, José Geraldo Rodrigues, acabara de ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal pela ditadura. "Ele transferiu prestígio para o sobrinho". A outra razão era histórica. Geraldo é sobrinho-neto do folclórico político mineiro José Maria Alckmin, que foi o vice-presidente civil do general golpista Castelo Branco. "Ter um Alckmin no MDB era um trunfo [para o regime militar]', diz Andrade". Tanto que o jovem vereador se tornou um bajulador da ditadura. Caio Junqueira, em um artigo no jornal Valor (03/04/06), desenterra uma carta em que ele faz elogios ao general Garrastazu Médici, "que tem se mostrado sensível aos problemas sociais, trabalhistas e previdenciários do que trabalham para a grandeza do Brasil". Como constata o jornalista, Alckmin sempre se manteve "afastado de qualquer movimento de resistência ao regime militar... Ao contrário das personalidades que viriam a ter fundamental papel em sua trajetória política, relacionava-se bem com o regime. O tom afável do documento encaminhado a Médici, sob cujo governo o Brasil viveu o período de maior repressão, revela a postura de não enfrentamento da ditadura militar, fato corroborado pelos relatos de colegas de faculdade e políticos que com ele atuaram".

Homenagem ao Opus Dei

Em 1976, Alckmin foi eleito prefeito da sua cidade natal por uma diferença de apenas 67 votos e logo de cara nomeou seu pai como chefe de gabinete, sendo acusado de nepotismo. Ainda como prefeito, tomou outra iniciativa definidora do seu perfil, que na época não despertou muitas suspeitas: no cinqüentenário do Opus Dei, em 1978, ele batizou uma rua de Pinda com o nome de Josemaría Escrivá de Balaguer, o fundador desta seita fascista. Na seqüência, ele foi eleito deputado estadual (1982) e federal (1986). Na Constituinte, em 1998, teve uma ação apagada e recebeu nota sete do Diap; em 1991, tornou-se presidente da seção paulista do PSDB ao derrotar o grupo histórico do partido, encabeçado por Sérgio Motta. Em 1994, Mario Covas o escolheu como vice na eleição para o governo estadual. Já famoso por sua ação pragmática e de "rolo compressor", coube-lhe a função de presidente do Conselho de Desestabilização do Estado. As privatizações das lucrativas estatais foram feitas sem qualquer transparência ou diálogo com a sociedade - gerando várias suspeitas de negócios ilícitos. Nas eleições para prefeitura da capital paulista, em 2000, obteve 17,2% dos votos, ficando em terceiro lugar. Com a morte de Mário Covas, em março de 2001, assumiu o governo e passou a mudar toda a sua equipe, gerando descontentamento até mesmo em setores do PSDB. Em 2002, Alckmin foi reeleito governador no segundo turno, com 58,6% dos votos.

A turma de Pinda

Numa prova de sua vocação autoritária, um de seus primeiros atos no governo estadual foi a nomeação do delegado Aparecido Laerte Calandra - também conhecido pela alcunha de "capitão Ubirajara", que ficou famoso como um dos mais bárbaros torturadores dos tempos da ditadura - para o estratégico comando do Departamento de Inteligência da Polícia Civil. Com a mesma determinação, o governador não vacilou em excluir os históricos do PSDB do Palácio dos Bandeirantes, cercando-se apenas de pessoas de sua estrita confiança e lealdade - a chamada "turma de Pinda". Atuando de maneira impetuosa e inescrupulosa, ele passou a preparar o terreno para impor sua candidatura à presidência da República no interior do partido. Num artigo intitulado "Como a turma de Pinda derrotou os cardeais tucanos", o dirigente petista Joaquim Soriano descreve a postura excludente do ex-governador. "Alckmin nasceu em Pindamonhangaba, lá foi vereador e prefeito. Foi deputado estadual e federal. Foi vice de Covas, do qual se diz herdeiro. Herdou o governo e logo tratou de colocar a turma de Covas para fora. Ocupou os lugares com seus fiéis. Na turma do Alckmin não tem intelectuais nem economistas famosos, como é do gosto dos tucanos". Sua equipe é formada por pessoas sem tradição na história política nacional; é composta por tecnocratas subservientes. Esta conduta centralizadora é que explicaria, inclusive, a resistência de áreas do PSDB a sua candidatura.

Governador truculento

Como governador de São Paulo, Alckmin nunca escondeu sua postura autoritária. Sempre fez questão de posar como inflexível, como um governante avesso ao diálogo. Ele se gabava das suas ações "enérgicas" de criminalização dos movimentos sociais e de satanização dos grevistas. Não é para menos que declarou entusiástico apoio à prisão de José Rainha, Diolinda e outros líderes do MST no Pontal do Paranapanema; aplaudiu a violenta desocupação dos assentados no pátio vazio da Volks no ABC paulista e em outras ocupações de terras urbanas ociosas; elogiou a prisão do dirigente da Central dos Movimentos Populares (CMP), Gegê; e nunca fez nada para investigar e punir as milícias privadas dos latifundiários no estado. Durante seu reinado, o sindicalismo não teve vez e nem voz. Ele se recusou a negociar acordos coletivos, perseguiu grevistas e fez pouco caso dos sindicalistas. Que o digam os docentes das universidades, que realizaram um das mais longas greves da história e sequer foram recebidos; ou os professores das escolas técnicas, que pararam por mais de dois meses, não foram ouvidos e ainda foram retalhados com 12 mil demissões. "O governo estadual mantém a mesma política de arrocho salarial de FHC, com o agravante de reprimir, não só com a força policial, mas com diversos mecanismos arbitrários, o legítimo direito de greve dos servidores", protestou o ex-presidente da CUT, Luis Marinho, atual ministro do Trabalho.

A linguagem da violência

Os avanços democráticos no país não tiveram ressonância no estado. Ele sabotou a implantação de fóruns de participação da sociedade, como o Conselho das Cidades, criados pelo governo Lula. O movimento de moradia promoveu vários atos criticando o desrespeito à Lei nº. 9.142, que prevê a aplicação de 10% do ICMS em casas populares, e exigindo a criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Habitacional. "Há mais de dois anos que o governador dá as costas para o movimento social e o movimento sem teto de São Paulo", criticou Benedito Barbosa, líder da CMP, durante um protesto em agosto de 2004. Veruska Franklin, presidente da Facesp, também condenou "o autoritarismo e a truculência de Geraldo Alckmin". Avesso ao diálogo e à democracia, a única linguagem entendida pelo ex-governador é o da repressão dura e crua. Isto explica sua política de segurança pública, marcada pelo total desrespeito aos direitos humanos e que tornou o estado num grande presídio. Semanalmente, 743 pessoas são depositadas em penitenciárias superlotadas de São Paulo - já são 124 mil detentos para 95 mil vagas. Segundo relatório da Febem, o ex-governante demitiu 1.751 funcionários e, hoje, 6.500 menores vivem em condições subumanas, sofrendo maus-tratos. Nos últimos quatro anos, 23 adolescentes foram assassinados nestas escolas do crime, o que rendeu a Alckmin uma condenação formal da Corte Internacional da OEA. Dados da Unicef revelam que o Estado concentra as piores taxas de homicídios de jovens do país: 16,3 mil por ano ou 107 por dia.

