quarta-feira, maio 31, 2006

"Veja" tem o direito de ser reacionária

"Veja" é uma revista reacionária, direitista e parcial. Isso está errado? Sinceramente, acho que não.
Muita gente prega a neutralidade ou imparcialidade da imprensa. Não acredito nisso. Papai Noel e fadas não existem. Tal neutralidade não passa de um mito reacionário. Como o mito do "bom selvagem", que serve para justificar a submissão, a neutralidade da imprensa serve para encobrir sua parcialidade. É uma camuflagem.
A imparcialidade que um jornalista imprime ou expressa num veículo de comunicação estará sempre limitada por dois parâmetros de ferro: os interesses do dono da mídia onde ele vende sua força de trabalho e suas próprias referências político-ideológicas. Balizada dessa forma, sua opinião não será imparcial, neutra. Tomará sempre partido.
"Mas o fato é neutro, é ocasional, conjuntural", você diria. "Se um homem morre, se um carro bate, se um candidato perde e outro ganha, se um império cai, se um tive ganha, são fatos inquestionáveis". Correto, você tem razão. Mas o que se publica não é o fato, mas a versão; é a leitura do fato que é publicada e toda leitura ou transcrição é parcial, ou seja, é uma forma de expor um (1) ponto de vista, portanto, de se tomar partido.
Por entender que uma opinião, um ponto de vista, se baliza pelo acúmulo histórico de quem o expressa, acho justo que veículos de comunicação se alinhem nas diversas raias ideológicas e políticas que a sociedade produziu e sedimentou ao longo de séculos. Além de justo, é legítimo. A imprensa escrita começou com a imprensa partidária e não é indigno nem imoral que até hoje expresse pontos de vista partidários.
O problema, portanto, não é assumir um lado; ao contrário, é esconder isso do leitor, é ocultar que aquilo que está sendo vendido como fato não passa de versão. Como "Veja" faz. O imoral em "Veja" é vender-se aos incautos como o espaço da verdade, da dignidade, da moral, da imparcialidade quando tudo o que vende em suas páginas é opinião parcial, de segunda-mão, escritas sob uma ótica reacionária, direitista, atrasada, intercalada por anúncios de bancos, companhias telefônicas e multinacionais de cosméticos.
Mas onde está a verdade, afinal? A verdade não está em "Veja". Está nas ruas. A verdade não é patrimônio privado da imprensa, ela não pode ser aprisionada nem apropriada por uma empresa, cujo fim derradeiro não é assenhorar a verdade, mas aumentar seu lucro. A verdade é a apreensão individual de fatos historicamente determinados. Não é mercadoria e não se submete ao ditame da opinião; só se submete ao julgamento da História.
"Veja" queria derrubar Lula não porque ele "operava o mensalão", mas por preconceito de classe. Porque ele é um migrante nordestino que não cursou a Universidade e dirigia um partido que não passava de um ajuntamento de pobres, sindicalistas, grevistas, ativistas ambientais, militantes sociais, feministas, agricultores semi-analfabetos, intelectuais esquerdistas e religiosos subversivos. Tudo o que a direita odeia. Esse homem e sua gente não tinham o direito de tomar o poder onde "Veja" sempre teve assento privilegiado. Lula no governo é uma usurpação, um tapa da cara dos reacionários. E "Veja" sentiu e acusou o golpe.
A eleição de Lula frustrou "Veja" que passou, então, a jurá-lo de morte: Lula é despreparado, é semi-analfabeto, Lula não fala inglês, o governo dele é fraco, Palloci é médico, Zé Dirceu é quem manda, Lula e Zé Dirceu têm a língua presa, a inflação vai voltar, o Brasil se tornou o pior lugar do mundo desde 2002, etc, etc.
Quando as denúncias de Roberto Jefferson vieram à baila, "Veja" viu nisso uma oportunidade e tanto de vingar-se de Lula - não do Lula presidente, mas do Lula povo, ícone de uma gente até ali sem esperança.
"Veja" deu o sinal. Mas o povo não ouviu seus apelos de "fora Lula". Isso frustrou "Veja" mais uma vez. Não deveria. Afinal, a revista tomou para si uma tarefa que as massas não haviam se dado. Apenas "Veja" e a oposição de direita PSDB-PFL queriam derrubar Lula, esquatejá-lo, execrá-lo, apedrejá-lo em praça pública.
Mas "Veja" fez a sua parte. Direitinho. Convocou as massas, decretou o fim do governo, fez acusações com base em ilações, escalou um retardado chamado Mainardi para cuspir em Lula e no PT, jurou de morte ministros e políticas públicas, inventou uma conta no exterior para o presidente e seus ministros, comemorou a cassação de Zé Dirceu, denunciou a sobrevida política de Zé Dirceu mas (opa!) silenciou sobre a descoberta casual de que o "valerioduto" que desaguou em Brasília começou com o PSDB de Minas. E agora, senhores e senhoras?
