quarta-feira, setembro 09, 2009

Destrinchando os fatos


Se o jornalismo existisse como o concebemos, ele seria, de fato, a profissão que mais aproximaria a prática humana presente da filosofia clássica, do "amor pelo saber".
Lembro que a melhor definição que já li sobre o que é ser jornalista estava num livrinho escrito para adolescentes por Juan Luis Cebrián, o mestre do jornalismo espanhol que fundou um dos mais importantes jornais conservadores do mundo – El País. Cartas a um joven periodista é curto e faz parte duma daquelas coleções que orientam jovens a respeito das profissões. Cebrián escreve:
A primeira condição é a curiosidade. Os filósofos a chamam de capacidade de assombro, o que implica uma certa ingenuidade do espírito, um amor ao novo, uma disposição de surpreender-se a cada manhã. É nesta capacidade de assombro que está o princípio básico do conhecer e é por isto que a rotina é o pior inimigo da sabedoria. O bom dos jornalistas, daqueles jornalistas de verdade, é que se interessam por tudo, se encantam com tudo, saem em busca de qualquer coisa. Seu trabalho é destrinchar os fatos para sintetizá-los. Já pensou alguma vez sobre o aspecto da primeira página de um jornal? É um mosaico irregular onde se mesclam as últimas notícias da política, a partida de domingo e os crimes passionais. Atrás de cada um destes relatos há um jornalista que os escreve. [...] A paixão do jornalista não se satisfaz apenas com a própria sabedoria mas também com a curiosidade alheia, que ele busca interpretar e que, nem sempre coincide com seus interesses pessoais, seus ideais ou seus próprios critérios.
Qual é o problema? O problema é que isto é um mito.
A curiosidade do jornalista não será, nunca, superior aos ditames do dono do veículo de comunicação no qual esse curioso profissional versará sua prosa. E não me venham dizer que os blogs estão a substituir a mídia de massas porque isso simplesmente não é verdade. A internet e as mídias digitais estão redesenhando o comportamento e mudando a indústria da comunicação, mas os blogs formam nuvens de fragmentos informativos enquanto as mídias de massa formam planetas de informação. Tendo mais massa, esses planetas têm mais peso e conduzem a informação a públicos maiores. Influenciam, portanto, muito mais.
Se o bom jornalista se interessa por tudo, por que os grandes jornais brasileiros menosprezam a verdade? Por que essa curiosidade não joga a favor da continuidade do projeto de reestruturação do Estado brasileiro, defendido pelo PT, e sim a favor do projeto de desmonte da coisa pública defendida pela oposição de direita? É porque não se trata de amor pelo saber, mas de saber que o amor da mídia está em expandir seu campo de ação e destruir as rédeas que um estado forte e realmente autônomo poderia lhe impor.
Pergunte a si mesmo: por que os grandes jornais fazem questão de confundir a opinião pública, informando que a Petrosal - empresa pública reguladora que o governo federal está criando para controlar a exploração da riqueza petrolífera profunda da costa brasileira - será uma espécie de concorrente da Petrobrás e que irá "enfraquecê-la"? Por que a imprensa diz que dar aumento de salário a servidores público, melhorar sua qualificação e contratar novos servidores por concurso é "inchar o estado e aumentar os gastos públicos" ao mesmo tempo em que cobra um estado que cumpra suas funções? Mas como cumpri-las enfraquecido, com funcionários desmotivados, com carência de pessoal?
Ora, isso simplesmente não tem importância.
Porque difundir mentiras ajuda a vender a idéia de que o governo federal brasileiro está metendo os pés pela mão e que é melhor entregar isso tudo de novo aos que venderam as estatais brasileiras sólidas por pouco mais ou nada, ou seja, o PSDB, varrendo de uma vez "essa raça" do poder.
O amor ao novo, exposto de maneira poética por Cebrián está longe de ser o amor ao novo que a verdadeira curiosidade humana pode prover: o amor à sabedoria engajada, aquela que vê o mundo e o quer transformar.
É desse jornalismo transformador e verdadeiro que o Brasil precisa. Quem se atreve a provê-lo?