As eleições gerais britânicas, acontecidas no dia 06 de maio, trouxeram a tona não apenas um resultado surpreendente, que apeou do poder o Partido Trabalhista após 13 anos de hegemonia política inquestionável. Com essas eleições se consolidou a era do culto à personalidade midiática, aberta com a eleição de Tony Blair, o primeiro líder político do Reino Unido construído na era da mídia de massas usando seus instrumentos de persuasão.
Em 13 anos, a realidade aumentou o peso das mídias como fator de conversão eleitoral. Noticários de TV, blogs, Twitter, YouTube, debates televisivos, tudo isso deu à essas eleições um novo perfil, que os especialistas estão chamando de “americanização” da política britânica.
Mais uma vez o peso da mídia foi decisivo onde sempre é: nas eleições tencionadas, diante de um eleitorado dividido.
Nesse cenário conflagrado, um microfone ligado se tornou um pesadelo para o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, depois de um encontro com uma eleitora que questionava, com uma abordagem bem à direita, a política de imigração dos trabalhistas.
Diante das câmeras, Gordon Brown ouviu atentamente a aposentada se queixar. Da política de imigração passou à economia, à violência e tudo o que poderia falar ao homem mais poderoso das Ilhas Britânicas.
Foi só entrar no carro para o primeiro ministro mudar a atitude. Sem se dar conta de que o microfone preso ao paletó, da rede de TV Sky News, continuava ligado, começou a resmungar.
-Não deveriam ter me colocado ao lado dessa mulher. De quem foi essa ideia? É ridículo.
-O que ela disse?
-Oh, tudo. Ela é daquele tipo de mulher intolerante que diz votar nos trabalhistas. É ridículo.
O desabafo foi ao ar, claro.
Brown correu para pedir desculpas. “Vim cumprir penitência”, disse, depois de bater na porta da eleitora.
Atrás nas pesquisas, Gordon Brown consolidou seus índices de rejeição, mesmo intensificando o corpo-a-corpo nas ruas. O voto de Gillian Duffy, a aposentada, ele nunca teve. Ela votou Nick Clegg, jovial líder da terceira via que embaralhou uma disputa normalmente travada entre tories (conservadores) e labours (trabalhistas) graças ao carisma e à performance nos debates televisionados.
Em entrevista à revista Carta Capital, o jornalista britânico Chris Brauer afirmou que a grande mídia teve e ainda terá um peso significativo nas eleições próximas, apesar do país ter 80% de seu povo com acesso à internet banda larga.
O pouco peso da internet a não ser em questões pontuais (como a consolidação do voto conservador após a gafe do primeiro ministro) é explicado por Brauer como efeito de uma recuperação "inesperada" da influência dos grandes meios: “A mídia on-line deve predominar na próxima eleição. No pleito atual, contudo, os debates televisivos surtiram o maior impacto. Ao mesmo tempo os diários (jornais impressos) que têm perdido leitores e anunciantes, também voltaram a influenciar um maior número de eleitores”.
Em relação ao sempre lembrado “efeito Obama” na internet e sua aplicabilidade universal, Brauer assinala: “O efeito viral social ocorrido nos Estados Unidos foi aplicado aqui em diferentes áreas, algumas mais bem-sucedidas que outras. Mas, claro, nenhuma produziu o efeito semelhante ao fenômeno Obama. Fundamental é envolver o público. Para envolver o eleitorado você precisa de uma marca. Obama [é uma marca], como um rock star”.
Esse espectro paira sobre o marketing eleitoral no mundo todo. As tentativas de repetir o efeito Obama planeta afora é um equívoco que parte de outro equívoco: a idéia de que Obama foi um fenômeno que veio da internet para a sociedade, quando os fatos provam o contrário.
A internet, nos Estados Unidos, no Reino Unido ou em qualquer lugar, não é um meio de persuasão, mas de informação bilateral. Quem não entende a diferença entre essas duas coisas não entende nada. A internet presta-se, portanto, ao reforço de convicções e à arregimentação de grupos de interesses, mas não serve para a produção de mudanças de intenção de voto em larga escala, para mudar conceitos arraigados e para a formação de grupos politicamente organizados que já não existam off-line.
Na campanha de Obama, a internet teve um papel fundamental para agrupar simpatizantes que já existiam na sociedade, reuni-los e seleciona-los, colocando-os em ação, mas esses indivíduos não foram "criados" ou "convertidos" na internet, mas fora dela. A internet foi a praça onde se reuniram os simpatizantes, mas não a escola onde se formaram.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo (29/04/2010), Duda Mendonça sintetizou o real uso da internet na última campanha presidencial dos EUA assim: "Como Obama foi fenômeno em tudo, também virou fenômeno na internet, mas o dinheiro que eles arrecadaram na internet, eles colocaram na televisão", referindo-se aos comerciais de TV da campanha do democrata, que consumiram 80% dos custos de comunicação da campanha.
Apenas um dos comerciais (que apresentava a biografia de Obama, com duração de um minuto), teve um custo em compra de horários para exibição única estimado em US$ 1 milhão por emissora, mas de acordo com executivos da TV CNN, que se recusou a exibir o comercial, a cifra total é de US$ 5 milhões por emissora.
O mito de que Obama ganhou a eleição usando mais internet do que outros meios não resiste a um olhar leigo sobre as contas de sua campanha.
A explicação das razões da persistência do papel central da TV nas campanhas eleitorais no mundo não é midiática, mas neurológica.
Testes recentes feitos pelo pesquisador Herbert Krugman mostraram que enquanto as pessoas assistem à TV, a atividade da parte direita do cérebro excede em número a atividade do lado esquerdo em uma relação de dois para um. Elas estão conseguindo ali a sua beta-endorfina "fixa". Quer dizer, as pessoas estão em um estado alterado, em alguns momentos entram em “transe”, tornando-se presas fáceis de mensagens emocionais e de histórias de vida que contenham exemplos morais e estejam ligados ao que Jung chamava de "construções mitológicas". Segundo Jung, "o homem moderno é um fazedor de mitos; ele reencena dramas antiqüíssimos baseados em temas arquetípicos e, através de sua capacidade de consciência, pode se libertar de sua influência compulsiva".Diante da TV (e do Cinema, que produz o mesmo efeito) as pessoas estão sujeitas mais facilmente a serem persuadidas e a assimilarem os arquétipos mitológicos. É isso que faz da TV uma fábrica de mitos e "celebridades" voláteis.
A internet simplesmente não tem o mesmo poder da TV porque é um meio que aciona mais a razão do que a emoção. Cada um desses meios mexe mais com um hemisfério distinto do cérebro. O público usa a web menos como instrumento de assimilação, mais como instrumento de propagação. Diante do computador, o eleitor on-line seleciona informação, questiona, milita, passa adiante, forma opinião, mas atua sobre círculos concêntricos, formados por seus pares ou pares afins, jamais sobre alvos dispersos em escala e propícios a assimilar a mensagem de maneira involuntária.
Nas eleições do Reino Unido, a internet não repetiu o fenômeno Obama porque o fenômeno Obama não surgiu na internet, mas no mundo off-line, no campo de batalha eleitoral específico e territorializado, enquadrado em uma conjuntura específica. Só depois tornou-se um fenômeno global, mundial, graças ao poder de propagação (e não de persuasão) da internet.
As recentes eleições no Reino Unido apenas confirmam essas premissas.