E agora? Silêncio. A imparcialidade jaz. Procure em "Veja" uma única crítica ou denúncia contra o PSDB ou o PFL. Se achar, raridade, será fruto da luta interna do tucanato que, zonzo, começa a lavar a roupa suja em público - como fez na briga Serra versus Alckmin ou da disputa intestina entre PSDB e PFL pelos nacos de poder que dispõem.
O engajamento de "Veja", bem entendido, não se faz em nome da justiça e dos bons costumes, menos ainda em nome da "imparcialidade da imprensa" - essa utopia capitalista. Se faz em nome do projeto de poder do bloco PSDB/PFL - que governou por oito anos o Brasil, impediu a instalação de todas a CPIs e, pelo que vejo, só deixou saudade no departamento comercial da Editora Abril e nos investidores privados, que assumiram o controle de estatais lucrativas a preço de banana.
"Veja" clamou no deserto. O povo não atendeu ao chamado de "Veja". Nem ouviu, nem viu. Que povo inculto! Que malta de insensatos! Que miseráveis volúveis! Não percebem que estão sendo manipulados por esse "sapo barbudo" e seu partido de malandros e trapalhões?
Para "Veja" a dialética é uma aberração. Só a lógica formal vive e prospera. Por isso, diante de um fato tão surpreeendente para seus mentores e conselheiros (Lula ganhará as eleições, dizem as pesquisas, com uma diferença maior de votos do que venceu em 2002), "Veja" se apressa em encontrar culpados, e, eureka!, os encontra! São os pobres ("gente inculta", "sem escolaridade formal", "nordestinos") de novo, esses que não lêem "Veja" e, por isso, servem de fortaleza para Lula.
Se pudesse, "Veja" instituiria campos de reeducação ou colocaria essa "gentalha" para ler suas edições encadernadas sob o sol.
Os donos de "Veja" vendem a revista como se fosse a Bíblia Sagrada do jornalismo, mas esse pasquim não passa de papel ordinário e opiniões datadas e repetidas. Direita é direita em qualquer parte. Esquerdas são diferentes.
Como personagem de desenho animado que planeja em um sótão iluminado por relâmpagos conquistar o mundo, "Veja" acha que Collor caiu por decisão de seu comitê editoral. Ora, então basta isso para derrubar Lula. Epa! Mas não funcionou! O que aconteceu?
Uma revista não derruba governos. Nenhuma revista tem tamanho poder. Pode atiçar, instruir, convocar, difamar, destruir reputações, ficar impune, mas só o povo é quem pode derrubar governos e fazer revoluções. E o povo não estava nem aí para "Veja", suas instruções e seu ajuntamento de reacionários - descontando André Petry, um articulista progressita que serve para mostrar que toda regra vem uma vez por mês.
Ainda assim, você acha que "Veja" é imparcial? Faça um teste. Se há um fato qualquer, "Veja" está sempre do lado direito da questão. Nas origens, silenciou enquanto a ditadura matava e prendia no Brasil e afinou o coro do "Ame-o ou deixe-o" enquanto o sangue de mártires tingia nosso solo; esteve com Bush nos ataques ao Afeganistão e ao Iraque. Está com os Estados Unidos contra o Irã para garantir que apenas o país de Bush tenha o direito de se defender e atacar usando armas atômicas. Está com Israel contra os palestinos. Está com a direita Venezuelana contra Chaves. Demoniza João Pedro Stédeli e criminaliza o MST. Silencia diante da evasão de divisas de parlamentares de outros partidos enquanto põe o PT na roda dos expostos. Reforma trabalhista na França? "Veja" apoia se cortar direitos dos trabalhadores. Reforma agrária? Vade retro, satanás! Eleições presidenciais no Brasil? Está com Alckmin contra o bom senso que manda ver São Paulo e escolher se queremos que o cerco da bandidagem se reproduza, em escala, em todo o país.
"Veja" é reacionária. Direitista. Poderia assumi-lo. Tem esse direito. Contudo, insiste em levantar a bandeira dos fatos, embora não resista a eles.
Tudo bem, você ainda acha que estou exagerando. Então leia o suplemento "Mulher", que acompanha a edição 1958 de maio de 2006 e que está nas bancas. É a prova cabal de que um reacionário legítimo expõe seus preconceitos até quando quer fazer crer não possuí-los.
Confundindo conquistas do feminismo com frustrações femininas que não passam de frustrações humanas, coloca a mulher de volta à margem e às futilidades; reafirma preconceitos ao descrever como função social dos gays serem eles os melhores conselheiros de mulheres - "desde que não dividam interesse pelo mesmo tipo de homem"; torcendo número, afirma que o destino das mulheres bem sucedidas e com formação superior completa é amargarem a solidão ("com diploma e sem marido") e, tendo Margareth Thatcher como modelo, afirma que "o poder é masculino", ou seja, as mulheres, embora tenham alcançado posição de mando na vida pública e na iniciativa privada, apenas "imitam" os homens quando chegam ao poder ("poderosas e frias como os homens que também chegaram lá").
"Veja" tem o direito de ser reacionária. E você, o direito de ler "Veja" sabendo disso.