A submissão dos poderes

Contando com forte blindagem da mídia, que reforçou a caricatura do governador como um "picolé de chuchu", insosso e anódino, Alckmin conseguiu submeter quase que totalmente o Poder Judiciário, que hoje está infestado de tucanos enrustidos, e garantir uma maioria servil no Poder Legislativo. Através de um artifício legal do período da ditadura militar, o atual "paladino da ética" abortou 69 pedidos de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) na Assembléia Legislativa de São Paulo - destas, 37 tinham sido solicitadas para investigar irregularidades, fraudes e casos de corrupção da sua administração. Este abuso autoritário só recentemente foi superado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou que o tal dispositivo fere o artigo 58, parágrafo 3º da Constituição e liberou a instalação das CPIs. Como sintetiza o sociólogo Rodrigo Carvalho, no livrete "O retrocesso de São Paulo no governo tucano", Geraldo Alckmin marcou sua gestão pela forma autoritária como lidou com a sociedade organizada e pelo rígido controle que exerceu sobre os poderes instituídos e a mídia. "Alckmin trata os movimentos sociais como organizações criminosas, não tem capacidade de dialogar e identificar as demandas da sociedade... Além disso, ele utilizou sua força política para impedir qualquer ação de controle e questionamento das ações do governo". Esta conduta abertamente antidemocrática, que não nega sua formação política, é que "conquistou o respeito dos maiores industriais, banqueiros e latifundiários de São Paulo" e que o projetou para a disputa da presidência da República, derrotando inclusive alguns tucanos históricos.

(Por Altamiro Borges)

terça-feira, outubro 10, 2006

Carta Aberta aos Eleitores Cristãos

A 29 de outubro escolheremos quem governará o Brasil nos próximos 4 anos: Lula ou Alckmin. Os dois são cristãos. Os dois nunca deram mostras de tendência fundamentalista, a de querer submeter a política à autoridade de uma Igreja ou religião.
A política é laica, ou seja, neutra em matéria de religião. Ela visa ao conjunto da população, sem levar em conta as convicções religiosas do cidadão ou cidadã. A todos o governo tem a obrigação de servir, assegurando-lhes direitos, proteção e o mínimo de bens para que possam viver com dignidade.
Se nenhuma religião tem o direito de tutelar a política, isso não significa que a política deva se confinar no pragmatismo do jogo de poder. A política se apóia em valores éticos. E nós, cristãos, temos como fonte de valores a Palavra de Jesus. É à luz do Evangelho que avaliamos todas as esferas da atividade humana, inclusive a política ­ que é a mais importante delas, pois influi em todas as outras.
Para Jesus, o dom maior de Deus é a vida. Está mais próxima do Evangelho a política que favorece condições dignas de vida à maioria da população. É neste ponto que as políticas do PSDB e do PT ganham contornos diferentes. Os dois partidos tiveram desvios éticos? Sem dúvida. Como ironiza Jesus, atire a primeira pedra quem não tem pecado. Errar é humano. Persistir no erro é abominável. Se um membro da família erra, não se pode condenar por isso toda a família. O grave é quando a família toda abraça o caminho do erro.
Este foi o caso do PSDB, partido de Alckmin, nos 8 anos em que FHC (Fernando Henrique Cardoso) governou o Brasil (1994-2002). Empresas públicas foram privatizadas. Grandes empresas brasileiras ­ Vale do Rio Doce, Embratel, Telebrás, Usiminas etc - patrimônios do povo brasileiro, cujos lucros engordavam os cofres do Estado, foram vendidas a preço de banana, e os lucros passaram a ser embolsados por corporações privadas, muitas delas estrangeiras.
Lula não privatizou o patrimônio público. Eleger Alckmin pode ser o primeiro passo para a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e dos Correios.
No governo FHC, as políticas sociais eram tímidas e assistencialistas. O Comunidade Solidária era uma iniciativa nanica comparada à grandiosidade do Bolsa Família, que hoje distribui renda para mais de 40 milhões de pessoas. Graças a isso, de cada 100 brasileiros que viviam na miséria, nos últimos 4 anos 19 passaram à classe média.
Durante o governo Lula houve, sim, desvios éticos: o caso Waldomiro Diniz; o "mensalão" e os "sanguessugas"; a quebra do sigilo bancário do caseiro de Brasília; o dossiê contra Serra. Não há nenhuma prova de que o presidente soubesse antecipadamente dessas operações inescrupulosas. E ao virem a público, ele tratou de demitir os envolvidos.
No governo FHC, dinheiro público foi usado para tentar socorrer bancos privados: o Proer. O Banco Econômico recebeu R$ 9,6 bilhões. Instalou-se uma CPI que, controlada pelo Planalto, justificou a maracutaia e nunca investigou a Pasta Rosa que continha os nomes de 25 deputados federais subornados pelo Econômico.
Houve ainda os casos dos precatórios; da compra de votos para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC; do socorro aos bancos Marka e FonteCidam no valor de R$ 1,6 bilhão (os tucanos impediram a instalação da CPI para investigar o caso); as falcatruas na Sudam etc. Nada foi apurado, porque o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, conhecido como "engavetador-geral", engavetou, até maio de 2001, 242 processos contra o governo e arquivou outros 217, livrando os suspeitos de qualquer investigação: 194 deputados federais, 33 senadores, 11 ministros e ex-ministros, e o próprio presidente da República.
O governo FHC tratou os movimentos populares como caso de polícia, e não de política. Remeteu o Exército para reprimir o MST e os petroleiros em greve. Lula jamais criminalizou movimentos sociais e, sob o seu governo, a Polícia Federal levou à prisão gente graúda, dos donos de uma grande cervejaria a juízes, e inclusive petistas envolvidos no caso do dossiê anti-Serra.
O governo Lula reforçou a soberania do Brasil. Repudiou a Alca proposta pelo governo Bush; condenou a invasão do Iraque; visitou a cada ano países da África; abriu as portas de nossas universidades a negros e indígenas; estendeu energia elétrica aos mais distantes rincões; manteve a inflação sob controle; impediu a alta do dólar; reduziu os preços dos gêneros de primeira necessidade; ampliou o poder aquisitivo dos mais pobres, através do aumento do salário mínimo.
Lula ainda nos deve muito do que prometeu ao longo de suas campanhas presidenciais, como a reforma agrária. Porém, o Brasil e a América Latina serão melhores com ele do que sem ele. Se você está convencido disso, trate de convencer também outros eleitores.
Vamos votar na vida ­ e "vida para todos" (João 10,10). Vamos reeleger Lula presidente!


