sexta-feira, setembro 18, 2009

Relendo J.B. Thompson II

J. B. Thompson concebe o poder enquanto capacidade conferida institucionalmente ao indivíduo ou ao grupo para levar a cabo a defesa de certos interesses ou a concretização de propósitos previamente definidos. Essa capacidade manifesta‑se principalmente nas esferas política, militar e económica, as quais, constituindo embora cada uma um universo referencial próprio, estão estreitamente interligadas e condicionam‑se reciprocamente, como o demonstrara Bertrand Russell. Este filósofo britânico procuraria contornar a prevalecente ideia marxista de que a economia é o motor da História, apresentando como alternativa a sede de poder, condição sine qua non de toda a evolução política. Na análise que faz em finais da década de trinta das várias formas de poder que marcaram até então o presente século, denunciaria não só as articulções existentes entre os interesses económicos, a expansão territorial e a intervenção militar, mas também — à semelhança de Foucault, mais tarde — o facto de a verdade funcionar como o mais eficaz instrumento do poder político.
Ao contrário de Russell, porém, Foucault, na sua “arqueologia” da verdade, não se limitaria à abordagem dos efeitos da propaganda sobre a opinião pública. O autor de Surveiller et Punir e de la Volonté de savoir encontrará igualmente no próprio discurso científico um dos traços constitutivos da “economia política da verdade”. Enquanto sistema de procedimentos orientados para a produção e circulação de proposições, a verdade é, de acordo com Foucault, indissociável dos sistemas de poder que a regulam. Daí ser legítimo falar de um regime de verdade.
O poder revela‑se, portanto, como um elemento estruturador e consolidativo da ordem social, determinando o estatuto hegemónico deste ou daquele grupo, que o mesmo é dizer, definindo o grau de dominação, de repressão e de influência exercidas, ainda que inconscientemente, sobre os restantes grupos. No seio desse grupo circula uma linguagem própria — a que Roland Barthes deu o nome de encrática — emanada do poder, incrustrada de dogmas e, por vezes, doxomaníaca, que não admite contradição nem coexistência com outras linguagens, suas contestatárias. Assim, as relações assimétricas que, no interior do tecido social, se constróem de acordo com os ditâmes do poder, são justificadas e naturalizadas dentro de um vocabulário que vai buscar os seus significantes à ideologia dominante. É nesse sentido que Terry Eagleton irá argumentar que toda a ideologia marca o ponto em que o poder penetra e se instala no cerne dos discursos, intervindo activamente nos processos de construção de sentidos.
Note‑se, todavia, que nem todos os discursos partilham do poder. Roland Barthes, embora admitindo não haver texto sem ideologia, reconhece que no interior da logosfera (‘le monde du langage’) é impossível aspirar a uma harmonização ideológica dos diferentes sociolectos — linguagens alimentadas por certas ficções, ou, como ousará ainda qualificar, por certas ‘paranóias’  — que entre si competem pela hegemonia.