Após postar a entrevista "Um novo olhar sobre o marketing político” recebi email de um leitor que discorda do uso da expressão “marketing político” para designar atividades de comunicação social de organizações não governamentais, como o Greenpeace, por exemplo. "Essas organizações", diz o leitor, "se constituem contra a política".
Eu poderia liquidar esse debate dizendo que ser "contra a política" já é, de antemão, uma atitude política, mas prefiro atribuir o erro da análise do leitor a uma compreensão equivocada do conceito de política.
A explicação original do termo deixa margem de dúvidas por onde se consolida uma leitura distorcida da política e da prática política. Diz-se que, tendo origem no grego politikós (polis), a expressão política abrange, desde os escritos de Aristóteles, “tudo o que diz respeito à cidade” ou “aos negócios do estado”.
Onde surge o erro de interpretação? No entendimento do que Aristóteles queria dizer quando falava em “cidade”, “estado” ou em “urbano”. Hoje sabemos que quando falava em “polis” o filósofo grego estava falando das relações humanas, da inter-relação entre as pessoas em um espaço geográfico dado e da necessidade de uma ordenação normativa e não-normativa para estabelecer, nos grupos humanos e na relação entre eles, as posições de poder.
Aristóteles não estava falando apenas da gestão do Estado e dos negócios de estado, mas de toda inter-relaçao humana. Daí enterdermos que a política está onde estão as pessoas interagindo, organizando-se em um busca de um objetivo qualquer.
Há política no centro do poder institucional, como há política no interior das empresas, nos times de futebol em campo (sem falar nos clubes de futebol fora de campo), nas famílias, nas igrejas, na associação de bairro, nas comunidades, nas relações a dois. Se há disputa, estamos no terreno da política.
Há política no centro do poder institucional, como há política no interior das empresas, nos times de futebol em campo (sem falar nos clubes de futebol fora de campo), nas famílias, nas igrejas, na associação de bairro, nas comunidades, nas relações a dois. Se há disputa, estamos no terreno da política.
Porque política é embate pelo comando - poder que passa pela construção de alianças em torno de objetivos comuns - e o poder não está em um lugar, mas em todos; atravessa a sociedade transversalmente.
É certo que Aristóteles fala em “polis”, em “cidade” e aí reside a base da confusão conceitual. Mas o que é uma cidade, afinal? Surgem cidades por combustão natural? São as cidades fenômenos naturais? Não. Cidades são agrupamentos humanos, são construções humanas. A expressão "polis" abrange toda forma de organização espacial humana, ou seja, todo conjunto que esteja para além do indivíduo, que esteja fora dele e que seja composto por ele e por um outro, realizando uma sinergia entre dois espaços de individualidade não apenas distintos e delimitados, mas por vezes antagônicos. É nesse espaço social que surge a coisa pública, aquela que não é minha nem sua, mas nossa e deve ser preservada enquanto tal e disputada por forças sociais que possuem projetos diferentes de como tornar a "pólis", a sociedade humana em qualquer de suas dimensões, um espaço de convivência melhor.
A confusão de origem está em traduzir política como estado; ou mais, em confundir a prática política com a atividade profissional da gestão dos negócios públicos. A confusão se agrava em ver na atividade parlamentar e de governo o fim cabal do terreno da política.
As ONGs fazem sim política. Como as igrejas fazem política. E o marketing que algumas delas praticam pode ser inscrito sim no conceito de marketing político radical porque o método de ação e os instrumentos de realização desse marketing cuidam de todos os aspectos relacionados com a imagem da instituição, seu corpo simbólico e seu arsenal de marca a partir de uma ótica que questiona os paradigmas da mídia e da comunicação convencionais.
Há política onde há geografia humana, onde há pessoas vivas interagindo, sobrevivendo, construindo marcos comuns e disputando espaços de mando.
"Só os mortos não fazem política", escreveu um filósofo francês, embora Che Guevara, Marx e tantos outros cadáveres ilustres esteja aí para desmentir até mesmo essa premissa.