By Frei Betto. Frade dominicano e escritor, autor de 53 livros, Frei Beto é assessor de movimentos sociais.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Porque são pobres, nordestinos e negros

Talvez por embutir um corte social no eleitorado inédito, este processo eleitoral transborda preconceitos. Primeiro, a análise do fenômeno sociológico do voto do pobre, descolado de formadores de opinião, derivou para o preconceito do "voto vendido" por um prato de comida, simbolizado pelo Bolsa Família. Depois, o voto nordestino foi colocado no mesmo saco do coronelismo, como se tivesse ocorrido uma negociação individual desse eleitor com o candidato a presidente. Agora, entrou em cena o voto dos negros (que, nas pesquisas, são a soma dos pretos e pardos). A última conclusão, derivada da pesquisa do Ibope da semana passada, é que os negros dão menos importância à ética que os brancos - e por isso tenderiam a eleger, em sua maioria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se a elite brasileira não jogar fora seus preconceitos, será difícil entender o que ocorre nessas eleições. Falta enxergar um pouco a realidade social desse país. A começar pela realidade dos negros, entre eles, em especial, dos pretos. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2005, elaborada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a partir da PNAD 2004 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), os negros representam 48% da população, mas são 66,6% dos 10% mais pobres e 15,8% dos 1% mais ricos. Os trabalhadores negros recebem cerca de 2 salários mínimos por mês, enquanto os brancos ganham 3,8 salários, em média. A taxa de analfabetismo dos negros é de 16%, mais do que o dobro da dos brancos, de 7%. Isso não é tudo. A personificação do preconceito embutido na avaliação do voto do negro são as estatísticas de morte pela polícia. Segundo pesquisa de Marcelo Paixão, da ONG Fase, em 2001, enquanto os pretos representavam 11% da população do Rio, eram 32,5% dos mortos pela polícia; os pardos, que eram 34% da população do Estado, representavam 21,8% dos mortos pela polícia; e os brancos, 54,5% da população, eram 19,7% dos mortos pela polícia. O levantamento foi feito entre janeiro de 1998 e setembro de 2002 e os dados populacionais são do Censo de 2000. Segundo estudo coordenado pelo sociólogo Ignacio Canno para o Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005, a taxa de homicídio de negros , entre janeiro de 1993 e julho de 1996, era 1,9 vez maior que a dos brancos. Por esse quadro, não precisa ser um especialista para concluir que a população negra está mais exposta aos benefícios do Bolsa Família e do aumento do poder de compra do salário mínimo. Ainda assim, dado o grau de pobreza do negro - além de 64% dos pobres, representam 68% dos indigentes, segundo números de 2001 - não parece que a situação dada seja totalmente satisfatória: 25% dos negros entrevistados pelo Ibope na semana passada se diziam insatisfeitos em relação à vida que levam, contra 21% dos brancos; 62% dos pretos se declararam satisfeitos, contra 69% dos brancos. Processo eleitoral transborda preconceitos Na sondagem de intenção de voto, não parece que as preferências dos pretos se descolem dos índices dos mais pobres: na pesquisa espontânea, o presidente Lula teria 60% dos votos dos pretos entrevistados; entre todos que ganham até um salário mínimo, captaria 67% dos votos, e 54% entre os que ganham de 1 a 2 salários mínimos. Segundo a pesquisa, 64% dos negros aprovam a maneira como Lula conduz o país e 62% dos pardos também - contra 48% dos brancos. Os negros aprovam mais a administração Lula porque são negros, ou porque são pobres? Entre os entrevistados que ganham até 1 salário mínimo, 68% dizem que aprovam; dos que ganham de 1 a 2 salários mínimos, 59% responderam a mesma coisa. No Nordeste, 72% dos entrevistados afirmaram que aprovam a maneira como Lula vem administrando o país. Responderam isso porque são pobres, negros ou nordestinos? E o que a pergunta embute? A forma de administrar o país é qual? Depois de perguntar em quem o entrevistado votou no segundo turno das eleições de 2002, o Ibope formula a seguinte pergunta: "Você votaria ou não votaria em um político acusado de corrupção, ou citado em algum caso de corrupção?". Respondem que votariam 7% dos brancos, 11% dos pretos e 8% dos pardos - o que, na linguagem de pesquisa, estaria dentro da margem de erro. À pergunta de qual o partido mais ético, o PT ganhou, com 18% - no Nordeste, 28% dos entrevistados tinham essa opinião; 26% dos negros e 19% dos pardos achavam a mesma coisa. Por que acham isso? Porque são pretos, pobres ou nordestinos? O PT ganhou também no quesito "menos ético": 31% dos entrevistados consideraram assim - no Nordeste e na faixa de renda familiar de até um salário mínimo, essa opinião decresce para 21% dos entrevistados. Entre os brancos, 34% acham que o PT é o partido mais corrupto; entre os pretos, 23% e, entre os pardos, 28%. Se pretos e pardos votam em sua maioria em Lula, e se consideram menos que os brancos que o PT é corrupto - e mais que os brancos que o PT é menos corrupto - por que então a conclusão de que Lula tem mais votos dos negros porque eles têm menos apego à ética? Se a elite brasileira aprendeu só esse tortuoso travo racial de um processo eleitoral que é rico pelo que ele tem de novo, pobre deste país. Mais pobre que os pobres, os pretos e os nordestinos. Seria o caso dessa elite começar a tentar responder outras perguntas. A primeira delas é: por que ocorreu um corte social tão profundo nessas eleições? A segunda: por que os partidos não acompanharam esse movimento, muito pelo contrário, acabaram por facilitar a personalização desse corte na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? A última: por que a elite, em vez de fazer a reflexão sobre a realidade social do país, assume um discurso que pretende criminalizar a pobreza por uma escolha democrática? A escolha do pobre não é crime. Reflete anseios, um descaso secular, uma distância profunda dos ricos. É uma escolha racional.

Valor Econômico, 28/09/06. Maria Inês Nassif

terça-feira, outubro 03, 2006

Chico Buarque: lucidez e coerência

A cada uma de suas entrevistas, o compositor e cantor Chico Buarque de Holanda sempre surpreende por sua lucidez e enorme coerência.Agora, no lançamento do seu novo CD, Carioca, ele novamente brilhou ao falar sobre a situação política brasileira.
A direita deve ter ficado furiosa, com saudades dos tempos da ditadura militar que o perseguiu e censurou; a esquerda "rancorosa" deve ter ficado ressentida com seus irônicos comentários; já os setores da sociedade que, mesmo críticos das limitações do governo Lula, não perderam a perspectiva, ganharam novo impulso criativo para a sua atuação.
Mas é melhor deixar o poeta falar, pinçando trechos das suas entrevistas na revista Carta Capital e no jornal Folha de S.Paulo:

Sobre a crise política:

É claro que esse escândalo abalou o governo, abalou quem votou no Lula, abalou sobretudo o PT. Para o partido, esse escândalo é desastroso. O outro lado da moeda é que disso tudo pode surgir um partido mais correto, menos arrogante. No fundo, sempre existiu no PT a idéia de que você ou é petista ou é um calhorda. Um pouco como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro (risos). Agora, a crítica que se faz ao PT erra a mão. Não só ao PT, mas principalmente ao Lula. Quando a oposição vem dizer que se trata do governo mais corrupto da história do Brasil é preciso dizer 'espera aí'. Quando aquele senador tucano canastrão diz que vai bater no Lula, dar porrada, quando chamam o Lula de vagabundo, de ignorante - aí estão errando muito a mão. Governo mais corrupto da história? Onde está o corruptômetro? É preciso investigar as coisas, sim. Tem que punir, sim. Mas vamos entender melhor as coisas. A gente sabe que a corrupção no Brasil está em toda parte. E vem agora esse pessoal do PFL, justamente ele, fazer cara de ofendido, de indignado. Não vão me comover...

