quarta-feira, março 07, 2012

Uma conversa sobre marketing político


Entrevista concedida a Ronald Meiguins, aluno de publicidade e propaganda da Feapa, em novembro de 2011, como base para seu Trabalho de Conclusão de Curso.

Fale um pouco sobre a sua formação e de sua trajetória no marketing político, como tudo começou?

Chico Cavalcante - Minha entrada no mundo das polêmicas publicas, das análises de conjuntura e das ações de comunicação política, se deu pela porta esquerda. Eu era militante de uma organização marxista de oposição ao regime militar o que me obrigava a falar e pensar política, a persuadir, a argumentar, a discursar para públicos diversos e, sobretudo, a escrever muito. Naquele período eu estudava Filosofia e Letras na UFPA, mas já atuava em órgãos de imprensa como o Jornal Resistência, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos. Na metade dos anos 80, após ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional por atividade subversiva (conspirar contra o regime militar) decidi cursar Marketing Político em São Paulo. Quando retornei a Belém fui trabalhar com publicidade na Agência da Casa (Globo/TV Liberal) para, em seguida, ser contratado pela Griffo, agência que já atuava em marketing político. Também trabalhei na Mendes e na Galvão, grandes escolas. Em 1992 fundei minha própria agência, a Vanguarda. Minha agência, tocada a quatro mãos com meu irmão Alcindo Cavalcante, nasceu com foco na comunicação política, mas só passamos a atuar com eleições em 1994, quando assumi minha primeira campanha, de Valdir Ganzer para o governo do Pará e Edmilson Rodrigues para o senado. A campanha foi derrotada eleitoralmente, mas vitoriosa politicamente, porque pela primeira vez o PT rompeu o seu limite histórico de votos, entre 3 e 5%, obtendo 18% dos votos no Estado e mais de 20% dos votos na capital. Edmilson, o candidato ao senado, obteve quase 300 mil votos, basicamente na capital, o que o cacifou a se candidatar a prefeito na eleição seguinte.

Quanto tempo o Sr° está no ramo do marketing político?

Chico Cavalcante - Se contarmos o tempo em que trabalhei na Griffo, estou fazendo campanhas eleitorais profissionalmente há 27 anos e atuo em publicidade há 30 anos, tanto como redator e diretor de arte quanto como estrategista de marketing comercial e político.

Quais os candidatos e partidos para quem o Sr° já trabalhou em Belém?

Chico Cavalcante - Sou um homem de esquerda, ou seja, tenho uma formação humanista a partir de uma perspectiva marxista. Isso me levou a atuar em marketing político com legendas de esquerda, como PT, PCdoB, PSOL, PSB ou de centro-esquerda, como PV e PDT. Isso não significa que eu não trabalharia para outras legendas, desde que a candidatura mostrasse um histórico convincente e um projeto de governo que respondesse a pelo menos algumas das minhas expectativas como cidadão. Para a prefeitura de Belém, que penso ser o foco de sua pergunta, eu fiz três campanhas: Edmilson Rodrigues (PT) em 1996, Edmilson Rodrigues, reeleição, em 2000 e Ana Júlia (PT) em 2004. Em 2008 eu estava fazendo outras campanhas, como a de Flávio Dino (PCdoB) em São Luiz, quando fui chamado aqui na reta final da campanha de Mário Cardoso (PT), com tarefas específicas, que era elevar a votação de Mário - que não passava dos 7% - combater a candidatura adversária que ocupava o segundo lugar e naquele exibia 26% de intenção de votos. A elevação de Mário foi prodigiosa e ele não foi ao segundo turno por apenas 4 mil votos, sua diferença para Priante, do PMDB, que disputou a segunda volta contra Duciomar Costa.

O que traz mais resultado para o candidato que quer se eleger, marketing político ou marketing eleitoral?