segunda-feira, maio 29, 2006

Propaganda Nazista e Marketing Moderno

Com frequência, estudantes de comunicação debatem comigo ou me indagam sobre assuntos os mais diversos. "Marketing político" e "marketing de guerrilha" são os temas prediletos de estudantes de propaganda e "liberdade de expressão" e "independência dos meios de comunicação", os mais demandados por estudantes de jornalismo. Esses encontros são sempre momentos de descobertas e de aprendizado. Na entrevista abaixo, colhida por alunos de publicidade da Unama (Universidade da Amazônia), sou provocado a discorrer sobre um tema delicado: a propaganda nazista. Revido de maneira também provocadora ao insuar ligações ocultas - e associações indiretas - entre a propaganda de Goebbels e o marketing moderno, esse que praticam não apenas os partidos políticos de hoje, mas também as grandes corporações. Embora longa, a mantive na íntegra. Afinal, uma boa provocação só vale a pena se for por inteiro.

Como o senhor caracteriza a propaganda política do Nazismo? Pontos positivos e negativos.

A propaganda nazista foi o principal instrumento de ascensão e um dos principais pilares de sustentação do regime de Adolf Hitler, o austríaco que assumiu o poder na Alemanha em 1934 - depois de haver perdido as eleições de 1932 - e viria a desencadear a II Guerra Mundial.
É verdade que a arte de convencer pela palavra é bem mais antiga. Em sua forma moderna, a propaganda política foi inaugurada pelo bolchevismo, especialmente por Lênin e Trotski. Mas, mesmo antes deles, houve líderes que reconheceram sua importância. Napoleão Bonaparte, por exemplo, dizia: "Para ser justo, não é suficiente fazer o bem, é igualmente necessário que os administrados estejam convencidos. A força fundamenta-se na opinião. Que é o governo? Nada, se não dispuser da opinião pública”.
No entanto, é preciso reconhecer que foram Hitler, o ditador alemão dos anos trinta e quarenta do século XX, e Joseph Goebbels, seu ministro da propaganda, que utilizaram com maior sucesso as técnicas de controle da opinião pública, dando, assim, o contorno definitivo à propaganda moderna. Orador inflamado e líder carismático, Hitler usou a propaganda de forma espetacular para unificar o país. Identificou e rotulou os inimigos comuns, os judeus e os comunistas, e o alvo, o Tratado de Versalhes, que tinha imposto ao país condições desconfortáveis ao final da Primeira Guerra.
Podemos dizer que um dos pontos positivos da propaganda nazista é que ela revelou a engenharia interna da propaganda política, constituída por um mix de técnica, arte e ideologia. Isso, em si, não tem partido. Ou, como diz José Nivaldo Júnior em Maquiavel, O poder, “a diferença está na arte de quem a executa e na ideologia que a dissemina”. Outro ponto positivo foi estruturar a propaganda política de maneira sistêmica, incluindo não apenas o uso da mídia formal, da mídia alternativa mas de todos os aspectos da comunicação política, avançando para a redação dos discursos, a cenografia adequada, o efeito hipnótico do grito de guerra, dos holofotes, do jogo de luzes, da cadência da marcha, da logotipia, da identidade visual etc. O lado negativo é que fazia apologia da mentira, por achar que apenas a constância e a continuidade da mensagem bastariam para perpetuar seu regime e sua ideologia, cujo resultado final se contabiliza em milhões de vítimas inocentes.

O sr. acha que a Propaganda Política ocupa o primeiro lugar, antes da própria política, na hierarquia dos poderes totalitários e mesmo da democracia.

Bem entendido, propaganda é uma tentativa de influenciar a opinião e a conduta da sociedade, de tal modo que as pessoas adotem “uma conduta determinada”, como escreveu Bartlett, em Political propaganda. Nesse sentido, toda propaganda é sempre institucional, ideológica e, ao expressar uma ideologia, manifesta-se politicamente. Nisso, ela não diferencia-se em sua aplicação, seja em um regime totalitário, seja em um regime democrático, seja assinada por uma empresa ou por um partido político. Essa é uma das razões pelas quais é decisivo distinguir propaganda de publicidade. Jean-Marie Domenach, em seu livro A propaganda política, distingue ambas com precisão: "A publicidade suscita necessidades ou preferências visando a determinado produto particular, enquanto a propaganda sugere ou impõe crenças e reflexos que, amiúde, modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas ou filosóficas”.
Mais diretamente podemos dizer que a propaganda é um instrumento da política e da ideologia, expressando-as, e não o inverso. Hierarquicamente, a política vem antes, definindo o conteúdo da mensagem, cabendo à propaganda estruturar a sua forma.

Há, ainda hoje, como envolver a massa a favor de uma liderança carismática? Quais são as principais estratégias e técnicas?