Preconceito de classe:

O preconceito de classe contra o Lula continua existindo - e em graus atémais elevados. A maneira como ele é insultado eu nunca vi igual. Acaba inclusive sendo contraproducente para quem agride, porque o sujeito mais humilde ouve e pensa: 'Que história é essa de burro!? De ignorante!? De imbecil!?'. Não me lembro de ninguém falar coisas assim antes, nem com o Collor. Vagabundo! Ladrão! Assassino! - até assassino eu já ouvi. Fizeram o diabo para impedir que o Lula fosse presidente. Inventaram plebiscito, mudaram a duração do mandato, criaram a reeleição. Finalmente, como se fosse uma concessão, deixaram Lula assumir. 'Agora sai já daí, vagabundo!'. É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu o luxo de ocupar a Casa Grande. 'Agora volta pra senzala!'. Eu não gostaria que fosse assim.

Eu voto no Lula!

A economia não vai mudar se o presidente for um tucano. A coisa está tão atada que honestamente não vejo muita diferença entre um próximo governo Lula e um governo da oposição. Mas o país deu um passo importante elegendo Lula. Considero deseducativo o discurso em voga: 'Tão cedo esses caras não voltam, eles não sabem fazer, não são preparados, não são poliglotas'.Acho tudo isso muito grave.Hoje eu voto no Lula. Vou votar no Alckmin? Não vou. Acredito que, apesar de a economia estar atada como está, ainda há uma margem para investir no social que o Lula tem mais condições de atender. Vai ficar devendo, claro. Já está devendo. Precisa ser cobrado. Ele dizia isso: 'Quero ser cobrado, vocês precisam me cobrar, não quero ficar lá cercado de puxa-sacos'. Ouvi isso dele na última vez que o vi, antes dele tomar posse, num encontro aqui no Rio.

Sobre o PSOL:

Percebo nesses grupos um rancor que é próprio dos ex: ex-petista, ex-comunista, ex-tudo. Não gosto disso, dessa gente que está muito próxima do fanatismo, que parece pertencer a uma tribo e que quando rompe sai cuspindo fogo. Eleitoralmente, se eles crescerem, vão crescer para cima do PT e eventualmente ajudar o adversário do Lula.

Papel da mídia:

Não acho que a mídia tenha inventado a crise. Mas a mídia ecoa muito mais o mensalão do que fazia com aquelas histórias do Fernando Henrique, a compra de votos, as privatizações. O Fernando Henrique sempre teve uma defesa sólida na mídia, colunistas chapa-branca dispostos a defendê-lo a todo custo. O Lula não tem. Pelo contrário, é concurso de porrada para ver quem bate mais.

terça-feira, julho 04, 2006

Bússola profissional

Na Vanguarda, agência que fundei em 1991, seguimos diretrizes. Cotejadas aqui e ali, copiadas descaradamente de fontes anônimas ou não, elas não são nossas no sentido de terem sido criadas e inventadas aqui. São produtos da observação e da assimilação graduais de diferentes fontes, como a propaganda e a cultura também o são.
Mas essas diretrizes têm nos valido de barricada dia após dia nesses 15 anos de estrada e de batalhas.
Todos podem reescrever algumas delas ou acrescentar outras diretrizes, mas lembre-se que apenas a experiência dirá se a nova regra terá validade suficiente para ser mais um saco de areia em nossa barricada.

1. Tenha um ídolo.
Uma pessoa, um conceito, uma campanha que você admira. Mas tenha um ídolo, uma referência. Uma celebridade não é um ídolo. Da celebridade você quer a imagem, do ídolo você quer o exemplo. Os ídolos são ícones, marcam a sua vida. As celebridades passam, em seu desfile interminável de futilidades. Um ídolo mostra que podemos ser eternos. Uma celebridade mostra que podemos ser efêmeros. Tenho um ídolo, coloque seu poster na parede. E esqueça as celebridades.
2. Acredite em você.
Seja o melhor você que você puder ser. Um dia, você vai ser melhor que o seu ídolo. Almeje isso. Até porque, por melhor que seja, o seu ídolo ou referência pode ser tudo, mas jamais poderá ser você ou o resultado do trabalho que só você será capaz de fazer.
3. Acredite nas suas idéias mas as deixe viver.
Produzimos e vendemos idéias e, às vezes, nos apaixonamos por elas. Mas não a produzimos para serem nossas crias eternas e intocadas. Como os filhos, a fazemos para o mundo e no mundo, elas tomam o seu destino. Acredite: há clientes cruéis. Alguns não discutem. Mudam a criação e pronto. Se aceitarmos trabalhar com ele, aceitamos seus métodos e sua tirania. Mas se temos espaço, devemos lutar pelas idéias porque sabemos que todos “não” é assassino. Contudo, se por trás do “não” existir uma boa explicação ou raciocínio que convença você, você não tem mais um “não”. Você tem um novo briefing. E vai poder fazer melhor.
4. Seja uma esponja.
Absorva tudo, tudo, propaganda, tecnologia, sociologia, história em quadrinhos, grafite, clássicos, best-sellers, jornais, revistas, vídeos, políticos, antropólogos, música erudita, pagode, Freud e a sua vizinha, Tour D’Argent em Paris e o botequim pé-sujo da esquina, Umberto Eco e a sua empregada, Gore Vidal e Amaury Silveira, shopping center e padaria, supermercado e camelôs, hipermercados e internet.
5. Saiba ouvir.
Ouvir o cliente, ouvir o mercado, ouvir o consumidor, ouvir quem está a sua volta. Antes de dizer ao público o que ele precisa é preciso descobrir o que ele deseja. Mas depois de ouvir muito e absorver o que ouviu, quando todos estiverem falando da mesma coisa, ou pensando a mesma coisa, pense em outra.
6. Faça mais, mais, mais.
Sempre mais. Vista a camisa de cada produto, serviço ou problema. E sue muito esta camisa. Uma idéia sempre pode ser melhorada. Mesmo depois de pronta. Mesmo depois de veiculada. O que fez o brasileiro chorar a desclassificação do Brasil na Copa de 2006 não foi a derrota, mas a apatia do time. Mostre que você vai em dividida, que dá carrinho, que luta para que seu cliente vença. É para isso que ele nos paga.
7. Aprenda as regras da profissão.
Uma por uma, aprenda todas as regras. E, se for preciso, quebre todas. Mas depois de aprender, e se for preciso. Com conhecimento e consistência. E nunca esqueça que as regras da profissão são muitas vezes a sua maior arma.
8. Mergulhe no problema a ser resolvido.
E voe para fora dele. Mas nunca mergulhe tão fundo que não possa voltar. Nem voe tão alto que não possa descer. As soluções sempre estão dentro do problema e não fora dele. Mas às vezes é preciso sair dele para ver melhor.
9. Cuidado com o poder da publicidade.
A nossa profissão dá muitas vezes a sensação de poder. E o poder é poderosamente traiçoeiro. Recomenda-se o seu uso com alta dose de moderação. Mas, ao mesmo tempo, tenha sempre a certeza de que é o máximo trabalhar numa profissão que mexe com o coração, o fígado, a mente e as fantasias das pessoas.
10. Não seja gênio.
Ninguém, nem o gênio, consegue ser genial todo dia. O importante não é o brilho ofuscante ou o estrelismo de um dia. Mas a conduta, o caráter, a consistência, a qualidade média acima da média e ao longo do tempo. Não queira ser uma estrela, mas sim um planeta.
11. Trabalhe 24 horas por dia.
Se possível, invente a 25ª hora. A comunicação e a idéia não têm hora nem lugar para acontecer. Pode ser no escritório, em casa, na rua, no botequim, na praça ou no banheiro. E tenha uma relação de amor com o trabalho. Ninguém faz bem aquilo que não ama. Lembre-se também de que a relação com um cliente, qualquer cliente, é feita de mil e um detalhes, mas todos só serão construídos se houver um detalhe fundamental: confiança. Sem a confiança dos dois lados, nada dará certo. Finalmente, nunca se esqueça de que – mais do que criação – a nossa profissão é feita de inteligência. As pessoas e sua inteligência são o principal ativo de uma agência.
12. Seja honesto. Diga a verdade. Não há contra-indicações conhecidas para isso.

