sexta-feira, agosto 05, 2011

Mulheres pagam caro pela crise européia

O peso da crise vem recaindo sobre seus ombros, já que elas conformam a parte mais vulnerável da classe trabalhadora. Na Inglaterra, além dos cortes nos serviços púbicos, as mulheres estão sendo obrigadas a voltar correndo para o mercado de trabalho. O número de mulheres que têm recorrido à Agência de Empregos cresce a cada dia e os últimos gráficos publicados pelo Office for National Statistics (agência oficial de estatística) mostram que o número de mulheres à procura de emprego cresceu pelo décimo segundo mês consecutivo. (The Guardian, 13/7/2011)
Um analista desatento poderá arriscar a dizer que isso é um bom sinal, já que as mulheres sempre são maioria entre os desempregados. Nada mais longe da verdade. Nesse movimento de “volta” ao mercado de trabalho, as mulheres só estão encontrando pela frente problemas e mais problemas. Na Inglaterra, dois terços da força de trabalho nos setores públicos, sobretudo saúde e educação, é feminina; e esses são justamente os setores da economia inglesa mais afetados pela política de austeridade lançada pelo governo este ano. Por isso, não é nenhuma surpresa que as mulheres que já estão empregadas nesses setores estejam sendo duramente atingidas pelos ataques do governo nos salários e empregos.
Esse é o fator mais importante que tem afetado as mulheres e o emprego, embora haja muitos outros fatores influenciando as taxas de desemprego, exigindo um número maior de vagas e empregos mais viáveis. Os últimos números do ONS (Office for National Statistics) mostram que em média 65,5% das mulheres estão empregadas. Os gráficos indicam que 13,566 milhões de mulheres estavam empregadas durante os meses de março a maio de 2011 contra 15,713 milhões de homens. O número de mulheres desempregadas, por incrível que pareça, é mais baixo que o dos homens, com as mulheres atingindo a marca de 7% e os homens, 8,3%.
Outro número interessante é a taxa de inatividade. Entre as mulheres essa taxa é muito superior a dos homens, chegando a 29,4% nos dias de hoje. Há também mais mulheres do que homens que são economicamente inativos, sendo 5,933 milhões de mulheres contra 3,396 milhões de homens. A principal razão para a inatividade das mulheres é o cuidado com a família e a casa, que subiu 0,7% no semestre. Em contrapartida, essa taxa entre os homens saltou 1,4%. Os homens, além dos motivos de estudo, ficam mais tempo afastados do trabalho por razões de saúde. Eles também costumam alegar desânimo como motivo para não ir ao trabalho, muito mais do que as mulheres.
Os números trazem outra característica interessante: a imensa maioria das mulheres que estão buscando emprego são mães que estavam fora do mercado de trabalho devido ao serviço doméstico e cuidado com os filhos. Dados de julho do ano passado mostram que a crise econômica está fazendo com que as pessoas coloquem as finanças antes do cuidado com a família na ordem de prioridades. Cerca de 100 mil mães já foram forçadas a voltar ao trabalho desde que a crise econômica começou. E os economistas dizem que esse número vai continuar aumentando, porque as mulheres não têm outra opção a não ser lutar por um salário. Desde agosto de 2007, quando a crise do crédito começou, o número de mulheres que ficam em casa cuidando da família caiu para 97 mil. E continua caindo, sendo que em média 20 mil mulheres deixaram o lar entre março e maio deste ano. Na verdade, as estatísticas dizem que as mulheres “abandonaram o lar”, ou “trocaram o lar pelo escritório”, quando o que de fato ocorre é que elas estão assumindo a dupla jornada de trabalho. Como a maior parte das poucas vagas oferecidas nesta época de crise se constitui de empregos precários, em tempo parcial e sem qualquer tipo de vínculo empregatício, as mulheres vão levando as duas coisas ao mesmo tempo, a casa e o emprego.
Algumas mulheres à procura de emprego são forçadas a aceitar qualquer coisa diante do fato de que seus maridos ficaram desempregados. Outras porque o salário do marido não é o suficiente para pagar as contas no final do mês. Em muitos casos, as finanças da família se reduziram porque as contas subiram e o salário do marido ficou congelado. Jill Kirby, diretora do Centro de Estudos de Planejamento e autora do livro The Price of Parenthood (O Preço da Paternidade), diz que o dinheiro exerce uma ditadura sobre a vida de inúmeras famílias. “As mulheres estão indo ao mercado de trabalho em uma época de grande dificuldade financeira. Mas poucas mães têm a opção de ficar em casa”.
Michael Connellan, do Instituto da Família e Paternidade (Family and Parenting Institute), diz que “as mães, inclusive muitas de família de classe média, disseram que estão tendo que voltar ao trabalho muito antes do que gostariam devido às atuais pressões financeiras”. E acrescenta: “O custo da criação de um filho está aumentando”. O Child Trust Fund (fundo para auxílio a crianças carentes) foi abolido, os créditos para quem tem filhos estão sendo cortados para muitas famílias pobres e os benefícios para a infância estão congelados. Enquanto o número de mães que ficam em casa cuidando dos filhos vem caindo, o número de pais que ficam em casa vem subindo, e saltou de 25 mil para 213 mil desde o início da crise.
Essa situação na Inglaterra, que com certeza atinge toda a Europa, mostra mais uma vez que a condição subalterna das mulheres na sociedade não é um problema apenas da desigualdade de gênero. É um problema estrutural do capitalismo, que usa e abusa da classe trabalhadora conforme seus negócios andam bem ou andam mal. As mulheres, tradicionalmente confinadas ao exército industrial de reserva, como mão de obra disponível, em épocas de crise são forçadas a vender sua força de trabalho a um preço miserável, ocupando cargos precários e sem qualquer direito trabalhista, para suprir as carências da família diante do desemprego dos homens. Como parte fundamental e mais oprimida da classe trabalhadora, as mulheres precisam assumir seu lugar na luta contra os ataques do governo e da patronal, somando-se às grandes manifestações que vêm ocorrendo em toda a Europa e também na Inglaterra.

Por Cecília Toledo, de Liverpool