A expressão latina significa "fazendo as mudanças necessárias". Podemos dizer que toda crítica à ausência do Estado na Amazônia pode ser admitida, mutatis mutandis.
O general Augusto Heleno Pereira que permaneceu os últimos anos à frente do Comando Militar da Amazônia (CMA), com sede em Manaus, decidiu em 2008 inscrever seu nome na história.
Tornou-se notório, então, ao expressar opiniões reacionárias e retrógradas acerca de temas delicados, uma das quais defendia a permanência do "deus-dará" a que estava entregue a reserva Raposa Serra do Sol, em Rondônia. Ele defendia que as coisas ficassem como estavam, embora a retórica fosse coberta por um difuso "interesse nacional". Agora, faltando apenas dois anos para trocar o uniforme de campanha pelo pijama de bolinhas azuis, o general volta a abrir o verbo para criticar a "ausência do Estado" na região, acusando o Estado e o governo de "não conhecer a Amazônia".
Para ele, só quem conhece a região é o Exército, "o maior interessado na saúde, na educação, na qualidade de vida do brasileiro e do índio".
Tudo indica que o general foi reprovado na disciplina "Educação Moral e Cívica".
O Exército, general, faz parte do Estado. É o seu braço armado. Se o Exército está lá, lá está o Estado. Se o Exército está na Terra do Meio, lá está o Estado brasileiro; se está no Haiti, lá está o Estado brasileiro, que é quem paga as contas, inclusive o salário do General, e define a política, demarca o escopo das ações, etc. Muda o perfil do Estado e lá se vai, junto, uma leitura da função das FFAA. Por isso não há autonomização entre Exército e Estado. Este contém aquele. Estado é uma instituição organizada políticamente, socialmente e juridicamente, ocupando um território definido. Exército é sua instância coercitiva, sua arma de auto-defesa. O Exército não é, então, um ente à parte. Não se pode dizer "O Exército", como faz o General, sem que se ouça "O Estado".
Aliás, a crença reacionária da separação entre o braço armado e o corpo social é que é a matriz de todos os golpes de Estado, como os que proliferaram na América Latina nas décadas de 60 e 70. A ideologia da segurnaça nacional foi parida do pressuposto de que as Forças Armadas (hegemonizadas pelo Exército) eram não apenas uma parte distinta do Estado, mas a sua "melhor parte", a sua vanguarda.
Ao general devemos esclarecer que a noção moderna de estado surgiu com Maquiavel e Hobbes, e inclui os seguintes aspectos: a) uma população formada por membros socialmente relacionados entre si; b) um território; c) um governo que tem o poder de estabelecer leis e usar a coerção, de modo a regular o comportamento dos indivíduos dentro de certos limites; d) independência e reconhecimento político de outros estados. Um debate importante em filosofia política é o de saber qual deve ser o papel do estado na regulação da vida dos indivíduos. Filósofos como John Locke e Robert Nozick defendem que o papel do estado deve ser muito limitado, de modo a não pôr em causa a liberdade individual. John Rawls, por sua vez, acha que o estado deve intervir para garantir uma maior justiça social, o que se apresenta dramaticamente verdadeiro quando diante de uma crise econômica tudo o que resta ao sistema financeiros de grandes países é recorrer ao Estado para sobreviver.
Os marxistas defendem um estado forte, que vá perdendo força na medida em que a sociedade avance para a saciedade. Aliás, não existe uma teoria marxista do Estado. O que existem são formulações genéricas, fragmentos, muitas vezes contraditórios entre si. A teoria althusseriana implica uma ligação umbilical entre Estado e aparelhos ideológicos, enquanto a de Gramsci pressupõe uma maior autonomia dos aparelhos privados em relação ao Estado em sentido estrito. Essa autonomia abre a possibilidade — que Althusser nega explicitamente — de que a ideologia (ou o sistema de ideologias) das classes oprimidas obtenha a hegemonia mesmo antes de tais classes terem conquistado o poder de Estado. Portanto, não seria possível falar de uma teoria marxista de Estado e muito menos de uma teoria da transição do Estado capitalista para o Estado socialista. Esta é uma tese defendida por Norberto Bobbio e por grande parte dos teóricos marxistas modernos. Lúcio Colleti chegará às mesmas conclusões, embora percorrendo caminhos diferentes. Para ele, Marx estava mais preocupado em teorizar o fim do Estado e, portanto, não havia interesse em construir uma teoria do Estado. Os anarquistas, por sua vez, defendem que a existência do estado não se justifica. Defendem uma utópica auto-organização em comunas autônomas, que levada à prática no estágio atual conduziria o mundo à barbárie das guerras tribais, religiosas e regionais antes mesmo dos conflitos entre potências.
O Estado está presente na Amazônia, sim. Desde seu surgimento no Brasil Império. O que foi a Transamazônia senão a presença desastrosa do Estado? O que foi a exploração de minérios em Serra Pelada? O que é o Sivan e a Zona Franca de Manaus? O que foi a dizimação física dos guerrilheiros do Araguaia senão a presença do Estado senão a presença do Estado na Amazônia?
Ocorre que o que quer do Estado a sociedade não coincide com o que quer o general, que propugna um papel para as Forças Armadas que avança perigosamente sobre o espaço autônomo da sociedade civil organizada, podendo colocar em risco as liberdades democráticas.
A rigor não há "menos Estado", "mais estado" nem "melhor Estado". O que houve no passado recente foi a redução e liquidação das funções sociais do Estado e minimização das funções redistribuitivas do Estado. Se há "mais Estado" ou "menos Estado" não faz diferença quando não se mexe na política.
O que falta na Amazônia é justamente política, a política humanista e socialmente responsável que ajude o homem e a mulher da Amazônia a viverem da floresta e na floresta e não contra ela.