sexta-feira, junho 30, 2006

A tática arranca-toco não deu certo

Fernando Pedreira, em sua coluna de hoje: “Nos últimos 30 dias, como se viu na TV, PSDB (menos) e PFL (mais) atacaram fortemente Lula, o PT e administração federal petista. Basicamente, tucanos e pefelistas disseram ao eleitor que Lula e o PT são ruins de governo e que flertaram com a corrupção. Essa estratégia é defendida fortemente pelo PFL e pelo prefeito do Rio de Janeiro, César Maia. Pode ser que mais adiante a tática tucano-pefelê dê resultado. Quem sabe. Até agora, o efeito foi nulo para minar as intenções de voto a favor do petista”. E conclui: “a estratégia arranca-toco de PSDB e PFL não surtiu o efeito desejado no que diz respeito a diminuir a intenção de voto em Lula”.
Na verdade, o suposto “crescimento” de Alckmin é um espasmo resultante da desistência de outros possíveis candidatos de oposição. Nada mais que isso. Especialistas chamariam a isso de "acomodação geológica", ou seja, sedimentação do terreno.
Lula tinha 45% em 23-24/maio. Hoje, tem 46% (pesquisa de 28-29/junho). Os 7 pontos de Alckmin não surgem de um crescimento do eleitorado dele a partir de um descolamento de eleitores até então aderidos ao candidato petista. Têm origem na parte de baixo da tabela, ou seja, numa migração natural em uma eleição polarizada desde o começo. Enéas saiu do páreo e seus 4 pontos desembocaram no PSDB. Heloísa Helena (PSOL) oscilou de 7% para 6%. Outro que sumiu do mapa foi Roberto Freire e seus 2%. Basta somar: 4% de Enéas + 1% de Heloísa Helena + 2% de Roberto: resultado, 7 pontos percentuais.
Além desse fator existe um outro, adicional. A campanha pró-Alckmin corre solta na TV e no rádio, ao arrepio da Lei. O Presidente do TSE, que não esconde sua preferência pelo tucanato e sua hostilidade ao candidato petista, faz ouvidos de mercador aos apelos da CUT para tornar mais equanime o processo de disputa, hoje desiquilibrado na mídia pro-PSDB/PFL.
Ou seja, mesmo jogando sozinho, Alckmin não é capaz de virar o jogo.

De bois, pesquisas e postes

A revoada de bois alados que cruzam os céus do Pará nesse momento político e a proliferação de pesquisas eleitorais de encomenda que circulam nos bastidores para embalar sonhos, interesses e egos me fizeram recordar algumas lições do mestre David Ogilvy, um dos maiores gênios da publicidade mundial. É dele a pérola: "algumas pessoas usam pesquisa como um bêbado usa um poste: para apoio, em vez de iluminação".

quinta-feira, junho 29, 2006

Impedimento

Enquanto grandes marcas esportivas investem milhões em patrocínio das seleções que disputam a Copa do Mundo da Alemanha, trabalhadores asiáticos que fabricam as chuteiras e os uniformes dos jogadores ganham pouco mais de R$ 10 por dia.
A denúncia é da organização não governamental Oxfam International, que no fim de maio divulgou amplo estudo sobre o tema.
Além dos baixos salários, os funcionários não teriam direito de se organizar em sindicatos, seriam submetidos a assédio sexual e a trabalhar em péssimas condições de trabalho, denuncia a ong no estudo que apropriadamente se chama offside! - Labor rigths and sportwear production in Asia (Impedimento! Direitos trabalhistas e Produção de Roupa Esportiva na Asia).

quarta-feira, junho 28, 2006

o céu
era açuc
ar
lu
minoso
comestível vivos
cravos tímidos limões verdes
frios s
choc
olate
s.
so
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mo
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ndo
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letas.

