quinta-feira, setembro 25, 2008

Novas frentes de luta na comunicação

Autor de diversos livros basilares, como "História da Sociedade da Informação", "Diversidade Cultural e Mundialização" e do clássico "Para ler o Pato Donald: comunicação de massas e colonialismo", o belga Armand Mattelart, professor da Universidade Paris VIII, na França, é um dos mais ácidos críticos do monopólio mundial dos meios de comunicação e da indústria cultural. Leia aqui algumas de suas polêmicas posições.


Como o senhor vê a evolução das políticas públicas de comunicação no mundo? Os governos estão reféns da mídia?


A própria noção de "políticas públicas" no campo da comunicação e da cultura, como pregavam os países não alinhados às demandas da Unesco por uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic), durante os anos 70, passou por uma travessia no deserto nas últimas duas décadas do século passado. As estratégias de ajuste estrutural e de desregulamentação a negavam, simplesmente.Tivemos que esperar o fim dos anos 90 e os primeiros anos deste século para que o imperativo das políticas públicas voltasse a ser ouvido nos debates sobre o ordenamento mundial da comunicação, apesar dos os governos continuarem muito reticentes.

Como se posiciona o movimento social neste contexto?

O movimento social teve um papel importante ao colocar na ordem do dia esta questão. Eu citava antes o posicionamento do movimento social na cúpula mundial da sociedade da informação. Poderia citar a formulação de projetos para a reforma dos sistemas de rádio e televisão que está emergindo na União Européia ou em vários países latino-americanos, da Argentina até o México, passando pelo Brasil. Estes projetos propõem a necessidade de repensar tanto o funcionamento do setor privado e do serviço público como de legitimar a existência de um terceiro setor, composto de meios comunitários ou associativos, livres e independentes.

O senhor está falando da comunicação popular?

Os atores da comunicação popular ampliaram suas perspectivas e já não se conformam só em reforçar suas redes e seu profissionalismo, mas se convertem num dos pontos avançados nas pressões que tendem a substituir estruturalmente o conjunto do sistema midiático e reabilitar a idéia do "público", alinhada com a declaração das organizações latino-americanas de comunicação, reunidas em Quito, em julho de 2004, por ocasião do Fórum Social das Américas: "Privilegiar a defesa e a promoção do público, porque o público permite o exercício da uma cultura deliberativa que confronta e aceita diversas posições para fazê-las dialogar e construir acordos baseados na discrepância sobre os conflitos que vivemos mas assumimos". Poderia referir-me também aos esforços desenvolvidos para instaurar políticas que preservem a "diversidade cultural" e o pluralismo dos meios.

Há avanços concretos nesta luta?


Sem cair no triunfalismo, penso que estão se abrindo novas problemáticas e frentes de luta no campo amplo da cultura. Em cada um deles, se assistiu à criação de redes cidadãs tanto em escala nacional quanto planetária. As iniciativas lançadas pela rede CRIS ou "Direitos a Comunicação na Sociedade da Informação" ou a "Coalizão para a diversidade cultural" o atestam.

Como os povos do mundo podem usar os meios de comunicação para dominar a mídia?


Temos que pensar na brutal assimetria dos receptores frente às empresas de mídia e eternizar contra-poderes, a fim de promover uma "ecologia da informação". É a filosofia da ação que motivou o lançamento, no segundo FMS de Porto Alegre de 2002, do projeto de uma "força ético-moral", encarnada em um observatório internacional dos meios (Media Watch Global). Este observatório está destinado a multiplicar-se através de observatórios nacionais, compostos por profissionais da informação, de todos os tipos de meios; de universitários e pesquisadores de todas as disciplinas, em particular especialistas dos meios e da informação; de usuários e observadores críticos da mídia e associações que os representam. Observar é também estudar as causas estruturais dos silêncios da cobertura midiática, a razão das censuras, das distorções, estar atento a todos os debates e iniciativas que concernem às estruturas dos meios. Observar não é só estigmatizar, mas suscitar propostas.

Como o senhor observa a ofensiva do capital financeiro mundial sobre a indústria da comunicação e do entretenimento?


É um fenômeno que responde a uma lógica global. A desregulamentação do sistema mundial de telecomunicações teve um papel nodal neste processo, pois aproximou as indústrias de conteúdos das indústrias de equipamentos. Este processo é aberto pela onda de choque originada nos Estados Unidos, em 1984, com o desmantelamento do quase monopólio do sistema doméstico, mas ganha realmente força a partir de 1998, com o acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) que generaliza a "liberalização" das telecomunicações. A concentração alcança todos os setores das indústrias culturais, desde a imprensa, os livros e as livrarias até a rádio e televisão, passando pela indústria discográfica. Ela se reforça nos países que já possuíam altos índices de concentração e estréia nos países que pareciam constituir uma exceção.

Como esta concentração prejudica a liberdade de informação?

O problema é tamanho que até o Parlamento Europeu alertou sobre o risco que a liberdade de expressão e de informação correm com domínio de um punhado de grupos midiáticos e convocou os responsáveis da União Européia a elaborar uma diretriz que salvaguardasse o pluralismo dos meios, ameaçados pela concentração e a homogeneização crescente do modo de tratar a informação e seu conteúdo. Os atores do oligopólio incorporaram em suas estratégias a dimensão política dos debates internacionais sobre a comunicação e suas entidades representativas estão presentes em todos os lugares onde se discute a "nova ordem mundial da informação". E exercem pressões sobre os governos e as instituições internacionais com vistas a derrubar os marcos jurídicos que limitam as concentrações ou impedem as posições dominantes. Elas não toleram críticas a não ser as delas próprias.

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são um atalho para se democratizar a comunicação?

Não existe receita. O importante, me parece, é não se imolar sobre o altar das últimas tecnologias de informação e de comunicação. Apropriar-se delas mas sem ceder à amnésia que nos faz esquecer a longa e rica tradição de reflexão acumulada pelas experiências de usos populares de tecnologias anteriores, como o rádio, por exemplo.