No século XX se ampliaram os limites dos três suportes da propaganda tradicional: a imagem, a escrita e a palavra oral. Quando o nazismo floresceu, o grande meio de comunicação era o Rádio. Hitler aumentou a potência e a quantidade de transmissores e receptores. Promoveu audições comunitárias, mandou instalar autofalantes nos postes, para que ninguém pudesse deixar de ouvir a palavra do Führer. Ele costumava dizer que o rádio, em conjunto com o cinema e o automóvel, haviam tornado possível a vitória nazi-fascista. No cinema, através da arte politizada de Leni Rienfentahl, inaugurou a moderna linguagem do audiovisual. Se isso foi feito naquele tempo, com os recursos escassos da primeira metade do século XX, imagine agora, na era da comunicação globalizada, dos meios de comunicação de massas em tempo real. Nós vimos bombas caindo sobre Bagdá, na mais recente guerra das forças anglo-americanas contra o Iraque, no mesmo momento em que a população iraquiana partilhava o alarido da destruição. Com instrumentos de comunicação eficazes e controle cabal da grande imprensa - as emissoras foram proibidas de veicular noticias provenientes da rede de TV Al Jazira, por exemplo - os Estados Unidos convenceram sua população e boa parte da opinião pública mundial da “correção moral” e da “necessidade política” de bombardear um país distante que não lhe havia atacado e contra o qual ele não havia declarado guerra. Tudo em nome do suposto “combate preventivo ao terrorismo”, como se nós pudéssemos atirar em alguém apenas por suspeitarmos que essa pessoa possa um dia nos fazer mal. Na verdade, tudo foi feito em nome da milionária indústria bélica dos Estados Unidos e dos negócios privados dos financiadores de campanha de George W. Bush. Segundo o relatório publicado pelo Center for Public Integrity (CPI), uma organização não-governamental norte-americana, 70 empresas dos Estados Unidos abocanharam contratos de 8 bilhões de dólares para realizar os trabalhos de reconstrução do Iraque. Todas elas haviam doado dinheiro para a campanha de Bush. Esse foi um exemplo de como uma liderança, mesmo sem carisma, mas assentada no poder, pode envolver emocionalmente as massas de um país, comprometendo-a em uma empreitada eticamente equivocada e historicamente desastrosa, usando as velhas armas da propaganda ideológica para encobrir interesses puramente políticos e econômicos. Como Hitler, Bush manipula a emoção para obter o resultado político desejado.
"Os poderes destrutivos contidos nos sentimentos e ressentimentos humanos podem ser utilizados, manipulados por especialistas", disse Monnerot. E para isso são utilizadas leis (ou “técnicas” ou “estratégias“) específicas. São elas:
Lei da Simplificação e do Inimigo Único: Consiste em concentrar sobre uma única pessoa as esperanças do campo a que se pertence ou o ódio pelo campo adverso. Reduzir a luta política, por exemplo, à rivalidade entre pessoas é substituir a difícil confrontação de teses. No caso do nazismo, os judeus e comunistas (formando uma massa uniforme) acabaram eleitos como o "inimigo único". Um bom exemplo contemporâneo foram campanhas presidenciais brasileiras de 1989. Em Fernando Collor de Mello se depositaram todas as esperanças - muitas delas trabalhadas pelos meios de comunicação - do povo brasileiro: um presidente jovem, esportivo, religioso e aparentemente honesto, prometia acabar com os "marajás" e instaurar a República da moralidade. Seu opositor era Lula, o comunista, o “sapo barbudo”, o inimigo único, contra o qual se constituiu uma aliança pró-Collor que ia da UDR e da Fiesp até a Rede Globo, passando pela Igreja Universal.
Lei da Ampliação e Desfiguração: A ampliação exagerada das notícias é um processo jornalístico empregado correntemente pela imprensa, que coloca em evidência todas as informações favoráveis aos seus objetivos. Exemplo: a greve nacional dos petroleiros, em 1998. Os veículos de comunicação (especialmente a Globo) anunciavam com freqüência que os combustíveis, principalmente o gás, iam faltar. Ressaltavam os problemas que adviriam da falta de gás. Mostravam as filas de compradores em busca de seus botijões. Assim, garantiram a opinião pública desfavorável aos petroleiros. No recente episódio da confusa nacionalização dos recursos minerais da Bolívia, quando Evo Morales, o presidente indígena, decretou a estatização das minas de gás que até então estavam sob controle da Petrobrás, as grandes redes de televisão se apressaram em criar um clima de enfrentamento e de guerra diplomática, alegando que o