Chico Cavalcante - São duas coisas distintas embora sejam usadas como sinônimo no Brasil. Marketing político é toda atividade de marketing que se propõe a vender uma idéia política. Assim, o Greenpeace, por exemplo, faz marketing político. A propaganda institucional de governos é uma modalidade de marketing político. Essa atividade é permanente e sistêmica, por ser estratégica, ou seja, estar relacionada aos objetivos de longo prazo. Por sua vez o marketing eleitoral é tático e temporal. Está circunscrito ao tempo exato em que uma eleição transcorre.  Há quem diga que o marketing político é um esforço planejado para se cultivar a atenção, o interesse e a preferência de um mercado de eleitores, e que é o caminho seguro para o sucesso de quem deseja vencer na política. Não é verdade. Em política o caminho seguro é construído e nunca se dá previamente. Em política não há destino, há estratégia.  Por isso eu gosto da definição que diz que o marketing político é uma estratégia permanente de aproximação do partido e do candidato com o cidadão em geral, enquanto que o eleitoral é uma estratégia voltada para o eleitor, com o objetivo de fazer o partido ou candidato vencer uma determinada eleição.

O candidato é como um produto a venda? Que pontos ele deve privilegiar?

Chico Cavalcante - Essa história do candidato ser “um sabonete” começou em com a primeira campanha feita por uma agência de propaganda, a BBDO. Foi em 1952, nos Estados Unidos, quando o general Dwight Eisenhower se converteu no primeiro candidato presidencial em apelar aos serviços de uma agência, para que assumissem sua campanha televisiva. Nos Estados Unidos foi onde a rápida expansão dos meios de comunicação semeou o terreno fértil para um desenvolvimento progressivo e constante do marketing político. Anos mais tarde, na televisão, as campanhas eleitorais norte-americanas lançaram mão dos debates televisivos de candidatos, como os do John Kennedy e Richard Nixon (1960), multiplicando o alcance de um comício ou debate para além do aqui e agora das campanhas circunscritas geograficamente. O candidato pode ser chamado de “produto” apenas por um exercício retórico, mas ele não é um produto no sentido em que a indústria e a sociedade industrial entendem vir a ser um produto, já que um candidato tem história de vida, família, relações públicas e privadas, vida pública e privada, opinião que pode ter variado ao longo da vida, etc enquanto um produto é um elemento inerte, que pode ser conduzido sem qualquer ingerência de vontade. Tente lidar com Lula ou mesmo com Simão Jatene e colocá-lo onde ele não quer estar para você ver se ele vai. Não vai, a não ser que esteja convencido e nisso todo ser humano se diferencia de um produto. O ponto a se destacar depende da conjuntura em que a eleição se dá. Não existe uma fórmula pronta. O que será privilegiado na próxima eleição pode não ter sido relevante na eleição anterior.

Quais as estratégias políticas que o Sr° acha mais eficaz em relação a custo-benefício?

Chico Cavalcante - Como eu disse, não há uma fórmula pronta e acabada. Cada caso é um caso. O que pode ser bem-sucedido em uma determinado cenário pode se tornar ineficiente em outro aparentemente similar. As variáveis são infinitas e o único segredo para empreender campanhas bem sucedidas e que tem aplicação universal é conhecer bem as forças e fraquezas do seu candidato e as forças e fraquezas do adversário. Ter em mãos esse conhecimento não garante a vitória mas é um bom começo.

Por menor que seja a verba que o candidato tenha disponível, qual a mídia que o Sr° acha que ele nunca poderia deixar de usa-lá? Por que?

Chico Cavalcante - Toda mídia é decisiva porque uma campanha é, em última instância, em essência, comunicação. Nas democracias, não há campanha eleitoral sem mídia. Como chegar às massas, sem meios de comunicação de massas? Afora a mídia impressa e a internet, a mídia de massas é gratuita para as campanhas, porque é disponibilizada aos candidatos, partidos e coligações de maneira proporcional pelos Tribunais Eleitorais de acordo com a legislação vigente. No entanto, isso não significa que não exista um custo altíssimo com comunicação de rádio e tevê. Não há campanha política sem custos de comunicação, que inclui estratégia, criação, profissionais de suporte, estruturas de produção, impressão de material de divulgação e todo o aparato de conhecimento do humor do eleitor, como pesquisas qualitativas e quantitativas. Isso tudo custa dinheiro. E cada vez custa mais. Quando você vê uma campanha de fora, não tem ideia de que aquela máquina é movida por centenas de pessoas que estão dedicadas em tempo integral àquilo. Essas pessoas precisam ter os equipamentos necessários, ser remuneradas, alimentadas, deslocadas. Todo esse custo em uma campanha é contabilizado como “comunicação” porque responde a logística da comunicação e marketing, sem a qual a comunicação pode até acontecer. Por exemplo, num estado como o Pará, com mais de 300 repetidoras de TV distribuídas por um estado com estradas precárias se você precisar trocar comerciais diariamente só poderá fazê-lo se tiver a sua disposição um up-link de satélite. Como no marketing comercial, há o custo para pensar o produto, produzir o produto e para distribuir o produto para os pontos de venda.

