terça-feira, junho 23, 2009

Deus não joga futebol

Os fundamentalismos são, todos, perigosamente segregacionistas.
Nenhum escapa a uma lógica perversa que dá aos donos da verdade o poder de decidir o que é certo e o que é errado, imputando rótulos às condutas e, por fim, incidindo sobre os diferentes, sobre os pensamentos discordantes, dando a eles o epíteto que resultará na morte, seja ela literal ou não.
Os entretenimentos, de um tempo para cá, vêm dando lugar a certas crenças primitivas e fundamentalistas, que vêem Deus saindo do céu e descendo às quadras, às pistas de atletismo ou de Fórmula 1. E, é claro, aos campos de futebol. Sempre tomando partido.
No último domingo, durante o jogo Brasil 3 X 0 Itália, enquanto o jogador Luis Fabiano comemorava um dos gols da partida, aproximou-se de um microfone na margem do gramado para homenagear sua filha Giovana, que aniversariara na semana anterior.
Oportunista, oculto por um cacho de braços que outros atletas que procuravam comemorar o tento, um dos jogadores brasileiros que se aproximou para abraçar o goleador gritou ao microfone: "Glória a Deus! Glória a Deus! Glória a Deus!".
Sentado em minha poltrona, me assustei. Me vi tomado por uma série de reflexões advindas daquela cena estranhamento familiar, que se perpetua em imagens como as de jogadores apontando para o céu após fazerem um gol, enquanto o goleiro adversário (talvez a representação do pecado e do mal) caminha para o inferno do fundo do gol. Mas a primeira e primordial reflexão era simples: o que levaria um jogador de futebol a atribuir à Deus a glória de um tento em um campo de futebol? A não ser que a Itália fosse a representação do demônio, o antagonista literário e mitológico de Deus, não haveria razão alguma para uma intervenção divina acontecer em uma disputa entre homens em um campo de futebol.
A egolatria humana é tamanha que não lhes ocorre a insignificância daquele momento. Era só um jogo, uma disputa alegórica, com 11 homens de um lado contra 11 homens de outro, buscando levar uma bola de couro até as redes do time adversário. A diferença entre Itália versus Brasil e uma partida de várzea é só a quantidade de dinheiro envolvida na primeira empreitada. De resto, força física, destreza, inteligência são as matérias-primas em uma disputa temporal circunscrita a um campo gramado. Nada ali, justificaria uma intervenção divina. Menos ainda a favor de um dos times. Achar que Deus está em campo poderia conduzir, por exemplo, a uma suposição que, pelo simplismo, revela-se claramente ridícula: a de que uma disputa futebolística nos gramados entre Irã e Brasil oporia no céu, Alá, o deus muçulmano, a Jeová, o deus cristão.
Fujamos do ridículo para fugir do fundamentalismo. Eu quero torcer pela seleção canarinha, a representação alegre de uma nação laica, heterogênea, multi-racial e, por isso, espaço de todas as crenças e não-crenças.
Manter a religião fora do campo é um bom caminho para garantir um futuro de respeito às diferenças. No futebol, como na vida.