Brasil estava “de joelhos” e “se humilhando” para a Bolívia, desfigurando os fatos - rigoramente o Brasil não perdeu nem seus contratos nem seu patrimônio, uma vez que o Direito Internacional garante indenicação em caso de "nacionalização". O governo brasileiro retrucou dizendo que era um direito da Bolívia decidir como gerir sua riqueza mineral e seu sub-solo e, que, portanto, a soberania brasileira não estava em jogo e sim as relações comerciais entre dois países soberanos. Ato contínuo, os telejornais passaram a despejar doses diárias de terror, alegando que iria faltar gás de cozinha – que não é produzido na Bolívia nem importado pelo Brasil. O objetivo claro era provocar desgaste político em Lula e no governo, com objetivo descaradamente eleitoral.
Lei da Orquestração: A primeira condição para uma boa propaganda é a infatigável repetição dos temas principais. Goebbels dizia: "A Igreja Católica mantém-se porque repete a mesma coisa há dois mil anos. O Estado alemão deve agir analogamente."
Adolf Hitler, em seu Mein Kampf, escreveu que a propaganda deve limitar-se a pequeno número de idéias e repeti-las incansavelmente. “As massas não se lembrarão das idéias mais simples a menos que sejam repetidas centenas de vezes“, escreveu Hitler. “As alterações nela introduzidas não devem jamais prejudicar o fundo dos ensinamentos a cuja difusão nos propomos, mas apenas a forma. A palavra de ordem deve ser apresentada sob diferentes aspectos, embora sempre figurando, condensada, numa fórmula invariável, à maneira de conclusão”. Não parecem frases extraídas de um moderno tratado de comunicação mercadológica?
Portanto, a qualidade fundamental de toda campanha de propaganda é a permanência do tema (ou “conceito” - como dizemos hoje), aliada à variedade de apresentação. Convivendo com a redução substancial de sua participação na partilha do bolo de recursos federais - que na era FHC eram distribuídos com generosidade para os governadores do PSDB e com parcimônia burocrática aos demais governadores - o governo do Pará resolveu usar a técnica da orquestração para criar um discurso de “defesa do Pará" (defesa contra "quem"? Contra o "inimigo único", o Governo Federal), ao mesmo tempo em que oculta a participação do governo federal (agora do PT) em ações expressivas realizadas no Estado, como a regularização fundiária, a pavimentação de rodovias, a eletrificação rural ou a criação de um sistema único de segurança. Ao mesmo tempo, sob a abstrata bandeira da defesa do Pará, oculta sua participação ativa nas privatizações da Celpa e da Companhia Vale do Rio Doce, que geraram o desmonte de importante patrimônio público, a precarização dos serviços, a ausência de controle e fiscalização do Estado sob nosso sub-solo e a manutenção ad-eternum da "vocação" extrativista que nos coloca desde sempre na periferia do desenvolvimento nacional.
Lei da Transfusão: A propaganda não se faz do nada e se impõe às massas. Ela sempre age, em geral, sobre um substrato preexistente, seja uma mitologia nacional, seja o simples complexo de ódios e de preconceitos tradicionais. É o que os oradores fazem quando querem amoldar uma multidão ao seu objetivo: jamais contradizem as pessoas frontalmente, mas de início declaram-se de acordo com ela. A maior preocupação dos propagandistas reside na identificação e na exploração do gosto popular, mesmo naquilo que tem de mais perturbador e absurdo. O sexismo nas propagandas de cerveja é fruto da idéia, corrente, de que a mulher é um objeto de desejo e elemento ornamental em si, abstraindo seu valor como pessoa, como ser racional.
Lei da Unanimidade: Baseia-se no fato de que inúmeras opiniões não passam, na realidade, de uma soma de conformismo, e se mantêm apenas por ter o indivíduo a impressão de que a sua opinião é esposada unanimemente por todos no seu meio. É tarefa da propaganda reforçar essa unanimidade e mesmo criá-la artificialmente. Quando Ayrton Senna morreu, os meios de comunicação trataram de transformá-lo não apenas em ídolo, mas em um semideus, fazendo com que essa comoção chegasse até mesmo a pessoas que pouco sabiam sobre Fórmula 1 ou sobre a personalidade do piloto. Durante a transmissão do traslado do corpo de Ayrton Senna, ao ser perguntada por um repórter sobre o que estava sentindo, uma mulher respondeu: "Estou muito triste. Eu nem sabia o quanto amava o Ayrton”. Não sabia mesmo, até a mídia dizer isso a ela, criando artificialmente uma relação afetiva, quase íntima, pessoal, com alguém com quem ela nunca teve qualquer contato humano anterior.