O Sr° diz que " O peso do corpo-a-corpo é inversamente proporcional ao tamanho do colégio eleitoral". Através de que meios pode-se inverter essa situação?

Chico Cavalcante - O peso do corpo a corpo em uma cidade com 20 mil habitantes é alto, porque você pode, com mil cabos eleitorais ou militantes, cobrir todas as casas e chegar a todos os eleitores. Mas isso não é possível em uma cidade como Belém ou São Paulo. Aí aumenta a importância da mídia de massas, que diminui a distância entre a campanha e eleitor. Não há como inverter esse cenário. O próprio marketing da forma como o conhecemos hoje – e o marketing político como decorrência – são resultantes de uma mudança no modo de produção e distribuição de mercadorias. As cidades, os aglomerados urbanos, geraram a necessidade de meios de comunicação de largo alcance que produziram, historicamente, os meios de comunicação de massas, primeiro o rádio (que decorreu do telégrafo e do telefone como meios de comunicação à distância) e depois a tevê, que decorreu dos meios de transmissão à distância do rádio e da imagem em movimento que surgiu com o cinema. Não há sociedades de massas sem meios de comunicação de massas e essa é uma tendência que jamais se inverterá.

No decorrer de sua trajetória no Marketing Político houve muitas mudanças nas estratégias de comunicação tradicionais com as de hoje, como o Sr° vê isso?

Chico Cavalcante - O marketing político evoluiu muito em 30 anos, do mesmo que evoluíram os meios de comunicação e as formas de representação política. Surgido nos Estados Unidos, primeiro era visto com desconfiança, especialmente pelas lideranças políticas que viam nos consultores uma espécie de intrusos nas campanhas eleitorais, um meio ambiente que o político imagina dominar. Hoje o marketing político e os consultores de marketing político já são reconhecidos como ferramenta útil. Essa evolução passou, no Brasil, basicamente por três momentos que foram proporcionados pela redemocratização do país: as campanhas de Fernando Collor (1989), Lula (2002) e Dilma (2010) mostraram a importância crucial do marketing político para o posicionamento de imagem e para a conquista da preferência do eleitor. Em termos de novas técnicas, a principal assimilação recente veio de onde o marketing político nasceu - os Estados Unidos. Foi o uso dos meios digitais, que se tornaram relevantes a partir da campanha de Barack Obama em 2008, candidato a presidente dos Estados Unidos que, em sua campanha, utilizou largamente as ferramentas on-line inclusive para recolher fundos.

Cite um diferencial de sua campanha em relação a campanhas de outras agências?

Chico Cavalcante - A primeira questão é que temos princípios: não fazemos campanha para causas ou pessoas nas quais não acreditamos. Não há dinheiro que pague a consciência da gente. Emprestamos nossa inteligência e nosso preparo para alavancar alguém a uma posição de poder e isso exige responsabilidade. Além do uso do argumento como centro da atividade de convencimento eleitoral e da emoção verdadeira, autêntica, como amálgama desses argumentos, o diferencial metodológico das campanhas que fazemos é o que conceituei como “comunicação militante”, um conjunto de ferramentas que desenvolvi a partir do ano 2000 e que consiste no uso de redes reais (e não apenas virtuais) para criar uma cadeia de difusão de mensagens que possa se propagar para além do espaço da mídia convencional. Essa prática prevê a formação de agentes de comunicação militante, que organizam o debate político e a organização de simpatizantes em ruas, bairros, associações de moradores, sindicatos, etc. A comunicação militante usa uma composição entre as formas de organização militante desenvolvidas pelas organizações de esquerda ao longo dos anos contra a ditadura, combinado com ferramentas de marketing de guerrilha – ações de baixo custo e alto impacto que inclui intervenções em mídias sociais, atividades de rua e mídia exterior diferenciada.

