Qualquer semelhança entre a agressão da mídia aos programas de Lula e as reações ao New Deal, nos anos 30, não é só coincidência.
Em abril de 2008, escrevi um comentário comparando o PAC e o Fome Zero do governo Lula aos programas de obras públicas e de combate ao desemprego abrigados sob o guarda-chuva do New Deal de F.D. Roosevelt, o presidente que conseguiu tirar a economia americana da Grande Depressão produzida a partir da quebra da Bolsa de Nova York, em outubro de 1929. Três quartos de século separam essas experiências: na primeira metade da década 1930-1940, os Estados Unidos e o mundo mergulharam numa crise sem precedentes.
Quando Roosevelt tomou posse, em 1933, para seu primeiro mandato, o PIB americano tinha sido reduzido a praticamente a metade (56,4 bilhões de dólares) do que era em 1929 (103 bilhões de dólares).
Apesar da tragédia do desemprego, que chegava a 30% da força de trabalho, os EUA eram uma nação próspera. Havia muita riqueza e uma boa parte da sociedade afluente aceitava o desemprego como contingência natural numa economia de mercado. A melhor coisa que os governos deviam fazer era ficar fora disso.
Roosevelt surpreendeu, já no discurso de posse, anunciando o fim da era da indiferença: “Temos 15 milhões de sujeitos passando fome e nós vamos dar de comer a eles. O governo entende que é sua obrigação providenciar trabalho para que eles mesmos voltem a sustentar suas famílias”.
Para escândalo de muitos, seu governo colocou em marcha dois enormes programas, nunca antes tentados naquele país, de amparo ao trabalho e combate à miséria, com investimentos públicos em obras, cuja principal prioridade era a absorção de mão de obra (uma espécie de PAC). O empreendimento-símbolo foi a criação da TVA (Tennessee Valley Authority), que construiu barragens para a produção de energia e gerenciou os projetos de irrigação para a produção de alimentos.
Esses programas sofreram pesado bombardeio da oposição conservadora, que, a título de defender a livre iniciativa, esconjurava a ingerência estatal no setor privado, porque interferia na oferta e procura de mão de obra, desvirtuando o funcionamento do mercado de trabalho… Um dado interessante é que os ataques da mídia republicana evitavam agredir o presidente (e seus altos níveis de popularidade), concentrando toda a fúria na figura de Harry Hopkins, principal mentor dos programas de amparo ao trabalhador e gerente das obras públicas, qualificado de “perigoso socialista”. Qualquer semelhança com agressões midiáticas recentes aos programas Fome Zero, Luz para Todos e ao PAC não é simples coincidência…
Hoje, ninguém duvida que o New Deal foi decisivo para a reconstrução da confiança dos americanos nos fundamentos do regime de economia de mercado. Suas ações ajudaram a salvar o capitalismo, na medida em que os milhões de trabalhadores que recuperaram os empregos voltaram “a acreditar na vontade e na capacidade do governo de intervir na economia para proporcionar uma igualdade mais substancial de oportunidades” (FDR numa de suas falas no rádio, Conversa ao Pé do Fogo.)
O fato é que o PIB americano cresceu durante o primeiro e segundo mandatos e, em 1940, havia recuperado o nível que perdera desde o início da grande crise, medindo 101,4 bilhões de dólares. Roosevelt completou um terceiro período presidencial e ainda foi eleito (no fim da Segunda Guerra Mundial), para um quarto mandato, mas faleceu antes de exercê-lo.
Quando Lula assumiu o primeiro mandato, em 2002, a economia brasileira não estava na situação desesperadora da americana de 1933, mas contabilizava algo como 12% de desemprego da população economicamente ativa e vinha de um período de quase 20 anos de medíocre crescimento, com a renda per capita praticamente estagnada. Seu governo pôs em prática os programas de combate à fome que prometera no prólogo de sua Carta aos Brasileiros e posteriormente o PAC, que soma o investimento público e obras privadas, com foco na recuperação da desgastada infraestrutura de transportes, da matriz energética e na indústria da habitação. Setores de grande demanda de mão de obra e de promoção do desenvolvimento.
Oito anos depois (e 15 milhões de empregos a mais), os resultados são visíveis: queda acentuada das taxas do desemprego (para menos de 7% da população economicamente ativa), crescimento da renda e dos níveis de consumo da população, recuperação da autoestima do trabalhador e uma sociedade que adquiriu condições de oferecer uma substancial melhora na distribuição de oportunidades. Isso, tendo atravessado a segunda pior crise da economia mundial dos últimos 80 anos, com o PIB crescendo em 2010 acima de 7%.
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Delfim Netto é economista. Formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal. Publica a coluna Sextante semanalmente na revista Carta Capital.