segunda-feira, novembro 17, 2008

Um contraponto sobre Obama

A opinião que reproduzo abaixo é de Simon Jenkins, publicada pelo jornal britânico The Guardian e traduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Merece ser lida, no mínimo como contraponto a uma certa euforia, da qual não partilho, de que Obama por si só trará soluções que nem a política à qual está enlaçado nem a conjuntura na qual foi gerido podem favorecer.
O que escrevi no dia da histórica vitória democrata e reitero é que a ascenção de Obama é, sim, um fato novo; abre uma porta que estava fechada, possibilitando a setores segregados historicamente uma posição de mando em um país que, até os anos 60 do século XX, ainda queimava negros em praça pública, utiliza-os para testes químicos e impedia pela força e pela Lei a convivência multiracial.
O fato real é que essa porta não se abriria apenas pelo carisma de Obama e pelo marketing de posicionamento magistralmente conduzido por sua campanha. Era preciso que a conjuntura jogasse no colo desse homem "diferente" dos que se sucederam no comando do império, a posição de mando justamente quando as colunas de pedra começaram a ruir. Obama sinaliza esperanças para uns, mas, ao mesmo tempo, é para as eleites um sintoma de que os de cima não podem mais governar como governavam e os de baixo não querem mais ser governados como antes. Terá que viver e governar uma crise sem precedentes e contará, para isso, com um crédito de esperanças jamais visto na história recente.

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Obama e o sonho americano

Por Simon Jenkins

Vendam Obamas agora: eles estão supervalorizados e os mercados futuros estão enlouquecidos por eles. Alguns meses depois de Barack virar presidente, a bolha vai estourar. Desde que ouvi falar dele pela primeira vez, há quatro anos, senti que havia um presidente em formação. Como o jovem Mandela, Obama parecia ter a aura de uma liderança nacional incipiente. Sua personificação do sonho americano era admirável.
O mundo não-americano queria que Obama vencesse. Essas pessoas não votaram. Mas o eleitorado dos EUA também deu preferência a ele. O mundo prefere Obama principalmente porque ele é negro; os americanos, porque ele não é republicano. Nenhuma dessas razões é sólida. Para a maioria dos não-americanos, negro ainda é um código para distância do establishment americano.
Qualquer um que vá à Europa, à África ou ao mundo muçulmano fica chocado com a antipatia aos EUA, que vai além da ideologia: é uma aversão visceral, não relacionada com qualquer apreço pessoal aos americanos individuais ou ao seu invejado modo de vida. Mas o mesmo visitante fica impressionado com a freqüência com que lhe asseguram que uma presidência Obama “mudaria tudo”. A razão disso não é que Obama seja contra a guerra e a favor dos palestinos ou da esquerda ou da direita. É que suas origens fazem dele a coisa que ele nega com a maior veemência, a de não ser um americano comum.
Para esse mundo, Obama é um suposto representante de uma classe oprimida, por mais que seu discurso, modos e carreira digam o contrário. Ele é negro. Simboliza o fim da supremacia “wasp” (a elite americana branca protestante). O motivo de sua candidatura ter incomodado muitos americanos é o motivo pelo qual o mundo ficou eletrizado por ela: Obama é meta-americano.
Mas Obama é um político. Sabe que terá de fazer mais do que belos discursos. Terá de enfrentar os destroços da economia mundial cujo colapso se deveu, em grande parte, à má gestão das finanças americanas, de cuja responsabilidade, como senador, ele não pode de todo se eximir. Terá de restaurar o crédito para os mercados e a confiança para o comércio. Terá de trazer saúde e bem-estar para um país cujos pobres parecerão mais “Terceiro Mundo” quando o desemprego começar a morder. Para milhões, parecerá um messias. Outros milhões poderão se decepcionar.
No exterior, terá de encerrar duas guerras e trazer sanidade mental a uma diplomacia caótica. A expectativa de que será um arauto de paz e da salvação econômica é provavelmente a maior desde Roosevelt. O ônus da expectativa é espantoso.
O carisma e a retórica de Obama até combinam com esses desafios. Suas políticas declaradas, não. Seu desejo de sair do Iraque não é muito diferente do desejo de Bush e do governo iraquiano. Mas seu desejo de fortalecer a guerra no Afeganistão é temerário. Obama aprovou o bombardeio de alvos no Paquistão, recuou da conciliação com o Irã e nada fez sobre a provocação exibicionista da Rússia.
Em casa, poderia ser um democrata convencional, a favor de impostos, gastos públicos e proteção tarifária. Embora parte disso seja assunto dos EUA, a economia mundial precisa tanto de um americano protecionista como de uma bala na cabeça.
Há uma perspectiva ainda mais alarmante: a de que um presidente democrata, com um Congresso a seu favor, deve se abster de parecer mole ou “apaziguador do terror”. Na política, quanto mais liberal o homem, de modo mais iliberal ele pode se comportar, como foi o caso com Clinton e Blair. Obama precisa se distanciar dos atos patrióticos da guerra ao terror de Bush.
Obama se proclama a revolução da vida pública americana. Mas seu histórico é tudo menos radical. Ele apóia até mesmo o porte de armas. Não fosse sua cor, seria um candidato concorrendo numa chapa democrata convencional, com poucas políticas mais construtivas que as de seu adversário.
Nada disso é argumento para não gostar de Obama. Na Washington de hoje, uma modesta competência poderia parecer revolucionária. Mas a liderança democrata é como Ícaro: suas asas derretem assim que voa para perto do Sol. Obama está voando bem perto.