O Sr° pode citar uma campanha política sua de sucesso e quais foram os pontos fortes, e se houve alguma que não deu certo, quais foram os pontos fracos?

Chico Cavalcante - Aqui há que distinguir o que se entende por sucesso ou fracasso. Por exemplo, em 2002 fizemos a campanha de Maria do Carmo Martins, ou simplesmente Maria, que era candidata a governadora pelo PT. Maria nem aparecia nas pesquisas. Deputada estadual por Santarém, era completamente desconhecida em Belém. Ela disputou a eleição contra pesos pesados da política local, como Hildegardo Nunes e Simão Jatene, este apoiado pelo governador mais bem avaliado da história recente, Almir Gabriel. Maria não apenas foi para o segundo turno como perdeu a eleição por apenas 1,3% dos votos, tornando-se uma personalidade política estadual, vindo a vencer depois duas eleições para prefeita em sua cidade natal, Santarém. Ou seja, Maria perdeu a eleição, mas ganhou politicamente uma dimensão que não tinha. Essa é a função do marketing político bem feito: fazer com que o candidato saia de uma eleição melhor do que entrou. Ganhar ou perder depende de outras variáveis e não apenas do marketing político. Fiz a campanha de Camilo Capiberibe no Amapá, que hoje é governador do Estado, o mais jovem já eleito no Brasil. Fizemos uma campanha barata, com recursos modestos, mas com um discurso focado, dentre outros itens, no desperdício de recursos que a corrupção provoca. No meio da campanha, uma ação da Polícia Federal colocou atrás das grandes dois dos adversários e fez com que nossa pauta se tornasse a pauta de todos. É óbvio que isso nos ajudou a vencer, embora essa ação da PF estivesse fora de nossa governabilidade. Essa foi uma das variáveis que nos levou à vitória e que não dependeu do marketing, embora o marketing tenha se beneficiado disso.
Para falar de êxito eleitoral, posso dar três exemplos:
Em 1996, em Belém, vencemos a eleição para a prefeitura de Belém a partir de uma disputa em que o nosso candidato, Edmilson Rodrigues, aparecia nas pesquisas em quinto lugar, com risíveis 2% de intenção. Cresceu de maneira avassaladora e quase vence o pleito no primeiro turno, sagrando-se vencedor com quase 20% de diferença para o candidato da situação, apoiado pelo então prefeito Hélio Gueiros.
Em 2006, Ana Júlia foi candidata ao governo contra Almir Gabriel, o governador mais bem avaliado do século XX, que já acumulava em seu currículo a prefeitura de Belém, dois mandatos como senador, dois mandatos de governador e o feito extraordinário de ter conseguido eleger governador ao seu auxiliar Simão Jatene, que havia servido durante anos a Jader Barbalho e se notabilizou como um quadro da burocracia partidária, sem nenhuma experiência eleitoral anterior. Contra esse gigante - naquele momento Almir era um gigante - postou-se Ana Júlia, que vinha de uma derrota eleitoral para Duciomar, em 2004. Nossa estratégia foi de uma simplicidade franciscana: sabedores que a campanha tucana viria com uma exibição rotunda de obras (90% delas feitas durante o mandato de Almir, com quem o presidente Fernando Henrique nutria amizade pessoal), resolvemos ignorar a pauta da situação e criar outra: a do déficit social que se nutriu à margem das grandes obras. Nosso discurso foi bem sucedido e sem fazer qualquer promessa mirabolante, Ana Júlia destacou-se e venceu o pleito com cerca de 10% de diferença para o ex-governador. Em que pese o bom desempenho de 2006, em 2010, por razões que até hoje desconheço, não fui chamado para a campanha de reeleição da governadora.
Em 2008, Maria do Carmo, prefeita de Santarém, foi candidata a reeleição, mas apresentava índices de aprovação baixíssimos, devido fundamentalmente a duas questões: uma crise com os órgãos de imprensa, que passaram a atacar fortemente sua administração e uma carência de recursos ocasionada pelo discurso de oposição que manteve contra o governo do Estado. Assim, em 2008, o ex-prefeito por dois mandatos, Lira Maia, o adversário de Maria entrou no pleito com 36% de vantagens sobre a prefeita do PT. Aproveitando o tempo de TV para fazer um minucioso balanço da administração, fizemos do vazio de informação o elemento surpresa. As pessoas diziam “Eu não sabia que ela tinha feito tanta coisa”. No segundo momento, exibimos testemunhais verdadeiros de gente que havia sido diretamente beneficiado pelas ações de Maria, como as crianças das comunidades Quilombolas que agora podiam estudar na própria comunidade e antes viajavam quilômetros para poder assistir às aulas. Maria venceu com 14% de diferença, o que significa que cresceu apenas no período da campanha mais de 40%.

