Eu defendo o sistema de financiamento público de campanha opcional, como existe nos Estados Unidos, onde o candidato ou partido opta por um sistema ou pelo outro.
Os gastos de campanha podem ser financiados de duas formas: fundos públicos repassados pelo governo e contribuições privadas de eleitores organizados em grupos de interesse.
Estudos comprovam que quando há apenas contribuições privadas, como é o caso do Brasil na atualidade, a política vencedora é geralmente viesada em direção à plataforma ideal dos grupos economicamente dominantes, ou seja, têm por escopo os grupos privados e seus interesses.
Por outro lado, a representação dos partidos no Congresso tende a ser um pouco mais equilibrada. Quando há apenas contribuições públicas, a política vencedora é socialmente ótima. No entanto, a representação dos partidos passa a ser desigual com a bipolarização se tornando preponderante. É o caso da Inglaterra, onde a bipolarização entre conservadores e trabalhistas já dura um século.
É verdade que, se ambas contribuições são disponibilizadas, a política adotada é viesada em favor dos grupos sociais mais fortes e organizados e a representação dos partidos no Congresso torna-se assimétrica, com um partido dominante no longo prazo, como é o caso da França, por exemplo, que passou por um longo período de predomínio do Partido Socialista.
Por isso, o financiamento híbrido precisa vir associado ao fortalecimento dos partidos, à criação de regras mais rígidas para a manutenção de registros partidários e a adoção do voto em listas partidárias.
Democracia moderna não se faz com eleição. Até mesmo ditaduras fazem eleições e na Grécia antiga, a mãe da democracia, coexistiam eleições diretas com escravismo e opressão às mulheres e às crianças. Democracia moderna se faz com partidos fortes, ideológicos, programáticos e plurais.
O que quer dizer plurais? Que um partido de esquerda, por exemplo, pode ter em seu interior diferentes frações que convivam democraticamente exercitando o debate, sem que seja preciso que cada pequena fração se auto-proclame partido. Partidos fortes não são, necessariamente, monolíticos, mas devem, sempre, ter unidade doutrinária.
O que me surpreende no presente debate nacional sobre o tema da reforma política é a ignorância com que a imprensa majoritária trata a questão. Eu vi no programa Jô Soares uma historiadora dizer "é um absurdo usar dinheiro público para enriquecer políticos" e uma jornalista irritar-se com "o absurdo da gente não poder mais votar em quem a gente quiser" - ela referia-se ao voto em lista, a única forma de fortalecimento dos partidos capaz de dar musculatura ao raquítico sistema partidário nacional.
Quem defende financiamento público de campanha não quer "enriquecer políticos" e tratar a questão com essa pobreza de argumentos é querer desqualificar o debate previamente. Quem diz isso é que está a enriquecer políticos, porque prega a manutenção do sistema viciado que faz da política um fator de enriquecimento individual desde que a república foi inaugurada no país.
Até onde vai a simples ignorância ou burrice pura e simples de opiniões como a da historiadora do programa Jô Soares e onde começa a má fé, o desejo de induzir a opinião pública ao erro? É difícil precisar.
O financiamento público opcional ou exclusivo é um mecanismo de transparência do processo e não uma fonte de financiamento individual para "políticos". É uma forma, talvez a única, de garantir que a prática de Caixa Dois seja varrida do cenário nacional.
A imprensa plantou que o Caixa Dois é uma prática associada a PC Farias, caixa de campanha de Fernando Collor e a Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Bem, isto é, no mínimo, uma injustiça histórica.
Em novembro de 2000, o jornal “Folha de São Paulo” publicou reportagem sobre contas paralelas do presidente reeleito em 1998, Fernando Henrique Cardoso. Segundo aquela reportagem, apresentada pela revista “Veja” naquele mesmo mês, o tesoureiro da campanha, Luiz Carlos Bresser Pereira, registrou o recebimento de R$ 43 milhões de contribuições para a campanha, deixando de declarar ao Tribunal Superior Eleitoral doações superiores a R$ 10 milhões, correspondentes a mais de 20% do total declarado.
Do ponto de vista da contabilidade oficial de campanha, são marcantes as diferenças de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos em 1998. Na campanha para os governadores eleitos menciona-se a divergência dos gastos declarados pelo governador
da Paraíba, José Maranhão, e pelo de Sergipe, Albano Franco, que montam R$ 116.500 e R$ 1,3 milhão, respectivamente. Já para o cargo de presidente, aquelas eleições registraram uma discrepância ainda maior, pois Ciro Gomes declarou ter gasto com a campanha R$ 1 milhão, Luiz Inácio da Silva, outros R$ 3,9 milhões, para um gasto de R$ 43 milhões declarados pelo candidato eleito Fernando Henrique Cardoso. Ora, se essa é uma prática enraizada no sistema político, ela só pode ser combatida com a mudança do sistema e não com declarações de intenções.
Desculpem a franqueza, mas atrás de seus discursos pomposos e indignados, os que defendem a manutenção do sistema atual de financiamento em campanha e a balbúrdia do sistema de coleta de votos sem lista partidária defendem, na prática, a manutenção da bandalheira. Afinal, o que será uma "reforma política" sem a mudança estrutural nessas duas áreas senão uma grande encenação para deixar tudo como está?