Uma das estratégias mais espantosamente equivocadas colocadas em curso por grandes companhias é o uso intenso do humor como estratégia de venda. A confusão evidente entre entretenimento e marketing está na raiz desse erro, que ganha força com a contratação de comediantes de stand-up (aqueles que contam piada em pé, sem qualquer recurso cênico adicional) e de apresentadores de programas de humor de gosto duvidoso, como CQC ou Furo MTV, para estrelar comerciais ou ocupar espaço nas redes sociais com infames "tuítes patrocinados" - comentários de encomenda para motivar usuários do Twitter a consumirem o que o palhaço indica; uma espécie de falsidade ideológica bem gratificada e de resultados reais questionáveis a não ser para o vilipendio da ética.
Esse equívoco se alimenta em uma premissa amadora, que confunde visibilidade com credibilidade. Recentemente a marca Bombril saiu do semi-anonimato na internet para expressivos 14 mil "fãs" no Facebook e 1.500 no Twitter. A palavra "fã" é uma daquelas que têm um significado na vida real e outro na internet. Na vida real, fã é uma palavra derivada de "fanático", que significa alguém que daria a vida por algo ou por alguém. Na internet, pode se tratar não de "seguidores", mas de perseguidores, como é o caso. A maioria dos "fãs" da Bombril reclamaram na internet do tom agressivo da campanha mal educada que, na TV e no Youtube, supostamente defendia um ponto de vista feminino contra o ponto de vista masculina sobre... tarefas domésticas. O texto, colocado na boca de celebridades do humor como Marisa Orth, Monica Iozzi e Dani Calabresa, era eivado de preconceito contra a própria mulher. Custou 40 milhões e não envolve apenas os comerciais, mas também um site onde a linguagem chula e os preconceitos são reiterados. Na ficha técnica da agência DPZ, que criou a campanha, apenas homens assinam a campanha que queria expressar o ponto de vista das mulheres. O número de reclamações de consumidores e consumidoras contra a marca foram do site para o Procon e de lá para o Cenp - Conselho de Autoregulamentação Publicitária, uma espécie de OAB da propaganda brasileira.
Um porta-voz da companhia, com um riso idiota no rosto, comemorou a visibilidade. "Os anúncios foram os mais vistos da história de 63 anos da Bombril; 200 mil vezes só no Youtube". Equivale a um linchado comemorar que havia 200 mil apedrejadores no evento.
A ideia de migrar a publicidade para o humor, ainda que politicamente incorreto, se baseia em leitura analfabeta de uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos segundo a qual, no Brasil, "anúncios engraçados tem 23% mais chance de ser lembrados" enquanto 27% dos consumidores latino-americanos consideram o humor "muito importante" em qualquer anúncio. A leitura torta desses números mostra que temos cada vez mais pesquisas e cada vez menos bons leitores e tradutores de pesquisa. Lembrar os anúncios não significa lembrar as marcas que os assinam. Dizer que o humor tem importância não significa que tem importância para produzir o desejo de compra de determinado produto. As marcas premium, como BMW, Lamboghini e Mercedes, por exemplo, nunca usaram humor e são campeãs em faturamento em seu segmento. No estrato inferior, Casas Bahia, o maior anunciante privado do país, também não usa humor e vende mais que todos os concorrentes juntos. Em propaganda como em qualquer outro segmento, estabelecer dogmas pela leitura torta de um texto sagrado pode levar ao fundamentalismo.
Em defesa do humor como panaceia, João Livi, da Talent, teoriza: "Ao se divertir com um vídeo, o consumidor espontaneamente repassa o material aos outros".
A pergunta é: e daí? Eu e o juri de Cannes consideramos o comercial "cachorro-peixe", exibido em 2008, uma peça genial. A versão internacional (para prêmios), ao contrário da nacional, não continha narração e ficou ainda melhor. O filme é igual, mas sem texto, só finalizando com o título: “Anything you imagine”.
Você lembra do comercial? Provavelmente. Você lembra que marca assina o comercial? Provavelmente não. A imagem em si do elemento central da peça é tão forte que turva ou obscurece a marca e o produto. Fica a lembrança do cachorro-peixe; vai-se a lembrança do carro que estava sendo vendido. A intensidade do brilho criativo foi maior que o necessário para vender a marca e o produto, mas encanta o público. Essa dicotomia nem sempre é entendida pelos especialistas e nem tem razão para ser percebida pelo público.
A publicidade é uma atividade propícia a mal-entendidos. Popularidade, por exemplo, pode ser confundida com aceitação ou aprovação, mas são conceitos distintos e nem sempre andam juntos.
Se é verdade que o humor mal educado e agressivo típico da classe média alta tem ajudado a entreter um público específico na internet e na televisão e tem ajudado empresas sérias como Vivo, Bombril, Tim, Oi e até Coca-Cola a fazer barulho entre os mais jovens, também é verdade que o espectro dessas marcas (aquilo que foi criado em décadas de investimento de marketing e de logística para posicionar essas marcas) é o que garante, ao fim e ao cabo, o resultado que essas companhias ostentam. O humor entretém, mas não sustenta marcas. Ou como diria David Ogilvy, "ninguém compra nada de um palhaço".
As reclamações no Conar e no Procon contra o humor grosseiro mostram que o consumidor está batendo com o cabo da vassoura no forro. Esse barulho está começando a incomodar.