Nascido Edward Eastlin Cumunings em 14 de outubro de 1894, em Cambridge, Massachusetts, ee cummings (assim mesmo, em minúsculas) é um personagem da poesia mundial. Sobre ele Augusto de Campos escreveu: “Abominado por críticos e poetas conservadores, cummings mereceu, em contrapartida, a admiração de escritores do porte de Marianne Moore, William Carlos William, John dos Passos e Ezra Pound”.
De Campos, um dos maiores estudiosos da obra de cummings e do melhor da poesia universal escreveu um belo resumo biográfico que apresentamos aqui, com ligeiras modificações e recortes a nosso critério.
cummings estudou em Harvard, de 1911 a 1915, onde especializando-se em literatura grega. Voluntário na 1ª Grande Guerra, servindo no corpo de ambulâncias norte-americano na França, passou por uma dura experiência. Preso, por engano, com seu amigo Slater Brown, que escrevera cartas que desagradaram ao censor francês, foi enviado a um campo de concentração (La Ferté Macé), em Orne, e ali ficou detido, incomunicável, por três meses, sem qualquer culpa, até ser libertado em dezembro de 1917. The Enormous Room, publicado em 1922, são as suas “memórias do cárcere" em prosa não-convencional; segundo Hemingway, "um clássico", "uma obra que não se parece a nenhuma outra".
Nos anos 20 e, mais tarde, em 1931, visitou Paris, onde morou por algum tempo, e outros países europeus, dedicando-se à poesia e à pintura.
Em 1923, sai o seu primeiro livro de poemas, Tulips and Chiinneys. Em 1925, publica & e XLI Poems e, no ano seguinte, is 5. Sua primeira incursão no teatro, Him, estréia em 1928, em Nova Iorque. De Paris, em 1931, Cummings decide conhecer a URSS e parte para Moscou, levando uma carta de apresentação de Aragon para Lília Brik. O diário dessa viagem constitui Eimi (em grego, "eu sou"), prosa experimental, que veio a ser publicada em 1931. Ainda nesse ano publica W(ViVa), poemas, e faz a sua primeira exposição, lançando CIOPW ("charcoal, ink, oil, pencil, watercolor"), livro de desenhos e pinturas.
Em 1935. escreve Tom, roteiro para um balé inspirado na "Cabana do Pai Tomás", e publica (às expensas de sua mãe) um livro de poemas que os editores haviam recusado: no thanks. Em 1938, surge a primeira antologia de sua obra poética até então, Collected Poems. Seguem-se, em 1944, mais um livro de poemas, 1X1, e, em 1946, mais urna peça, Santa Claus. Volta à poesia com XAIPE, em 1950, mas a mais completa coleção de seus poemas vem a seir editada em 1954 um grosso volume de quase 500 páginas: Poems 1923-1954.
Seu último livro publicado em vida, 95 Poemns, aparece cm 1958.
Cummings foi casado três vezes. A primeira mulher, Elaine Orr, que o desposou em 1918, deu-lhe a única filha, Nancy. Com a segunda mulher, Anne Barton, o poeta se casou em 1927, divorciando-se alguns anos depois. Marion Moorehouse, que conheceu em 1932, seria a grande e definitiva companheira. Desde 1924, ele se instalara em dois cômodos de uma pequena casa alugada em 4 Patchin Place, na Greenwich Village, passando os verões na casa de campo de seus pais, "Joy Farm", em New Hampshire, perto das White Mountains e do Silver Lake. Estas foram, até o fim, as suas residências. Elaine Orr casou-se novamente e foi viver na Inglaterra, levando a filha, a quem ocultou a identidade paterna. Somente quando foi morar nos EUA em 1948 e já tinha 28 anos é que Nancy veio a saber, do próprio Cummings, que ele era seu pai.
Sem profissão definida, Cummings viveu por toda a sua vida dos parcos ganhos de poeta e pintor, a princípio ajudado pelos seus pais e avós, depois pela mulher, Marion, modelo e fotógrafa. Amigo de John dos Passos e de Ezra Pound foi dos poucos que não abandonaram o autor dos Cantos quando este, acusado de traição ao seu país, foi internado no manicômio judiciário de Washington, o St. Elizabeth’s Hospital. Convidado para proferir conferências em Harvard, de 1952 a 1953, escreveu seis palestras, que intitulou i: six nonlectures (eu: seis nao-conferências), com as quais, descobrindo em si próprio uma extraordinária vocação para a leitura de poemas, percorreu com grande êxito de audiência colégios e universidades.
Essas conferências, gravadas ao vivo, podem ser ouvidas em discos e cassetes do selo Caedmon, assim como um bom número de poemas lidos pelo próprio poeta. Como Dylan Thomas, que não chegou a gravar Vision and Prayer; Cumrnings não deixou registrado em sua voz nenhum dos seus poemas visuais. Sua poesia, no entanto, interessou vivamente a alguns dos maiores músicos desta segunda metade do século, como John Cage, Luciano Berio e Pierre Boulez (e, entre nós, ao jovem Livio Tragtenberg). Técnicas não convencionais de vocalização, como as que empregam esses compositores, permitem revelar a insólita musicalidade que se oculta nos poemas tipográficos de Cummings, explorando a hipersonoridade de suas microestruturas fônicas.
Cumrnings morreu em 3 de setembro de 1962, em Madison (New Harnpshire), de um ataque cardíaco. No ano seguinte, sairia uma coleção de seus últimos poemas inéditos: 73 Poems: em 1969, uma importante seleta de suas cartas: Selected Letters, organizada por E. W. Dupee e G. Sladc. Além da biografia citada, não pode deixar de ser referida a anterior, de Charles Norman (The Magic Maker: E. E. Cummings, 1958, reeditada em 1964). Dentre os livros de crítica que tratam de sua poesia, destaca-se o de Norman Friedman, E E Cummings: The Art of His Poetry, 1960.
Para quem quer encontrar o poeta em língua portuguesa recomendo ouvir o poema “Nalgum lugar”, musicado belamente pelo músico e compositor maranhense Zeca Baleiro. Um deleite.

“nalgum lugar em que eu nunca estive,
alegremente alémde qualquer experiência,
teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu eminha vida
nos fecharemos belamente,de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo igual
ao poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fechae abre;
só uma parte de mim compreende que a luz dos teus olhos
é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas”.

quinta-feira, junho 22, 2006

Exumação

Crítico permanente da falta de entrosamento entre PSDB e PFL na campanha presidencial, o prefeito da cidade mais violenta do Brasil, Cesar Maia, fez mais críticas à conduta política dos tucanos, expondo o candidato Alckmin ao ridículo.
Segundo ele o PSDB é composto por dois partidos. Um formado pelos “cardeais” de expressão nacional e outro pelo clero e baixo clero dos Estados, sem que ninguém, muito menos Alckmin, articule esses dois lados.
Na opinião do prefeito Maia é isso que tem dificultado ainda mais um acerto, nos Estados, entre o PSDB e seus aliados na eleição presidencial e está "travando" a campanha, o que pode "custar para nós o segundo turno".
Essa exumação pública de um corpo sem vida (a campanha PSDB/PFL) seria desnecessária se houvesse, por parte das agremiações de direita, uma análise real do cenário real em que a disputa está sendo travada.
O PFL acusa o PSDB por travar a campanha, mas continua a chover no molhado fazendo das críticas "morais" um mote eleitoral que pode, como um boomerang, voltar na cara dele. Munição não falta.

quarta-feira, junho 21, 2006

Mais? Que nada!

Cuidado com a propaganda veiculada em rede nacional de um pseudo "movimento" mudancista que na verdade é apenas mais um cavalo de tróia da oposição de direita para recrutar incautos ativos e influenciar eleitores passivos. Afinal, quem acredita que uma iniciativa autodenominada "movimento" e apoiada por Armínio Fraga, Gustavo Franco, João Roberto Marinho, Antonio Ermírio de Moraes, Nelson Sirotsky e Roberto Civita poderá mudar o Brasil? A campanha, protagonizada por diversos artistas, entre eles o "rapper" Marcelo D2 e a cantora Daniela Mercury, que está sendo veiculada na TV Globo é, na verdade, evidente peça eleitoral antecipada, ("peça de ataque", como diria César Maia) do mesmo modo que comerciais biográficos de Alckmin assinados pelo PSDB nacional, em flagrante desrespeito à legislação eleitoral vigente. A Lei brasileira é clara: o horário partidário gratuito deve ser usado para a difusão de idéias e programas partidários, jamais para enaltecer personalidades ou cacifá-las visando a caça ao voto. Mas, cadê o TSE?

terça-feira, junho 20, 2006

Reestatização da Vale

Para quem pensa que é estéril o debate sobre a reestatização da Vale do Rio Doce e de outras estatais que foram entregues ao capital privado a preço de banana pelo governo do PSDB, pesquisa realizada no Brasil pelo Instituto Ipsos Public Affairs, dos Estados Unidos, e publicada pelo Jornal Estado de Sao Paulo (18 de junho de 2006), mostra que muito pelo contrário. Segundo os dados apresentados ali, a ampla maioria do povo brasileiro apóia medidas de cunho estatizante e intervencionista, num quadro que se repete nos países vizinhos:

  • mais de 60% dos brasileiros defendem a nacionalização dos recursos naturais,
  • 74% querem o controle das multinacionais,
  • 78% defendem o controle de preço dos serviços bancários;
  • 81%, o dos preços da cesta básica.

Afinal, quem são os terroristas?

