domingo, junho 18, 2006

Carlos Heitor Cony

Tenho um amigo de longa data que adora Carlos Heitor Cony. Tem todos os seus livros. Alguns, autografados. Eu o respeito. Gosto muito dele para não respeitar suas indiossincrasias.
Depois de ler três de seus livros e anos de seu colunismo precário considero que Cony está para a literatura como Dorival Caymmi está para a música. É um grande nome com uma obra menor. Ou seja, é um criador menor. Não tem muita imaginação, repete suas fórmulas até o limite, mas domina a escrita, tem um bom contrato com uma editora maiúscula e vale-se disso para parecer um bom escritor e para ter um bom emprego como comentarista de fatos que não compreende.
Agora a Band News, um ótimo canal de notícias, resolveu contratar o jornalista e escritor para fazer comentários políticos em horário rotativo. Aqui, ali, lá, está Carlos Heitor Cony fazendo seus comentários. Contudo, absolutamente ninguém consegue entender o que Carlos Heitor Cony fala. É gutural demais. Parece que ele engoliu o Tom Waits inteirinho e está com ele entalado na garganta. Cony na TV lembra um personagem de um dos contos fantásticos de Edgar Allan Poe.
Decidi escrever para o canal de TV sugerindo que eles legendassem Cony em português para que suas dissonâncias com os fatos pudessem ser compreendidas pelos assinantes. Não obtive resposta.
Cony é um daqueles escritores que foi de esquerda na juventude, arrependeu-se e o dinheiro fácil incumbiu-se de convertê-lo ao cinismo intelectual e a permissividade política com a direita. É dele a frase "nunca se viu tanta corrupção no país". É claro, Cony! É verdade. Agora ela pode ser denunciada, CPIs podem ser instaladas, corruptos podem ser presos até que a Justiça os solte novamente, gente do governo cai diante de denúncias, etc. Essas não são concessões de Lula, mas conquistas da sociedade que ganharam espaço para serem exercidas agora.
No último domingo Cony exercicia seu direito democrático de criticar. Em sua coluna escrita (Folhapress), lamentava o que denominou de "derrota da mídia" diante do aumento da popularidade de Lula e da aceitação de seu governo. Afinal, uma campanha articulada envolvendo "editoriais, articulistas, cronistas e todos os que ocupavam os diversos veículos de comunicação do país e do exterior" tentou, por um ano inteiro, demonstrar por A mais B que "Lula sabia dos esquemas em que seus auxiliares e amigos chafurdavam" e, portanto, teria que cair mesmo que fosse para ser substituido por um picolé de xuxu. A campanha não obteve sucesso.
Para Cony, esse é um daqueles fatos inexplicáveis como um dejà vü ou como a divina trindade.
Cony, meio zonzo, conclui: "O povão vê televisão, ouve rádio. E continua acreditando em Lula e o abençoando com o seu voto". Que povinho mais sem vergonha; não é mesmo, Cony?
O escritor, como muita gente, tropeça em desconhecer como o povo forma seus conceitos e faz suas escolhas. Acredita no mito dos "formadores de opinião", uma categoria sociológica criada para vender produtos para os ricos sob a alegação de que eles poderiam criar uma cadeia de consumo a partir de seu status. Essa tese já foi morta e enterrada no final da década de 50 do século XX, mas ainda sobrevive no Brasil como um fantasma renitente por razões que nem a razão explica.
É fácil entender tudo isso, Cony. "Formadores de Opinião" são um mito, como o boi-tatá e a Matinta Pereira. Quem acredita em mitos não entra na mata cerrada da política porque tem medo de ser encantado ou trocado por um punhado de tabaco.
A explicação está em Lenin. O revolucionário russo dizia que "a política tem horror a espaços vazios". Aí as peças se encaixam. Diante do vazio de alternativas, o povo fica com Lula, que tem com o povo identidade de classe e políticas sociais espraiadas por onde nunca a direita e sua filantropia pilantra chegou em 500 anos. Para quê retornar ao reinado do dândi FHC?
À direita, Alckmin e o complô PSDB/PFL não são alternativas e, à esquerda, Heloísa Helena do PSoL ainda precisa transformar agitação de rua em propaganda persuasiva para ultrapassar Alckmin e tencionar o debate antes que outubro se aproxime.
Cony não entende. Nunca entenderá. Talvez porque ter Tom Waits entalado na garganta prejudique mesmo a oxigenação e o raciocínio.