Inegavelmente um drama humano, o confinamento e resgate de 33 mineiros no Chile ganhou a mídia de uma forma absolutamente exagerada e não teve o desdobramento óbvio: uma forte denúncia internacional e correspondente cobrança mundial devido às péssimas condições de trabalho a que são submetidos os trabalhadores da mineração no país vizinho.
Passada a comoção fanática que se gerou em torno da questão – houve quem dissesse que os 33 mineiros eram 33 como representação da idade de Cristo e que isso simbolizava uma espécie de mensagem divina codificada - a cobertura do resgate, realizada por vários veículos de mídia locais e estrangeiros, começa agora a gerar críticas em artigos e sites de universidades, que questionavam a relevância e o exagero na abordagem do assunto.
O professor da Universidade de Nova York, Jay Rosen, declarou: "É uma boa história, mas 1,3 mil jornalistas corresponde à realidade?" Até mesmo jornais, como o The Guardian e o The New York Times, relataram os excessos cometidos pelos meios de comunicação, e deram como exemplo a rede britânica estatal BBC, que extrapolou seu orçamento ao realizar a cobertura do resgate.
O professor da Universidade Lehigh, Jeremy Littau, também comentou em seu blog o exagero da mídia ao acompanhar, minuto a minuto, as operações na mina San José. Littau disse que a imprensa se preocupa "apenas com a audiência", mas é mais grave: a imprensa agiganta um fato menor para transformá-lo em comoção e com isso gerar audiência. "Mil e trezentos jornalistas! Imagina o que poderíamos fazer com isso? Por que cada canal de TV precisa ter sua própria câmera e seu próprio repórter na era do satélite? O que vejo é uma indústria desperdiçando recursos financeiros e humanos", escreveu Littau.
No Brasil, três canais pagos de notícias - GloboNews, BandNews e Record News - transmitiram o resgate ininterruptamente em tempo real. Além disso, entre as emissoras abertas, a Band conseguiu aumentar sua audiência em 5 pontos nos horários entre 23h29 às 23h55 e de 0h05 às 0h18, entre terça (12) e quarta (13), momento em que as primeiras imagens do resgate começaram a ser veiculadas.
Nenhuma dessas emissoras olhou para o fato relevante dessa questão: se houvesse fiscalização da segurança e leis trabalhistas severas a empresa e o país estariam sendo linchados internacionalmente. Mas o que ocorre é o contrário.
O exagero começa com as chamadas, que rotulam os mineiros de “heróis”. Para os Gregos, que inventaram a palavra, o herói situa-se na posição intermédia entre os deuses e os homens, sendo, em geral filho de um deus e uma mortal. Um herói é, portanto, um semideus, um ser acima dos homens e mulheres comuns.
O herói é marcado por uma projeção ambígua: por um lado, representa a condição humana, na sua complexidade psicológica, social e ética; por outro, transcende a mesma condição, na medida em que representa as facetas e virtudes que o homem comum não consegue, mas gostaria de atingir. Já os 33 homens presos em um buraco lutaram por sua própria sobrevivência; apenas isso. Coisa que qualquer mortal comum faria e faz, a cada dia. Os mineiros chilenos foram vítimas e não heróis.