No Dia da Propaganda, uma agência de Belém divulgou peça institucional onde usava a propaganda nazista, através de uma imagem e de alusão textual, como uma propaganda que não obteve êxito, fracassou. Na sua opinião, ela obteve êxito ou fracassou? Justifique?

A propaganda nazista foi exitosa. A idéia de que a linha mestra da propaganda nunca deve ser abandonada, de que qualquer variação tem que afirmar a mesma coisa, de que o sucesso da propaganda é assegurado pela repetição e pela constância, são matrizes do marketing e da propaganda contemporâneos lançadas por Goebbels durante a campanha nazista. Os fatos precisam ser reconhecidos. Em 2000, a Vanguarda fez um outro anúncio, também publicado no Dia da Propaganda, com o título “a propaganda sem ética pode vender tudo. Inclusive a nossa liberdade” onde combatemos a visão de que apenas a propaganda “justa”, “verdadeira”, pode ter êxito. Isso é pura mitologia. Fernando Collor, para ficarmos só em um exemplo, fez história para não deixar dúvida: propaganda sem ética vende, sim. Transforma mentira em verdade, ainda que por um tempo. E durar pouco tempo é ainda durar, porque a extensão temporal não precisa ser infinita para um fato acontecer e produzir resultados. A propaganda sem ética vende, passa adiante. E depois não pede desculpas. Pode vender falsários como salvadores da pátria e torná-los governantes; pode vender carros inseguros, que capotam numa freada brusca; pode vender pacotes de excursão que te deixam sozinho numa paragem perdida na savana africana ou em pleno Lençóis Maranhenses; pode vender a idéia de que todo árabe ou mulçumano é inimigo da civilização ocidental, desencadeando o ódio racial e a intolerância religiosa; propaganda sem ética pode vender tudo, inclusive a nossa liberdade. A propaganda nazista foi soberbamente exitosa porque ganhou a cumplicidade de uma das populações mais cultas do mundo para atos insanos, como o extermínio físico de comunistas e judeus ou a invasão de países limítrofes. Mas veja: a Alemanha foi pátria da filosofia moderna, esteve na vanguarda do pensamento ocidental. Não é nem nunca foi um povoado habitado por um amontoado de tontos. Contudo, o poder de convencimento da propaganda foi tamanho que o nazismo se instaurou praticamente sem derramamento de sangue: derrotado nas urnas, Hitler tornou-se primeiro ministro em 1932, em 1934, com a morte do presidente da Alemanha, Hindemburg, assumiu a presidência e consolidou seu poder. Em 1939, invadiu a Tchecoslováquia e a Polônia, sem encontrar resistência. Ele soube dialogar com os anseios, as aspirações e as franquezas daquele povo culto, submetendo-o. O fato do nazismo ter sido derrotado não se deu por conta da incorreção da sua propaganda, afinal ele não foi derrotado ideologicamente, ele foi derrotado militarmente para depois ser submetido a um julgamento ideológico e histórico. Felizmente, apenas o sucesso da propaganda não foi capaz, não foi suficiente, para levar Hitler e seus aliados à vitória final na segunda guerra mundial. Ele não foi derrotado por sua propaganda, e sim, foi derrotado apesar dela.

sexta-feira, maio 26, 2006

A arma do argumento

Aeroportos são espaços impessoais.
Lugares onde a individualidade dissolve-se em ações pré-fabricadas, mecânicas, rituais.Casas de transição para quem não quer estar ali.
Muita gente, como eu, busca nesse ambiente hostil um lugar seguro na leitura.
Isso talvez explique porque bancas e livrarias em aeroportos sejam negócios tão prósperos.
Foi em um desses atos de recolhimento que encontrei, em uma banca de um aeroporto qualquer, o livro “Televisionários” (Conrad Editores), relato cronológico das atividades de um grupo de heróicos e desvairados ativistas contra a guerra do Vietnã e contra o cerco direitista que varria todos os continentes na década de 70.
Ali, perdida, achei uma pérola. A frase “a partir daqui termina o desespero e começa a tática”, impressa em preto no papel branco, brilhava.
Lapidar, é do manifesto inaugural do grupo de ativistas alemães conhecido mundialmente como Baader-Meinhof, que incendiou, literalmente, o continente europeu.
Para os mais jovens, esse nome é apenas o título de uma das melhores canções da banda Legião Urbana. Para os mais velhos, sinaliza o início do enfrentamento da ordem instituída em um período onde fazer política de oposição era risco de vida e, via de regra, exigia trocar as armas dos argumentos pelos argumentos das armas.
Dirigido por Andréas Baader, outsider contestador, e Ulrich Meinhof, jornalista de esquerda convertida em ativista política, a Fração do Exército Vermelho (RAF) notabilizou-se, na década de 70 e início da década de 80 do século XX, por ações ousadas contra o Estado alemão e o grande capital, desencadeando aquilo que a imprensa e os órgãos de repressão de todo o mundo passaram a denominar “euro-terrorismo”.
Baader e Meinhof, presos e sob a proteção do estado alemão, foram assassinados a sangue frio.
Ele com um tiro na nuca, ela enforcada com um lençol amarrado na grade de sua cela. No laudo de ambos os corpos, a causa mortis foi grafada como “suicídio”. Quem é aqui o terrorista? Os mortos, vítimas indefesas sob a custódia da Justiça, ou os algozes, assassinos traiçoeiros encobertos pelas vestes do Estado?
Nos ataques que a RAF fez em década e meia de existência não havia alvos civis, apenas bases militares e CEOs de grandes corporações - "representantes do capital", “soldados graduados” do regime que Baader, Meinhof e seus companheiros combatiam com uma logística precária e coragem arrebatadora.
Por que colocar uma frase de uma dupla de prisioneiros políticos como dístico de abertura de meu blog sobre comunicação, marketing e política?
Porque ela sinaliza um ponto de passagem entre a inércia e a ação.
E é esse o objetivo desse blog.
Ser ponto de convergência para os que querem passar do desespero à tática, discutir, transgredir, debater, enfrentar temas como comunicação, marketing, política e artes sem meias palavras e duplos sentidos.
Um espaço aberto ao debate, onde cada um assume o peso das armas que quer carregar e atira na direção que desejar.
Sem sensores, nem senhores.
Porque a partir de agora termina o desespero e começa a tática.
Posso contar contigo?