A Guerra do Iraque é um daqueles becos sem saída em que os impérios se metem para sinalizar seu fim. Roma teve a sua "guerra do Iraque". A ex-União Soviética também teve, experimentando no Afganistão sua porção de inferno.
Os Estados Unidos, contudo, parecem sofrer de amnésia histórica.
Cegos pelo poder e pelas ilusões ideológicas fascistas de supremacia racial e econômica, apagaram de sua memória a humilhação de ter perdido a guerra do Vietnã para um exército guerrilheiro famélico e armado precariamente, que sobrevivia embrenhando-se na mata ou escondendo-se em buracos no chão. Em livros de História distribuídos para as crianças no país de George W. Bush, o exército de Tio Sam não foi humilhado e enxotado de Hanói pelos vietcongs, apenas "retirou-se" do Vietnã para que "seu povo pudesse conduzir o processo de reconstrução do país". Assim como não admitem que foi o Exército Vermelho Soviético que empreendeu o cerco a Hitler em Berlin e submeteu as últimas unidades combatentes alemãs na II Guerra, não dizem que a reconstrução do Vietnã se fazia necessária pela destruição de vidas, plantações, cidades, rios e vilas que o Exército ianque empreendeu em nome do "anti-comunismo" - a "guerra anti-terror" no período da Guerra Fria.
A guerra do Iraque é um novo Vietnã porque é uma guerra que os Estados Unidos não podem vencer. Não há nenhuma possibilidade de dar fim ao conflito sem que se destrua por completo o povo e sua milenar capacidade de resistência e com isso a noção de Nação. Não é "a resistência", um grupo político específico, mas o povo, essa categoria genérica, que define se uma guerra está perdida ou ganha. Os números e o desenho político do Iraque atual mostram que os Estados Unidos estão perdendo a guerra.
Quem gosta de referências históricas convertidas em películas de Hollywood deve assistir "Falcão Negro em Perigo", de Oliver Stone, que mostra helicópteros de 10 milhões de dólares sendo abatidos como rolinhas ingênuas pela precária mas certeira artilharia anti-aérea de uma tribo africana. Novamente ali pessoas com os pés descalços e sem nenhum treinamento militar fizeram os arrogantes "soldados da liberdade" afogarem no próprio sangue.
Sem memória das experiências passadas, os estadunidenses não desistem de dar motivos aos iraquianos para explodir seus helicópteros e soldados e marcar de morte seus cidadãos em outras paragens pelo mundo afora.
E o que dá motivo é a brutalidade do Exército invasor que não encontra limite. Mais três soldados americanos foram acusados pela morte de três prisioneiros no Iraque, segundo informações divulgadas por militares dos Estados Unidos nesta segunda-feira.
Os prisioneiros teriam sido mortos depois de detidos e manietados em uma operação militar no canal de Thar Thar no sul do Iraque no dia 9 de maio de 2005. Os "soldados da democracia" executam civis desarmados e algemados. A sangue frio.
As acusações contra os três soldados incluem assassinato, tentativa de assassinato, conspiração e obstrução da justiça. Soldados americanos no Iraque já enfrentaram várias acusações de matarem civis e abusar (inclusive sexualmente) de detidos, e alguns inquéritos foram abertos para investigar os casos mais gritantes.
É claro que isso é apenas a menor ponta do iceberg da violência contra civis nessa guerra insana em que uma cultura tenta subjugar a outra com objetivos de cunho político-econômico.
Bem entendido, toda operação militar é uma ação política. Afinal, como ensina Lenin, a guerra é a política por outros meios. O governo provisório do Iraque, fantoche dos Estados Unidos, não representa a vontade política do povo iraquiano nem seu desejo de autonomia. Tampouco representa a diversidade étnico-cultural que formou o povo e a nação iraquiana. Ou seja, será deposto porque defende o invasor, assim que as tropas de Bush retirarem suas botas, jipes, tanques e helicópteros daquele solo rico e arenoso.
Hoje a imprensa noticiou que um grupo de árabes sunitas extremistas denominado "Conselho de Shura dos Mujahedins" assumiu o seqüestro de dois soldados dos Estados Unidos e quatro diplomatas russos no Iraque. Além disso, segundo comunicado divulgado em um site, o grupo deu a Moscou um prazo de 24 horas para que retire suas tropas da Chechênia.
Para o grupo, a ação "demonstra a fraqueza dos serviços de inteligência americana".
O Exército dos EUA no Iraque anunciou nesta segunda-feira que sete de seus soldados ficaram feridos em operações de busca pelos dois combatentes, desaparecidos após um ataque insurgente em Youssefiya, na sexta-feira. Este ataque deixou um terceiro soldado americano morto. Segundo o Pentágono, 2.292 militares norte-americanos morreram até agora no Iraque.
Desde de 2003, as forças de coalizão no Iraque e, principalmente, as forças americanas, mataram quatro vezes mais civis no Iraque do que a resistência no país. A informação está em um relatório do projeto Iraq Body Count (Contagem das Mortes no Iraque, em tradução livre).
Cerca de 37% das mortes violentas de 24.865 civis iraquianos ocorridas nos dois primeiros anos de conflito foram de responsabilidade das forças lideradas pelos Estados Unidos no país, sendo que, desse total, 98,5% são atribuídas ao Exército norte-americano.
As forças contra a ocupação, também chamadas de "insurgência", mataram 9% dos civis.
A insânia não tem limite. Diante desses números fica a singela pergunta: afinal, quem são os terroristas?