Com tantos casos de corrupção no governo, como um candidato poderia criar uma imagem política sem ser comprometida pela atual discredibilidade política vigente?

Chico Cavalcante - Antes de tudo é preciso enfatizar que a falta de credibilidade da política e dos políticos é nociva para a democracia. É perniciosa, porque induz setores da popular a crer que outra forma de poder, que exclui a política pelo voto e os políticos eleitos, pode ser melhor. Essa é a raiz das ditaduras e do autoritarismo. Resgatar a política e fazer dela uma ferramenta de cidadania é fundamental para a democracia. Entregue apenas aos políticos profissionais e ao achaque dos interesses privados, a política perde seu caráter de bem-comum e passa a responder a vontades inconfessáveis.
Em seguida, é preciso limpar o terreno: não é verdade que vivemos o período de maior corrupção no país. A verdade é que desde 2002 as denúncias de corrupção são amplamente informadas, não há censura; são apuradas, a polícia federal e o ministério público podem atuar, e os corruptos estão sendo repelidos do governo federal, porque não existe acoitamento do governo para com práticas antiéticas, como havia em governos anteriores. O caso mais notório é o das privatizações levadas a cabo pelos governos Fernando Henrique (PSDB), um escândalo internacional, assim como o da construção da ponte Rio-Niteroi e da Transmazônica durante a ditadura, ou mesmo a construção de Brasília, cujo valor inicial ultrapassou em 100 vezes o valor final da obra. Mas eram outros tempos e o silêncio vigorou. Diferente de agora, quando um caso de um funcionário dos Correios embolsando R$ 3 mil quase derruba um governo inteiro (2005).
Esse arejamento é bom para o país. Na verdade, a atividade política não é bem vista pela população em lugar nenhum do mundo, e não apenas no Brasil e em grande medida isso tem a ver com duas coisas: a) a população não sabe como a política funciona e nem qual o papel exato de cada instância de poder, por isso cobra soluções da prefeitura que cabem ao governo do estado e do governo federal o que cabe à prefeitura, por exemplo; b) a população brasileira acredita que a corrupção é um mal do Brasil e que pode ser combatida apenas com medidas punitivas, quando deveria ser combatida com ampliação do espaço democrático de participação, com o ingresso de cidadãos comuns na vida pública, com financiamento público de campanha, com voto distrital e com o fortalecimento dos partidos. A corrupção é um mal que precisa ser combatido em todo o mundo. “A corrupção política compromete as esperanças de prosperidade e estabilidade dos países pobres e prejudica a economia global”, já disse o grupo Transparência Internacional (TI) em seu relatório anual 2010. Este ano, o TI investigou os efeitos nocivos da corrupção política, em parte para destacar novos acordos internacionais, com a Convenção da ONU contra a Corrupção, para coibir tais práticas, e elaborou uma lista com os políticos mais corruptos de todos os tempos. No topo do ranking está o ex-ditador da Indonésia Suharto, acusado de desviar entre US$ 15 bilhões e US$ 35 bilhões nos 31 anos em que ficou no poder (1967 a 1998). "O abuso do poder político para ganhos privados priva os mais necessitados de serviços públicos vitais, criando um nível de desespero que gera conflitos e violência", disse o presidente do IT, Peter Eigen. "Isso também afeta o bolso dos contribuintes e acionários em todo o mundo. O problema deve ser enfrentado em nível nacional e internacional", disse. O relatório revela ainda que sete dos 10 países com índices de corrupção política relativamente altos são da América Latina - Argentina, Bolívia, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Panamá e Paraguai. O Brasil não figura nessa lista. Eu diria que o denuncismo e a condenação sumária são tão ruins quanto a corrupção, porque minam a credibilidade política, levando a população a acreditar que toda forma de fazer política é suja e que todos os que lidam com política também o são. Uma vez, em uma palestra para 300 estudantes de comunicação em uma faculdade local, eu sugeri que eles analisassem seriamente a possibilidade de atuar marketing político. Uma parte dos presentes me vaiou. "Como assim atuar nessa coisa suja que é a política", me indagou um exaltado. Assim como os caçadores de bruxa da idade média, que achavam que a pronúncia de uma palavra trazia em si o mal que a palavra descreve, há pessoas que acham que fazer política, falar de política e atuar em eleições é, em si, algo ruim, eivado do mal que supõem ser intrínseco da política. Estão errados. A política não suja. São as pessoas sujas que sujam a política, que é a atividade humana mais produtiva que existe porque sem ela não haveria estado, democracia, justiça, direitos humanos e economia global. Foi a política, a prática política, que moldou o mundo como conhecemos, para o bem e para o mal. Abandonar a política e condená-la não ajuda o mundo a progredir, mas apenas entrega o destino de todos nas mãos de alguns poucos. Quantos mais de nós atuamos, mais a vida de todos pode ser melhor. Atuar em política é atuar com um produto nobre: a vida social e o futuro das gerações presentes.