Um museu de grandes novidades

Apesar dos prêmios, da visibilidade, do crescimento expressivo do lugar da publicidade no PIB nacional, é impressionante como a sociedade ignora o negócio da propaganda no Brasil. O verbo ignorar aqui não tem nenhuma conotação indireta. Diz respeito exatamente ao desconhecimento e, portanto, à ignorância dos “formadores de opinião” do país acerca dos mecanismos que regem o negócio da propaganda, seus instrumentos internos, suas especificidades, seus intrincados dutos de mútua comunicação.
Quem assistiu aos depoimentos dos publicitários chamados a prestar esclarecimentos às diversas CPIs, todas do fim do mundo, levadas a cabo em 2005 e, espraiadas até 2005 por razões puramente eleitorais, percebeu o primarismo dos questionamentos a que foram submetidos os dirigentes de agências de publicidade por parlamentares ávidos por holofotes mas pobres em conteúdo, confundindo receita com faturamento, Bonificação de Volume com honorários, contratação de serviços gráficos com bandalheira, numa vertigem quase lisérgica diante dos olhos atônitos da nação.
Mas a vertigem parece não ter fim. Fruto dela, a edição de 30 de janeiro, Meio & Mensagem faz uma chamada de capa instigante: “Congresso estuda criar regras mais claras para licitação de publicidade”.
Na página 32 não encontrei aquilo a que a chamada induzia. Ali, o ilustre deputado José Eduardo Cardozo (PT/SP) discorre sobre a necessidade de dar “transparência ao processo de escolha” de agências de publicidade, focando na necessidade de “evitar que profissionais de marketing político cujos clientes sejam eleitos tenha acesso facilitado a contas de governo”.
Afora a ótima idéia de segunda mão de garantir a apresentação das propostas técnicas em dois envelopes, um identificado e outro não - como já fez o Banco do Brasil em sua última licitação - em sua maioria as medidas propostas pelo deputado chovem no molhado porque partem de um desconhecimento extremo da Lei de licitações, das especificidades da atividade publicitária configuradas na Lei 8.666 e dos anteparos legais pré-existentes, como o Código Civil. Por isso Cardozo propõe “mudanças” que na verdade não mudam nada e ainda correm o risco de restringir ainda mais o acesso de pequenas agências às contas públicas federais.
Por que não mudam nada? Porque em sua maioria as medidas propostas por ele com grande estardalhaço já estão em vigor, faltando apenas fiscalização.
Por que restringem ainda mais o acesso de pequenas agências às contas públicas? Porque buscam afunilar critérios e limitar as contratações, concentrando na mão de poucos a já monopolizada verba de publicidade dos órgãos federais.
As propostas de Cardozo formam um precário museu de grandes novidades.
O deputado propõe que “contratos entre órgãos públicos e agências devem se referir somente à prestação do serviço de publicidade”. Essa prerrogativa já existe e está em vigor. A Lei de licitações é clara ao afirmar que o objeto da prestação de serviço não pode ser outro senão aquele configurado na atividade fim firmada no contrato social da empresa. Ou seja, uma agência de publicidade só presta serviço de publicidade. Ocorre que para prestar os serviços de publicidade precisa interagir com veículos e fornecedores. É assim desde que o mundo é mundo e nada mudará isso, seja aqui ou na Eslovênia.
O deputado propõe a criação “de instrumentos que reduzam a subjetividade na análise das propostas técnicas das agências que forem participar de concorrência pública”. Criar pra quê? Esse item também está garantido, em plenitude, na legislação atual. Se tivesse tomado o cuidado de ler um único edital de licitação de publicidade, veria que a subjetividade está presente em apenas um único item entre tantos, justamente o que se chama “idéia criativa” e que só pode ser analisado de maneira subjetiva. Todos os demais itens são objetivos, como infra-estrutura instalada, idoneidade fiscal ou pessoal dedicado ao trabalho. A apresentação de proposta técnica em envelope neutro é uma medida salutar para evitar que a licitação seja dirigida a obter um resultado pré-determinado, tornando o processo mais transparente, mas isso já está em prática.
O deputado propõe que “toda agência contratada tenha seu desempenho técnico avaliado”. Pelo amor de Deus! Este item já existe na legislação atual, tanto que a ruptura unilateral do contrato por parte do contratante está claramente configurada desde que “os serviços não estejam sendo desempenhados a contento”. Se existe a possibilidade de ruptura pelo descumprimento do contrato e por desempenho insatisfatório, é porque já existe a avaliação de desempenho.
É também idéia do deputado “evitar que uma agência que tenha feito a campanha eleitoral seja favorecida no momento da análise técnica”. Aqui há dois problemas: o primeiro é que o deputado intui que toda licitação onde uma agência que fez a campanha ganhou a licitação é, desde logo, suspeita. Isso é inaceitável. Uma agência que fez a campanha pode concorrer e ganhar a licitação desde que esteja apetrechada das condições técnicas e legais para tal. Em segundo lugar, parece querer limitar o acesso das agências que fazem campanha às contas públicas, o que é ilegal. A lei de licitações garante isonomia, ou seja, direito igual para todos, inclusive para as agências que atuam fazendo campanha, de concorrer em pé de igualdade, sem discriminação, nos processos licitatórios. Cercear essa liberdade é uma agressão ao direito que essas empresas têm de disputar concorrências apresentando suas competências.
