Conta a lenda que o pressuposto do jornalismo seria a neutralidade. A informação "isenta". O olhar "imparcial". O texto "independente". Ocorre que em política não há isenção nem imparcialidade nem independência. Todos os fatos são lidos e o olhar, a leitura, são mediados pela política, pela ideologia, pelos preconceitos de quem lê e de quem escreve e dos interesses - políticos, comerciais - de quem publica e difunde a notícia. Como disse Marx, "o homem vê o mundo do ponto onde se encontra". Não há meio-termo.
Lúcia Hipólito dá razão a Marx. Especialista em generalidades, tornou-se comentarista política de grande visibilidade na mídia, revelando em todas as suas aparições públicas seu alinhamento doutrinário ao PSDB. E de onde vê o mundo, emite suas opiniões. Uma das baluartes do pedido de impedimento do presidente em 2005, anti-lulista militante e anti-petista radical, Hipólito está comemorando a recente pesquisa CNT/Sensus, bradando seu contentamento com os números assim: "Dilma combina o pior dos mundos: baixo índice de intenção de voto com alto índice de rejeição". Hipólito é uma especialista em secos-e-molhados contaminada por seus preconceitos contra a esquerda. Essa paixão turva sua percepção, deixando que revele o quanto é ignorante em marketing político e gestão de imagem. Ela reage como torcedora que é e não como analista isenta que gostaria de ser.
O que deveria tecnicamente chamar a atenção nos índices relacionados à Dilma Roussef seria justamente o oposto: como a ex-combatente da ditadura, hostilizada pela mídia diariamente, consegue ter índices crescentes que indicam, já, sua presença em um possível segundo turno.
Sem nunca ter sido candidata a nada, sem nunca ter exercido nenhum mandato, a pré-candidata do planalto aparece com 19,9% contra 40,1% de José Serra, uma das figuras mais carimbadas da política nacional e a mais protegida pela imprensa de massas do país. Ou seja, a sem-mandato Dilma Roussef tem metade da intenção de votos de Serra sem sequer ser candidata. Esse seria o destaque se o que se estivesse levando ao público fosse informação. Mas como é informação manipulada, ganha força o não-fato, impondo-se aos fatos à força.
Um exemplo desse jornalismo manipulativo está no título da matéria da Agência O Globo, publicada em diversos jornais na manhã de hoje. "Dependendo do cenário, a intenção de voto em Marina varia até 11,2%". Ou seja, quem está em último ganha as manchetes, transformando a realidade em um simulacro de difícil leitura pelo cidadão comum.
Se o jornalismo é um ato de leitura neutra dos fatos, não pode haver jornalismo quando o assunto é política porque a política é o campo da luta dos contrários, é o espaço da exposição da parcialidade, da escolha apaixonada, do ponto de vista comprometido, da síntese qualitativa que se dá a partir do embate frontal, das múltiplas assimilações e não-assimilações dialéticas de elementos opostos. Só os cínicos não admitem isso.
A propaganda e a publicidade continuam a dar passos largos para se tornarem a parte boa da comunicação social, deixando ao jornalismo o trabalho sujo da manipulação indecente e desavergonhada da realidade enquanto oculta-se no roto manto da visão "isenta" e "imparcial" dos fatos.