domingo, junho 18, 2006

Carlos Heitor Cony

Tenho um amigo de longa data que adora Carlos Heitor Cony. Tem todos os seus livros. Alguns, autografados. Eu o respeito. Gosto muito dele para não respeitar suas indiossincrasias.
Depois de ler três de seus livros e anos de seu colunismo precário considero que Cony está para a literatura como Dorival Caymmi está para a música. É um grande nome com uma obra menor. Ou seja, é um criador menor. Não tem muita imaginação, repete suas fórmulas até o limite, mas domina a escrita, tem um bom contrato com uma editora maiúscula e vale-se disso para parecer um bom escritor e para ter um bom emprego como comentarista de fatos que não compreende.
Agora a Band News, um ótimo canal de notícias, resolveu contratar o jornalista e escritor para fazer comentários políticos em horário rotativo. Aqui, ali, lá, está Carlos Heitor Cony fazendo seus comentários. Contudo, absolutamente ninguém consegue entender o que Carlos Heitor Cony fala. É gutural demais. Parece que ele engoliu o Tom Waits inteirinho e está com ele entalado na garganta. Cony na TV lembra um personagem de um dos contos fantásticos de Edgar Allan Poe.
Decidi escrever para o canal de TV sugerindo que eles legendassem Cony em português para que suas dissonâncias com os fatos pudessem ser compreendidas pelos assinantes. Não obtive resposta.
Cony é um daqueles escritores que foi de esquerda na juventude, arrependeu-se e o dinheiro fácil incumbiu-se de convertê-lo ao cinismo intelectual e a permissividade política com a direita. É dele a frase "nunca se viu tanta corrupção no país". É claro, Cony! É verdade. Agora ela pode ser denunciada, CPIs podem ser instaladas, corruptos podem ser presos até que a Justiça os solte novamente, gente do governo cai diante de denúncias, etc. Essas não são concessões de Lula, mas conquistas da sociedade que ganharam espaço para serem exercidas agora.
No último domingo Cony exercicia seu direito democrático de criticar. Em sua coluna escrita (Folhapress), lamentava o que denominou de "derrota da mídia" diante do aumento da popularidade de Lula e da aceitação de seu governo. Afinal, uma campanha articulada envolvendo "editoriais, articulistas, cronistas e todos os que ocupavam os diversos veículos de comunicação do país e do exterior" tentou, por um ano inteiro, demonstrar por A mais B que "Lula sabia dos esquemas em que seus auxiliares e amigos chafurdavam" e, portanto, teria que cair mesmo que fosse para ser substituido por um picolé de xuxu. A campanha não obteve sucesso.
Para Cony, esse é um daqueles fatos inexplicáveis como um dejà vü ou como a divina trindade.
Cony, meio zonzo, conclui: "O povão vê televisão, ouve rádio. E continua acreditando em Lula e o abençoando com o seu voto". Que povinho mais sem vergonha; não é mesmo, Cony?
O escritor, como muita gente, tropeça em desconhecer como o povo forma seus conceitos e faz suas escolhas. Acredita no mito dos "formadores de opinião", uma categoria sociológica criada para vender produtos para os ricos sob a alegação de que eles poderiam criar uma cadeia de consumo a partir de seu status. Essa tese já foi morta e enterrada no final da década de 50 do século XX, mas ainda sobrevive no Brasil como um fantasma renitente por razões que nem a razão explica.
É fácil entender tudo isso, Cony. "Formadores de Opinião" são um mito, como o boi-tatá e a Matinta Pereira. Quem acredita em mitos não entra na mata cerrada da política porque tem medo de ser encantado ou trocado por um punhado de tabaco.
A explicação está em Lenin. O revolucionário russo dizia que "a política tem horror a espaços vazios". Aí as peças se encaixam. Diante do vazio de alternativas, o povo fica com Lula, que tem com o povo identidade de classe e políticas sociais espraiadas por onde nunca a direita e sua filantropia pilantra chegou em 500 anos. Para quê retornar ao reinado do dândi FHC?
À direita, Alckmin e o complô PSDB/PFL não são alternativas e, à esquerda, Heloísa Helena do PSoL ainda precisa transformar agitação de rua em propaganda persuasiva para ultrapassar Alckmin e tencionar o debate antes que outubro se aproxime.
Cony não entende. Nunca entenderá. Talvez porque ter Tom Waits entalado na garganta prejudique mesmo a oxigenação e o raciocínio.

sábado, junho 17, 2006

Gigantismo

O ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, esteve em Belém e garantiu que vai incluir o projeto "Portal da Amazônia", da prefeitura de Belém, no Orçamento de 2007 de seu ministério, comprometendo-se com o repasse de R$ 30 milhões de reais, necessários para a execução da obra. "Portal da Amazônia", dsenvolvido na administração atual, faz parte do Projeto de Macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova, por sua vez desenvolvido durante a administração anterior. No desenho original, previa 13 quilômetros de urbanização da orla, com janelas para o Rio, estrutura de lazer e centros gastronômicos. Na versão atual, terá uma extensão de 6 quilômetros e irá do Mangal das Garças (borboletário refrigerado) até a UFPa (cais de arrimo destruído). Segundo o Ministro, "esse é o maior projeto turístico do país" (O Liberal, Atualidade, p. 10, 17/06/2006). Se o projeto da PMB de R$ 30 milhões é o maior projeto turístico do país, a reforma do galpão que servirá de Centro de Convenções, na Dr. Freitas, orçado pelo Governo do Estado em quase R$ 80 milhões será, então, o maior projeto turístico do Continente?

A danação do PFL

Você pode não ter percebido, mas o calendário eleitoral pulou quatro anos. De fato, 2006 já era. Pelo menos é que se intui de matéria da Agência Estado, onde o hidrófobo PFL expõe sua pérfida estratégia "de marketing" para o próximo período. A nova linha prevê apontar propaganda enganosa do governo. "Promessas não cumpridas, como obras das eclusas, estão na lista". O senador Heráclito Fortes, o homem que engoliu uma Tuba, diz que "o jogo eleitoral começa agora, quando vamos mostrar as fragilidades e os factóides do governo do PT". "Factóide", como se sabe, é um neologismo do pefelista César Maia, um espertalhão raivoso que governa a cidade mais violenta do país e faz de conta que não tem nada a ver com isso.
A dúvida que me assolou no momento em que tomei conhecimento da nova "linha de ataque" do PFL é se alguém pagou por essas idéias ou os dirigentes do partido de direita as tiveram por si mesmos? Se as tiveram por si mesmos, menos mal. Afinal, ter idéias idiotas é mais barato que comprá-las. Mas duvido. O mais provável é que tenham pago uma fortuna a Lavareda para engendrá-las.
Qual o nó da questão ao que o PFL não quer desatar? 1) Promessas não cumpridas existem aos borbotões na vida pública. Ninguém nunca perdeu uma eleição por conta disso. Nunca. Não há precedentes. A aliança PFL/PSDB tem, contra si, milhares e milhares de promessas não cumpridas. Almir Gabriel prometeu 400 mil empregos em 1994 e mais 200 mil em 1998 e não teme as urnas por causa disso. Apenas os programas eleitorais de Alckmin (2002) e FHC (1998) já seriam suficientes para encher o lago Paranoá de promessas não cumpridas. 2) Denunciar "obras inacabadas" é uma terrível perda de tempo. Uma obra "inacabada" é uma obra pela metade, ou seja, uma obra em processo de execução, inconclusa. Não demonstra "incompetência", mas apenas que o tempo ou o dinheiro não deu para acabá-la. Qualquer cidadão que já remendou uma calçada ou retelhou uma casa sabe disso. 3) Ataques pessoais, como "beber" ou despolitizados como "viajar muito" (FHC bate, em horas de vôo, sete vezes o presidente Lula) dito por um cidadão sem qualificação alguma e desconhecido pela ampla maioria dos brasileiros como o inepto dublê de senador e usineiro José Jorge, só servem para demonstrar desespero ou uma certa embriaguez, único estado de ânimo capaz de provocar arroubos de valentia em covardes contumazes; 4) o que está em questão não são as fragilidades de Lula (seres humanos, mesmo os presidentes, possuem fragilidades, vide Bill Clinton) mas qual projeto político é capaz de disputar com ele os rumos do país. Como tenho dito, somente a própria esquerda pode fazer com Lula esse debate, qualificando o processo eleitoral e tencionando-o a um programa eleitoral que aponte no sentido das mudanças que o país precisa experimentar.
Cega pelo ódio de classe e incapaz de disputar projeto de poder com Lula e com o PT, a direita hidrófoba está se cacifando apenas para substituir o MLST no apedrejamento do Palácio do Planalto e na tentativa de linchamento pessoal do presidente metalúgico.
A confissão de que perdem horas (regiamente pagas com dinheiro público, posto que são parlamentares em horário de trabalho) preparando "nova linha de ataque" contra Lula e não "nova linha de defesa" do programa de governo de Alckmin, demonstra para a nação que os próceres do PFL não estão no ramo da disputa eleitoral presente, mas apenas no ramo do desgaste do presidente para as disputas futuras.
Miram em 2006 mas querem acertar em 2010. Para a direita, 2006 é uma batalha perdida.