Sou um torcedor de futebol esporádico mas já fui um desses que saem aos domingos para os estádios; que sofrem, se alegram e torcem por seu clube com fervor quase religioso. Até joguei por curto período no infantil de um dos grandes clubes locais e integrei a seleção de futebol de salão da escola onde conclui o ensino médio. Não sou, portanto, um leigo total no tema.
Me interesso, como todos os nascidos neste país, pelo destino da seleção canarinho; sofro com os pernas de pau que têm nos representado e até desejo boa sorte ao nosso escrete, mas tenho certeza (porque acompanho as partidas do campeonado europeu na tv) que precisaríamos de onze nilmares e onze gansos - é isso mesmo: vinte e dois craques em campo - para ter alguma chance de vencer uma copa contra a competência tática, o vigor físico e o talento em ascensão exibidos pelo futebol europeu.
Como apreciador da arte, tenho acompanhado as artimanhas dos cartolas internacionais em relação a Copa de 2014 com interesse redobrado. E me divirto com o seguidismo da imprensa de plantão ao discurso interesseiro da FIFA e da CBF.
Há algumas semanas o secretário-geral da FIFA, Jérôme Valcke, deu um piti público cobrando o governo brasileiro para que acelerasse as construções para a Copa. O governo brasileiro respondeu com um cronograma azeitado, afirmando que se não houver um terremoto como o do Japão por aqui as obras estarão concluídas quando elas precisam estar concluídas: em 2014. Isso não evitou muita gritaria na imprensa que nunca questiona nada a respeito de nada. Me diverte o fato de ninguém nas redações achar no mínimo estranho que um governo - não este governo, mas qualquer governo - pudesse se auto-sabotar de maneira tão imbecil, recusando-se a fazer as obras necessárias para garantir o certame mundial de futebol, evento de maior visibilidade global e cujo fracasso em um país como o nosso resultaria na desgraça eterna de governantes e partidos que por ventura cometessem tal heresia. O Brasil é um país de amantes do futebol, mas não só isso. É um dos países com maior taxa de desenvolvimento sustentável no mundo - melhor que Índia e China, que crescem sem reduzir a pobreza - e tem, por certo, recursos para tocar as obras necessárias.
A crítica da FIFA seria por alguma divergência com a CBF? Nada. A imprensa especializada noticiou fartamente que Valcke e Ricardo Teixeira tinham tirado férias juntos e que estavam "de bem". Então, o que estaria por trás dessa gritaria pública? É simples pressão da FIFA para que o governo brasileiro coloque mais dinheiro público nas mãos da CBF e das empreiteiras. Não sei se vocês sabem, mas mundialmente as empreiteiras têm envolvimento com, digamos, pressões multidirecionais por dinheiro público, cujo fluxo garante a lucratividade generosa desse ramo de negócio. Corrupção não é, como a jaboticabeira, um fenômeno brasileiro, ao contrário do que tentam nos ensinar a todos, buscando com isso macular a auto-estima nacional.
As razões do piti recente dos cartolas mundiais são as mesmas que explicam a escolha de cidades brasileiras sem nenhuma infraestrutura futebolística ou tradição de futebol, como Manaus-AM, para sediar jogos da Copa. Esse fim de mundo exige mais investimentos em infra-estrutura para garantir a realização do evento e, por ser mais distante e só poder ser acessada por avião, exige que mais dinheiro circule para garantir que os torcedores lá cheguem e se instalem. Belém, metrópole da floresta e porta de entrada da Amazônia, que tem acesso rodoviário e um estádio olímpico pronto, não precisaria construir um novo aeroporto ou um estádio do zero para garantir os jogos da Copa, mas apenas fazer pequenos ajustes no entorno do estádio e uma ampliação parcial no aeroporto, reduzindo assim o volume de recursos investidos, o envolvimento de empreiteiras e, portanto, o lucro da operação toda. Agora você entendeu. Não é de futebol que se trata, mas de capitalismo selvagem, de exacerbação dos lucros.
A percepção inicial dessa jogatina foi de Andrew Jennings, único jornalista a ser banido das coletivas de imprensa promovidas pela FIFA. Inglês, nascido, portanto, no país onde o futebol surgiu, o jornalista já escreveu dois livros sobre as sujeiras da Comitê Olímpico Internacional (COI) e um nessa mesma vibe sobre a Federação Internacional de Futebol Association. É dele a instigante e elucidativa frase: "Copa do Mundo? FIFA? Empreiteiras? Dá para sentir o cheiro daqui".