A ética é um grande mote eleitoral?

Chico Cavalcante - É um erro fazer do discurso ético ou da retórica moral, uma plataforma eleitoral. As eleições discutem o presente e o futuro imediato - as práticas de estado e a gestão da coisa pública - enquanto a ética se preocupa com as normas de conduta atemporais, com a influência que o código moral estabelecido exerce sobre a nossa subjetividade e a moral discute os costumes. A ética deveria, então, nortear o ensino, a educação, a vida cotidiana, as relações familiares e não apenas a política no seu sentido corrente. Diferente da moral, que se fundamenta na obediência às normas de condutas, tabus e costumes pré-concebidos, a ética é a base do bem viver social. e tem a ver com a reflexão sobre o valor humano das ações sociais consideradas tanto no âmbito coletivo como no âmbito individual. Os que querem fazer da ética uma plataforma eleitoral pensam que a função da política é vigiar a política. Não é. A função da política é ética em si, porque objetiva trabalhar para o bem comum. A política reflete a ética social de dada época e de dada sociedade. Para mudar a política é preciso revisitar a ética daquela sociedade. Pessoas que furam fila, que atropelam e não socorrem, que param em fila dupla, que agridem mulheres e crianças, que desrespeitam o bem público, que fogem da participação e da solução dos problemas coletivos, que dão mal exemplo aos filhos, essas pessoas votam em políticos que refletem esse comportamento, que se identificam com sua ética. Não adianta tapar o sol com a peneira. Para mudar a política é preciso mudar os eleitores e eles mudarão a qualidade dos políticos que conduzem aos mandatos. Em uma sociedade organizada a tarefa de vigiar a política e os políticos cabe ao Ministério Público, à Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), além, é claro, da imprensa. A ética, portanto, tem que ser uma pratica de vida. Tem que estar nas casas, nas ruas, nas escolas, para chegar ao parlamento, aos palácios de governos, aos órgãos públicos. Digo sempre aos meus clientes que para se diferenciar dos corruptos não é preciso fazer muito esforço, basta não roubar, basta ser transparente, basta não ser conivente com as práticas ancestrais da pilhagem da coisa pública. Mas esse não é um conselho que o marketing se obriga a dar. Ou é uma prática do postulante ao cargo ou não é. Isso não nasce na política, nasce na vida e então se espalha para os aparelhos de poder e para os mandatários. Quando entro em uma campanha estou fazendo uma escolha ética. Se confio no político e conheço sua biografia, eu trabalho pra ele. Se não confio, declino. O dinheiro pode muito. Mas não pode nos dar um sono tranquilo se não estamos bem com a nossa consciência.