Basta pensar durante cinco minutos sobre certas proposições extravagantes para constatar o disparate interno que elas guardam. O exemplo mais recente é o chamado "projeto ficha limpa", que ecoa pelo país como a medida mais moralizadora da história da República.
Pelo texto, aprovado na Câmara, ficarão impedidos de se candidatar políticos condenados pela justiça em decisão colegiada por crimes de maior gravidade, como corrupção, abuso de poder econômico, homicídio e tráfico de drogas. Quatro milhões de assinaturas foram coletadas no país inteiro pedindo a urgência na votaçao da matéria, de aparente relevância.
Toda essa manobra circense está ganhando grande repercussão na imprensa o que vem gerando em cidadãos de bem uma legítima mobilização, fazendo crer que o conteúdo do texto é moralizador. A toda essa onda soma-se a marketeira OAB - o sindicato mais atuante do país, que considera-se, por razões inexplicáveis, uma espécie de "Ministério Público" informal. Nem mesmo esse sindicato de advogados chamou a atenção para o contra-senso do termo "crimes de maior gravidade", presente na redação final e que coloca um arranha-céu subjetivo no meio da análise de quem deve ou não sofrer a pena da Lei. O que seriam "crimes de menor gravidade"? Assaltar um banco? Bater uma carteira? Agredir um torcedor de um time adversário usando o mastro da bandeira? Estabelecer um status de gradação de crimes já é arrombar a janela da razão quando o que se diz é que o objetivo do projeto é "limpar" a política nacional.
Esse projeto é tão limitado e parcial que será, uma vez aprovado, uma nulidade legal gritante. Sua votaçao, assim como a adesão de figuras execráveis como Arthur Virgílio, Álvaro Dias e José Agripino, é mais uma prova de que não servirá para nada a não ser tentativas, mais uma vez infrutíferas, de colar no governo brasileiro alguma marca negativa que produza desgaste na imagem bem avaliada do presidente e de seu governo. O fim puramente demagógico do projeto é de clareza cristalina.
Aliás, se os parlamentares brasileiros desejassem impor, de verdade, alguma moralidade à prática política bastava que se aplicassem a si mesmos o Estatuto do Funcionalismo Público. Se você tiver contra si qualquer processo (transitado em julgado ou não) não será aprovado em concurso público ou admitido no serviço público. Como pode, então, disputar um mandato eletivo?
Ou seja, o artefato jurídico já existe. Mas quem lembra?
Complicar aqui tem o objetivo claro e cristalino de confundir.
Aliás, o próprio Código Civil já bastaria para coibir o abuso de termos um Congresso que serve de abrigo para picaretas que poderiam estar prestando contas à Justiça.
Com "ficha limpa" ou sem "ficha limpa" no picadeiro, o circo continuará a ser comandado pelos mesmos palhaços de sempre, de cara limpa e ficha suja. Como sempre.