Por fim, o deputado propõe a criação de “mecanismo que limite a liberdade atual dos governos para contratação de agências de publicidade”. Esses mecanismos já existem e são duplos: de um lado, é o limite orçamentário, de outro, é o limite constitucional. Nenhum governo pode fugir a eles, seja o presidente da República ou o prefeito da menor cidade do país. Os governos, em qualquer esfera, não podem gastar mais do que 1% de seus orçamentos com publicidade. Nem podem contratar a seu bel prazer. Para autorizar, precisam de provisão orçamentário-financeira; para executar, precisam se submeter à lei de licitação e seus prazos e regras. Dentro desses limites, não apenas podem como devem fazer comunicação, porque é dever do governo prestar contas e direito do cidadão saber onde e como o dinheiro público está sendo investido.
Aliás, tornou-se mister a imprensa se escandalizar com investimentos públicos em publicidade. Gastos anuais de governos com propaganda viram manchetes de jornais e chamadas em programas televisivos com a mesma ênfase com que se denuncia roubo a bancos e escândalos sexuais. Como se esses veículos, contra-partes de um sistema que é retroalimentado pela publicidade, não fossem os beneficiários finais desse investimento. Aqui e em qualquer lugar os demagogos e os ignorantes se atraem e se unem para atacar a publicidade, alegando que investimentos em comunicação minam o Estado e tiram dinheiro da saúde, da educação, da infra-estrutura. Acusados, estamos silenciando diante desses ataques vis. A decisão acéfala do prefeito do Rio de Janeiro de dispensar agência para fazer e veicular publicidade é parte dessa síndrome criminalizante que vivemos desde junho de 2005. No ápice da crise política, mais de um parlamentar demonstrava em rede nacional seu horror aos investimentos publicitários - que geram emprego e renda - mas nem ruborizam diante dos soldos e vantagens que recebem a título de representação e que são responsáveis por dispêndios sem retorno para o país.
Sejamos francos. O que está por trás desse discurso evasivo e ignorante é mais que, pura e simplesmente, a falta de noção de como, ao longo de décadas, o negócio da propaganda no Brasil se autoregulamentou, cresceu e se profissionalizou sem a tutela do Estado, forjando uma legislação clara e transparente que fez do Brasil uma potência no mercado publicitário mundial. Se nossa indústria siderúrgica tivesse o mesmo desempenho mundial que nossa publicidade hoje seríamos uma potência mundial e não um país eternamente “em desenvolvimento”. E essa ignorância também vem eivada de preconceito, como se todos nós fossemos vilões carecas vestindo paletós escuros e tendo como atividade-fim lançar mão do erário e distanciar-se dos ditames da ética. É o oposto. A publicidade no Brasil, através do Cenp, é um exemplo para o mundo de como um setor pode assumir as rédeas de sua própria atividade e, sem o anteparo do Estado, edificar regras e critérios que são obedecidos e seguidos por todos. As exceções, aqui, apenas corroboram a regra.
Mudança como “sorteio para definir os membros das comissões de licitações” proposta por Cardozo não é novidade alguma e já se tornou prática em centenas de municípios e dezenas de estados.
Em sua maioria, as “mudanças” propostas pelo deputado criminalizam o sofá, como naquela velha anedota, sem apontar efetivamente para os personagens que colocaram nele sua nódoa. Portanto, não apenas não resolvem o problema como tendem a agravá-lo.
Cercando toco para não chegar ao principal, o deputado esquece de citar que a grande concentração de verba pública nas mãos de poucas agências, sempre as mesmas, é a maior fonte dos problemas que se tornaram públicos em 2005.
Mas quem quer mexer com o monopólio das grandes agências, senhor Deputado?
Uma medida simples para conter os abusos no uso do dinheiro público em publicidade vai no sentido contrário de “limitar a liberdade” de contratar. Não é contratar menos, mas contratar mais. Por que uma verba bilionária como a do Banco do Brasil ou da Petrobrás tem que ficar na mão de duas agências apenas? Por que não dez, vinte agências? Por que não dividir por produto, por área de negócio, por região? Por que não licitar por lote?
Por que, deputado, concentrar é bom e diverficicar, regionalizar, parece tão ruim a quem controla verbas tão generosas?
Somente a contratação de milhares de agências de publicidade – e não meia dúzia e sempre as mesmas, como hoje acontece – pode democratizar o acesso, limitar os abusos e fortalecer o mercado de maneira vertical, de norte a sul do país. Esse é o roteiro para fazer o que Cardozo quer mas não sabe como.O resto é pirotecnia inútil e demagógica com forte odor de macarthismo.